domingo, 28 de março de 2010

Prodígios dos alquimistas no tráfico africano


O Capitão Peleg Clarke leva muito tempo barganhando na costa da África.
O barco fede. O capitão ordena a seus marinheiros que subam à coberta com os escravos já comprados, para banhá-los; mas nem bem tiram suas correntes, os negros se atiram ao mar. Nadando para terra, são devorados pela correnteza.

A perda dessa mercadoria machuca a honra do capitão Clarke, veterano pastor desses rebanhos, e fere o prestígio dos negreiros de Rhode Island. Os estaleiros norte-americanos se orgulham de construir os barcos mais seguros para o tráfico da Guiné.
Suas prisões flutuantes são muito bem-feitas, mas tão bem-feitas, que só registram uma rebelião de escravos a cada quatro anos e meio, média quatro vezes menor que a dos franceses e duas vezes menor que a das empresas especializadas da Inglaterra.

Muito têm que agradecer a seus negreiros as treze colônias que daqui a pouco serão os Estados Unidos da América. O rum, bom remédio para a alma e para o corpo, se transforma em escravos na costa africana. Depois, esses negros se transformam em melaço nas ilhas aintilhanas da Jamaica e Barbados. Dali viaja o melaço para o norte e se transforma em rum nas destilarias de Massachusetts. E então novamente o rum atravessa o mar para a África. Cada viajem se completa com a venda de tabaco, tábuas, ferragens, farinha, carne salgada e compra de especiarias nas ilhas. Os negros que sobram vão parar nas plantações da Carolina do Sul, Geórgia e Virgínia.

Assim, o tráfico de escravos dá lucro aos navegantes, aos comerciantes, aos agiotas e aos donos de estaleiros, destilarias, serrarias, salinas, moinhos, plantações e empresas de seguros.


Coughtry, Jay. The notorious triangle.Rhode Island and the african slave trade, 1700/1807. Filadélfia, Temple, 1981.

Memórias do Fogo II.
Eduardo Galeano

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