domingo, 7 de março de 2010

Albert Einstein - A Estrada da Paz


Agosto de 1945

Quando bombas atômicas arrasaram Hiroxima e Nagasaki, o físico Albert Einstein foi chamado de responsável indireto pelas tragédias. Neste artigo, ele nega esse papel, sugere a criação de uma nova organização global e se diz alarmado com a hipótese de uma nova guerra: ela aniquilaria a Terra.

Minha responsabilidade na questão da bomba atômica se limita a uma única intervenção: escrevi uma carta ao presidente Franklin Roosevelt. Eu sabia ser necessária e urgente a organização de experiências de grande envergadura para o estudo e a realização da bomba atômica. Foi o que disse a ele. Conhecia também o risco universal causado pela descoberta da bomba. Mas os sábios alemães se encarniçavam sobre o mesmo problema e tinham todas as chances para resolvê-lo. Assumi, portanto, minhas responsabilidades. Sou, no entanto, um pacifista apaixonado, e minha maneira de ver as coisas não é diferente diante da mortandade em tempo de guerra e diante de um crime em tempo de paz.

Já que as nações não resolvem suprimir a guerra por uma ação conjunta, já que não superam os conflitos por uma arbitragem pacifica e não baseiam seu direito sobre a lei, elas se vêem inexoravelmente obrigadas a preparar a guerra. O horror nesta escalada consiste em sua aparente inevitabilidade. Cada progresso parece a conseqüência inevitável do progresso precedente. Participando da corrida geral dos armamentos e não querendo perder, as nações concebem e executam os planos mais detestáveis. Precipitam-se para a guerra. Mas hoje, a guerra se chama o aniquilamento da humanidade.

"O perigo está em
que cada um, sem
fazer nada, espere
que ajam em seu
favor. Cada um de
nós tem culpa."


Os gênios mais notáveis das antigas civilizações sempre preconizaram a paz entre as nações. Compreendiam sua importância. Agora, esta posição moral é rechaçada pelos progressos técnicos. E nossa humanidade civilizada conhece o novo sentido da palavra paz: significa sobrevivência. A descoberta das reações atômicas em cadeia não constitui para a humanidade perigo maior do que a invenção dos fósforos. Mas temos de empregar tudo para suprimir o seu mau uso. Quando tivermos reconhecido isto, encontraremos então a força de realizar os sacrificios necessários para a salvaguarda do gênero humano. Cada um de nós seria o culpado se o objetivo não fosse atingido a tempo. O perigo está em que cada um, sem fazer nada, espere que ajam em seu favor.

A indústria dos armamentos representa concretamente o mais terrível perigo para a humanidade hoje. Em todos os países do mundo, grupos poderosos fabricam amas ou participam de sua fabricação; em todos os paises do mundo, eles se opõem à resolução pacifica do menor litígio internacional. Contra eles, porém, os governos atingirão este objetivo essencial da paz quando a maioria dos eleitores os apoiar energicamente. Porque vivemos em regimes democráticos e nosso destino e o de nossos povos dependem inteiramente de nós. A vontade coletiva se inspirará nesta intima convicção pessoal. Só a supressão definitiva do risco universal da guerra dá sentido e oportunidade à sobrevivência do mundo. Daqui em diante, eis nosso labor cotidiano e nossa inabalável decisão: lutar contra a raiz do mal e não contra os efeitos. O homem aceita lucidamente esta exigência. Que importa que seja acusado de anti-social ou de utópico? ...
Autoridade internacional - Os progressos da técnica militar tornam possível o extermínio de toda a vida humana, a menos que os homens descubram, e bem depressa, os meios de se protegerem contra a guerra. Este ideal é capital e os esforços até hoje empregados para atingi-lo são ainda ridiculamente insuficientes. Procura-se atenuar o perigo pela diminuição dos armamentos e por regras limitativas no exercício do direito à guerra. Mas a guerra não é um jogo de sociedade onde os parceiros respeitam escrupulosamente as negras. Quando se trata de ser ou de não ser, regras e compromissos não valem nada. somente a rejeição incondicional da guerra pede salvar-nos.

