ROBERTO KANT
A questão da justiça criminal e da segurança pública, no Brasil, tem ocupado cada vez mais espaço na mídia. Paralelamente, os seminários que congregam cientistas sociais começam a reunir informações provindas de investigações realizadas sobre o tema, estabelecendo-o como questão legítima de estudo.
Os países de tradição anglo-americana têm substantivas tradições de estudo, pesquisa e divulgação de conhecimento sobre a ordem pública e as formas de sua legitimação e manutenção. Por que o Brasil apresenta tanta dificuldade em debruçar-se cientificamente sobre essa questão?
Nos últimos 20 anos, vários cientistas sociais têm insistido na presença de princípios paradoxais e características ambíguas na sociedade brasileira: pregamos explicitamente a igualdade entre todos os indivíduos que compõem a sociedade. Daí decorre que os naturais desentendimentos entre eles, causados por seus interesses deverão ser administrados através de negociações entre partes formalmente iguais, embora substantivamente distintas. Quer dizer, negros, brancos e índios, mulheres, homens e homossexuais, pobres, remediados e ricos serão considerados iguais no que toca à negociação de seus direitos e deveres em público.
Esta visão democrática, igualitária e individualista da sociedade, entretanto, convive em nossa sociedade com uma outra, que permanece implícita em que a sociedade, à maneira de uma pirâmide, é constituída de segmentos desiguais e complementares. A estratégia de controle social, aqui, é repressiva, visando a manter o statu quo a qualquer preço, sob pena de desmoronar- se toda a estrutura social.
A legislação processual penal admite tratamento diferenciado a pessoas que são acusadas de cometer infrações, em função da "qualidade" dessas pessoas, consagrando, inclusive, a presença de instrução superior como um desses elementos de distinção. A presença de métodos oficialmente sigilosos de produção da verdade, como é o caso do inquérito policial, próprios de sociedades de desiguais, que querem circunscrever os efeitos da explicitação dos conflitos aos limites de uma estrutura que se representa como fixa e imutável, confirmam esta naturalização da desigualdade própria de nossa consciência cultural: as pessoas são consideradas naturalmente desiguais.
A solução para o paradoxo parece ainda estar distante. O primeiro passo é a explicitação dos caminhos que nos levaram a ele, com a compreensão de nossa tradição colonial, imperial e republicana.
Roberto Kant de Lima é antropólogo e coordenador do curso de Especialização em Políticas Públicas de Justiça Criminal e Segurança Pública, da UFF e autor do livro A polícia da cidade do Rio de Janeiro: seus dilemas e paradoxos (Forense)
JB 500 anos
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