sábado, 27 de março de 2010

Desafios e rumos da política educacional

Desafios e rumos da política educacional

A política educacional do governo João Goulart foi marcada pela atuação de dois dos seis titulares que ocuparam a pasta do Ministério da Educação e Cultura no período: Darci Ribeiro, que esteve à frente do ministério de setembro de 1962 a janeiro de 1963, durante o gabinete chefiado pelo primeiro-ministro Hermes Lima; e Júlio Sambaqui, que ocupou a pasta no período presidencialista, de outubro de 1963 até o golpe militar de abril de 1964.

Darcy Ribeiro deixou a reitoria da Universidade de Brasília (UnB), para a qual havia sido nomeado em 1961, com a inauguração da universidade que fora encarregado de planejar e estruturar, em 1959, pelo então presidente da República, Juscelino Kubitschek, para assumir a chefia do ministério. Substituiu Roberto Lira, que ocupara a pasta no curto período do gabinete Brochado da Rocha.

Assim que assumiu o cargo, submeteu o Programa de Emergência do Ministério da Educação e Cultura para 1962, referente aos ensinos primário e médio, ao Conselho de Ministros. Aprovado por decreto do Conselho, o Programa permitiu a aplicação de recursos significativos em convênios assinados entre o governo federal e os governos estaduais visando à ampliação de matrículas e à intensificação da escolaridade. Indicativos do acatamento da iniciativa do ministro foram, além da aprovação do Programa, a dispensa de concorrência para a aplicação dos recursos e a convocação dos secretários de Educação dos estados e territórios, pelo próprio presidente da República, para a assinatura dos convênios em reunião realizada em Brasília.

A justificativa para a aprovação do Programa de Emergência baseou-se na gravidade da situação educacional do país, expressa em estatísticas do documento ministerial. Com relação ao ensino primário, apenas 46% das crianças de sete a 11 anos estavam matriculadas, sendo que, desse total, a metade estava cursando a primeira série, apenas 21,4% alcançavam a segunda, 19,3% a terceira e 14,1% a quarta. Com relação ao ensino médio, cuja regulamentação era considerada centralizada e inadequada às necessidades do desenvolvimento nacional, apenas nove de cada cem jovens teriam acesso a escolas desse nível.

Em outubro de 1962 foi homologado o 1º Plano Nacional de Educação, elaborado pelo Conselho Federal de Educação e tendo como relator o professor Anísio Teixeira. O Plano criou o Fundo Nacional de Educação e previu a aplicação de 12% da receita de impostos da União à constituição desse Fundo, cujos recursos seriam destinados, em iguais proporções, aos ensinos primário, médio e superior. Embora estivesse prevista constitucionalmente, a aplicação desse montante só aconteceu, de fato, durante a gestão de Darcy. O Plano previa, ainda, a alfabetização, até 1970, de todas as crianças, adolescentes e jovens entre sete e 23 anos. Para fazer frente a essa meta, o ministério elaborou ainda o Plano Trienal de Educação, que deveria constar do planejamento geral do governo para o período de 1963 a 1965, e previa a aplicação de recursos nos três níveis de ensino em montantes mais substanciais do que aqueles garantidos pela legislação – 12% da receita tributária em 1963, 15% em 1964 e 20% em 1965. A saída de Darcy Ribeiro do Ministério, em janeiro de 1963, para assumir a chefia do Gabinete Civil da Presidência da República, interrompeu o planejamento esboçado nos intensos cinco meses em que ocupou a pasta.

O último ministro da Educação e Cultura do governo Jango foi Júlio Sambaqui, nome ligado à educação profissional e que já vinha atuando na direção do Departamento de Administração do Ministério. Sua gestão foi marcada por iniciativas de incentivo ao programa de alfabetização de adultos baseado no Método Paulo Freire, o que provocou fortes reações dos setores conservadores. Além disso, obteve a adesão dos serviços de teatro, cinema, rádio e televisão aos programas de educação do Ministério, e apoiou as caravanas da cultura promovidas por Paschoal Carlos Magno, que levavam atividades culturais e educativas a diversas regiões do país.

No campo do ensino primário, promoveu a suplementação do salário dos professores do interior para evitar o abandono do ensino, bem como campanhas intensivas de formação e aperfeiçoamento do magistério, entre outras iniciativas. Na área do ensino médio, desenvolveu a Campanha para Formação Intensiva da Mão-de-Obra Industrial, tendo em vista a preparação de operários para a indústria. Em relação ao ensino superior, duplicou o número de vagas nas faculdades visando ao aproveitamento integral dos candidatos aprovados nos exames vestibulares. Com essa medida, buscava resolver a grave crise que o problema dos excedentes vinha gerando nos meios estudantil e universitário. Com o golpe militar que depôs João Goulart, em abril de 1964, Júlio Sambaqui foi exonerado do ministério e as iniciativas renovadoras de sua gestão, suspensas.

Vale mencionar que a reforma universitária integrava o elenco das "reformas de base" que constituíram o programa de governo do presidente João Goulart, contemplando, entre outras questões, a defesa da autonomia universitária e da liberdade docente no exercício do magistério, bem como a abolição da vitaliciedade da cátedra. Os governos militares assumiram a bandeira dessa reforma, limitando-a, contudo, a medidas de modernização administrativa e pedagógica. O problema dos excedentes persistiu e a estratégia adotada para enfrentá-lo, ao longo da década de 1970, teria como base a liberalização nas autorizações para a abertura de instituições de ensino superior privadas no país.

Luciana Quillet Heymann
FGV - CPDOC

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