"Não é possível o
desarmamento por
etapas, só de uma
vez por todas. E a
solução é clara -
é tudo ou nada."


Enquanto a possibilidade da guerra não for radicalmente extinta, as nações não consentirão em se despojar do direito de se equipar militarmente do melhor modo prossivel para esmagar o inimigo de uma futura guerra. Não se poderá evitar que a juventude seja educada com os tradições guerreiras, nem que o ridículo orgulho nacional seja exaltado paralelamente com a mitologia heróica do guerreiro, enquanto for necessário fazer vibrar nos cidadãos esta ideologia para a resolução armada dos conflitos. Armar-se significa exatamente isto: não aprovar e nem organizar a paz, mas dizer sim à guerra e prepará-la. Sendo assim, não se pode desarmar por etapas, mas de uma vez por todas ou nunca. A solução é clara: tudo ou nada. Até este momento, os esforços empregados para conseguir a paz fracassaram, porque ambicionavam somente resultados parciais insuficientes.

Não se pode chegar a uma paz verdadeira se se determina sua política exclusivamente pela eventualidade de um futuro conflito, sobretudo quando se tornou evidente que semelhante conflito significaria a completa ruína. A linha diretriz de toda a política deveria ser: Que podemos nós fazer para incitar as nações a viverem em comum pacificamente e tão bem quanto for possível? A eliminação do medo e da defesa recíproca, eis o primeiro problema. A solene recusa de empregar a força, uns contra os outros, impõe-se absolutamente. Tal recusa somente será eficaz se se referir à criação de uma autoridade internacional judiciária e executiva, à qual se delegaria a resolução de qualquer problema concernente diretamente à segurança das nações. A declaração por parte das nações de participar lealmente da instalação de um governo mundial restrito já diminuiria singularmente o risco da guerra. A coexistência pacifica dos homens baseia-se em primeiro lugar na confiança mútua. ...
"Nós não podemos
nos desesperar dos
homens, pois nós
somos homens. A
solução, acredito,
está com o povo."


Uma nova etapa - As gerações anteriores talvez tenham julgado que os progressos intelectuais e sociais apenas representavam os frutos do trabalho de seus antepassados, que conseguiram uma vida mais fácil, mais bela. As cruéis provações de nosso tempo mostram que há aí uma ilusão. Compreendemos melhor agora que os esforços mais consideráveis devem ser empregados no sentido de que nossa herança se torne, para a humanidade, não uma catástrofe, mas uma uma oportunidade. Continuo inabalável neste ponto: a solução está no povo, somente no povo. Não podemos nos desesperar dos homens, pois nós mesmos somos homens. Se os povos quiserem escapar da escravidão abjeta do serviço militar, têm de se pronunciar categoricamente pelo desarmamento geral. Enquanto existirem exércitos, cada conflito delicado se arrisca a levar à guerra.

Que os povos compreendam. Que se manifeste sua consciência. Desta forma galgaríamos uma nova etapa no progresso dos povos entre si e nos recordaríamos do quanto a guerra foi a incompreensível loucura de nossos antepassados. O destino da humanidade repousa essencialmente e mais do que nunca sobre as forças morais do homem. Se quisermos uma vida livre e feliz, será absolutamente necessário haver renúncia e restrição. Desarmamento e segurança só se conquistam juntos. A segurança não será verdadeira a não ser que todas as nações tomem o compromisso de executar por completo as decisões internacionais. Estamos portanto na encruzilhada dos caminhos. Ou tomaremos a estrada da paz ou a estrada já freqüentada da força cega, indigna de nossa civilização. É esta nossa escolha e por ela seremos responsáveis. De um lado, liberdade dos indivíduos e segurança das comunidades nos esperam. Do outro, servidão dos indivíduos e aniquilamento da civilização nos ameaçam. Nosso destino será o que escolhermos.

Albert Einstein ,de 66 anos, é professor de Física na Universidade de Princeton, nos EUA. Alemão naturalizado americano, ele recebeu o Prêmio Nobel em 1921 e realizou dezenas de estudos científicos de espetacular impacto nas últimas décadas.

Revista Veja na História

Nenhum comentário: