O cenário econômico no período parlamentarista
Qualquer tentativa de compreensão das formulações e do gerenciamento da política econômica no governo Goulart deve ter como referencial a complexa conjuntura política que caracterizou o início da década de 1960 no Brasil. Este fator acrescenta às variáveis macroeconômicas um elemento de instabilidade no processo decisório, resultando em múltiplas e, por vezes contraditórias, alterações nos padrões de diagnóstico e enfrentamento da pauta de ações governamentais.
Para melhor situarmos a questão, é importante traçar um breve painel do legado econômico do governo Jânio Quadros. Profundamente marcadas pela crítica à política econômica expansionista e desenvolvimentista de seu antecessor, Juscelino Kubitschek, as medidas anti-inflacionárias do ministro da Fazenda Clemente Mariani se basearam na adoção de uma nova política cambial (com marcante desvalorização da moeda). Seu objetivo central era promover a queda da inflação através de um reequilíbrio do balanço de pagamentos. Procurava-se, assim, evitar a tradicional solução de autorizar novas emissões monetárias para arcar com o cumprimento dos compromissos externos e, com isso, insistir numa estratégia que, ao final do governo JK, havia se mostrado uma impulsionadora da inflação.
Embora os primeiros resultados dessa política se tivessem revelado favoráveis à economia brasileira (em destaque o acordo de rolagem da dívida negociado com credores norte-americanos), a busca de bases de apoio político levaria Jânio a comprometer a eficácia de sua política ortodoxa em troca de concessões de créditos e atenuação da rigidez fiscal, ingredientes consagrados no receituário dos acordos políticos à época. O cenário macroeconômico após a renúncia do presidente indicava que as medidas cambiais e a negociação das dívidas haviam garantido um considerável acúmulo de reservas (US$307 milhões). No entanto, a média inflacionária anual não havia recuado para além do patamar de 30%.
A adoção de diretrizes de política econômica no governo Goulart foi dificultada pelos impasses relacionados à sua posse e à solução parlamentarista. No jogo de concessões e compromissos que engendrou o gabinete Tancredo Neves, uma das dificuldades principais era dissipar os temores dos setores conservadores acerca dos vínculos ideológicos e partidários do novo presidente. Ciente das dificuldades que enfrentava para a legitimação de seu mandato, Goulart procurou afastar do centro da arena de decisões econômicas de seu governo qualquer elemento que pudesse ser associado ao imaginário político da bolchevização do país a partir da instauração da chamada "república sindicalista". Desta forma, é plenamente compreensível a nomeação do banqueiro Wálter Moreira Salles para a pasta da Fazenda. Sua presença no governo sinalizava tanto a adoção de um referencial ortodoxo de austeridade fiscal no controle das contas públicas e do balanço de pagamentos, como também a garantia de honrar os compromissos firmados anteriormente com credores internacionais.
Embora Moreira Salles tenha assumido o ministério fazendo críticas à expansão monetária observada nos meses finais do governo Jânio, para a qual propôs soluções impopulares como o controle rígido de créditos do Banco do Brasil, os pontos de desequilíbrio identificados na gestão da política econômica do governo precedente continuariam a ser percebidos na administração de João Goulart. Mesmo após a emblemática viagem de Jango aos EUA, em abril de 1962, na qual se procurou atenuar as inquietações dos investidores internacionais, a pressão pelo atendimento das demandas política de uma diversificada base aliada impunha uma flexibilização das diretrizes propostas pelo ministro da Fazenda. Para além da instabilidade geral causada pelas discussões em torno das reformas de base, a economia no governo Goulart passou a ser premida por um evidente descontrole dos gastos públicos, com conseqüente elevação da taxa inflacionária a patamares próximos ao dobro dos mensurados no governo Quadros. Contribuía para este cenário o crescente déficit operacional de empresas públicas, denunciadas pelos oposicionistas como "cabides de empregos" e "sumidouros" do caixa federal, que havia levado o presidente a abandonar as premissas de rigor fiscal e a autorizar a emissão de moeda. Mesmo em nítido desacordo com a forma pela qual o governo desrespeitava suas metas fiscais, Moreira Salles permaneceu no ministério após a dissolução do gabinete de Tancredo Neves. Já sob a liderança do primeiro-ministro Brochado da Rocha, apresentaria novas propostas de controle dos gastos públicos na tentativa de estabilizar a inflação no patamar de 60% ao ano.
O gabinete Brochado da Rocha conviveu constantemente com a fragmentação da composição política que viabilizara a alternativa parlamentarista e o aumento da pressão, exercida principalmente pelo próprio Goulart, pela retomada do modelo presidencialista. A renúncia coletiva de seus membros, em setembro de 1962, coincidente com a antecipação da realização do plebiscito sobre o regime de governo, permitiu que o presidente montasse um novo - e provisório - Conselho de Ministros que, pela primeira vez, afastava-se do modelo conciliatório com as lideranças conservadoras presente nos gabinetes parlamentaristas anteriores. No lugar de Moreira Salles, assumiu Miguel Calmon, cuja política se caracterizou pela adoção de um regime menos rigoroso de controle fiscal e orçamentário. Durante os poucos meses de sua gestão a expansão do meio circulante saltou de 4% ao mês (ao final do período Moreira Salles) para a média mensal de 13%. Tais índices podem ser compreendidos pela pressão exercida pela concessão do 13º salário aos trabalhadores urbanos e seu resultado mais evidente foi o brutal crescimento da pressão inflacionária, que oscilou em torno de uma taxa de 7% ao mês durante a passagem de Calmon pela Fazenda.
Carlos Eduardo Sarmento
FGV - CPDOC
Qualquer tentativa de compreensão das formulações e do gerenciamento da política econômica no governo Goulart deve ter como referencial a complexa conjuntura política que caracterizou o início da década de 1960 no Brasil. Este fator acrescenta às variáveis macroeconômicas um elemento de instabilidade no processo decisório, resultando em múltiplas e, por vezes contraditórias, alterações nos padrões de diagnóstico e enfrentamento da pauta de ações governamentais.
Para melhor situarmos a questão, é importante traçar um breve painel do legado econômico do governo Jânio Quadros. Profundamente marcadas pela crítica à política econômica expansionista e desenvolvimentista de seu antecessor, Juscelino Kubitschek, as medidas anti-inflacionárias do ministro da Fazenda Clemente Mariani se basearam na adoção de uma nova política cambial (com marcante desvalorização da moeda). Seu objetivo central era promover a queda da inflação através de um reequilíbrio do balanço de pagamentos. Procurava-se, assim, evitar a tradicional solução de autorizar novas emissões monetárias para arcar com o cumprimento dos compromissos externos e, com isso, insistir numa estratégia que, ao final do governo JK, havia se mostrado uma impulsionadora da inflação.
Embora os primeiros resultados dessa política se tivessem revelado favoráveis à economia brasileira (em destaque o acordo de rolagem da dívida negociado com credores norte-americanos), a busca de bases de apoio político levaria Jânio a comprometer a eficácia de sua política ortodoxa em troca de concessões de créditos e atenuação da rigidez fiscal, ingredientes consagrados no receituário dos acordos políticos à época. O cenário macroeconômico após a renúncia do presidente indicava que as medidas cambiais e a negociação das dívidas haviam garantido um considerável acúmulo de reservas (US$307 milhões). No entanto, a média inflacionária anual não havia recuado para além do patamar de 30%.
A adoção de diretrizes de política econômica no governo Goulart foi dificultada pelos impasses relacionados à sua posse e à solução parlamentarista. No jogo de concessões e compromissos que engendrou o gabinete Tancredo Neves, uma das dificuldades principais era dissipar os temores dos setores conservadores acerca dos vínculos ideológicos e partidários do novo presidente. Ciente das dificuldades que enfrentava para a legitimação de seu mandato, Goulart procurou afastar do centro da arena de decisões econômicas de seu governo qualquer elemento que pudesse ser associado ao imaginário político da bolchevização do país a partir da instauração da chamada "república sindicalista". Desta forma, é plenamente compreensível a nomeação do banqueiro Wálter Moreira Salles para a pasta da Fazenda. Sua presença no governo sinalizava tanto a adoção de um referencial ortodoxo de austeridade fiscal no controle das contas públicas e do balanço de pagamentos, como também a garantia de honrar os compromissos firmados anteriormente com credores internacionais.
Embora Moreira Salles tenha assumido o ministério fazendo críticas à expansão monetária observada nos meses finais do governo Jânio, para a qual propôs soluções impopulares como o controle rígido de créditos do Banco do Brasil, os pontos de desequilíbrio identificados na gestão da política econômica do governo precedente continuariam a ser percebidos na administração de João Goulart. Mesmo após a emblemática viagem de Jango aos EUA, em abril de 1962, na qual se procurou atenuar as inquietações dos investidores internacionais, a pressão pelo atendimento das demandas política de uma diversificada base aliada impunha uma flexibilização das diretrizes propostas pelo ministro da Fazenda. Para além da instabilidade geral causada pelas discussões em torno das reformas de base, a economia no governo Goulart passou a ser premida por um evidente descontrole dos gastos públicos, com conseqüente elevação da taxa inflacionária a patamares próximos ao dobro dos mensurados no governo Quadros. Contribuía para este cenário o crescente déficit operacional de empresas públicas, denunciadas pelos oposicionistas como "cabides de empregos" e "sumidouros" do caixa federal, que havia levado o presidente a abandonar as premissas de rigor fiscal e a autorizar a emissão de moeda. Mesmo em nítido desacordo com a forma pela qual o governo desrespeitava suas metas fiscais, Moreira Salles permaneceu no ministério após a dissolução do gabinete de Tancredo Neves. Já sob a liderança do primeiro-ministro Brochado da Rocha, apresentaria novas propostas de controle dos gastos públicos na tentativa de estabilizar a inflação no patamar de 60% ao ano.
O gabinete Brochado da Rocha conviveu constantemente com a fragmentação da composição política que viabilizara a alternativa parlamentarista e o aumento da pressão, exercida principalmente pelo próprio Goulart, pela retomada do modelo presidencialista. A renúncia coletiva de seus membros, em setembro de 1962, coincidente com a antecipação da realização do plebiscito sobre o regime de governo, permitiu que o presidente montasse um novo - e provisório - Conselho de Ministros que, pela primeira vez, afastava-se do modelo conciliatório com as lideranças conservadoras presente nos gabinetes parlamentaristas anteriores. No lugar de Moreira Salles, assumiu Miguel Calmon, cuja política se caracterizou pela adoção de um regime menos rigoroso de controle fiscal e orçamentário. Durante os poucos meses de sua gestão a expansão do meio circulante saltou de 4% ao mês (ao final do período Moreira Salles) para a média mensal de 13%. Tais índices podem ser compreendidos pela pressão exercida pela concessão do 13º salário aos trabalhadores urbanos e seu resultado mais evidente foi o brutal crescimento da pressão inflacionária, que oscilou em torno de uma taxa de 7% ao mês durante a passagem de Calmon pela Fazenda.
Carlos Eduardo Sarmento
FGV - CPDOC
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