sábado, 8 de agosto de 2009

Jeanne-Antoinette Poisson: A amante da França


Jeanne-Antoinette Poisson: A amante da França
Ela era apenas uma jovem burguesa, mas usou asedução para conquistar um lugar entre os nobres.Companheira preferida do rei Luís XV, Madame de Pompadour se tornou decisiva na política francesa
por Manuela Aquino
Madame Lebon, famosa cartomante parisiense do século 18, não teve dúvidas ao ler a sorte da pequena Jeanne-Antoinette Poisson: um dia, ela seria amante do rei Luís XV. A previsão teve efeito imediato sobre Louise-Madeleine de La Motte, a mãe da menina de 9 anos. A partir daquele dia, ela fez de tudo para que a filha virasse a preferida do monarca. Longe de representar uma desonra, ser amante do rei era conquistar um posto nos mais seletos círculos da nobreza. Mas a tarefa não parecia nada fácil. Enquanto Jeanne-Antoinette era só uma criança, o rei já estava casado com a polonesa Maria Leczinska e tinha cinco filhos – em termos de alpinismo social, fisgá-lo era como alcançar o Everest. Anos depois, entretanto, a profecia se realizaria. E a jovem, já rebatizada como Madame de Pompadour, seria capaz inclusive de influir nos rumos da política francesa.

Jeanne-Antoinette nasceu em 29 de dezembro de 1721, em Paris, numa remediada família burguesa. Era filha de Louise-Madeleine e François Poisson. O pai trabalhava para um influente servidor do governo, Pâris-Duverney, responsável por abastecer o exército francês com suprimentos. A mãe era uma dona-de-casa dedicada, mas passava muito tempo longe do marido, que viajava muito a trabalho. Segundo boatos que circulavam pela cidade, o verdadeiro pai da menina era o rico viúvo Charles Lenormand de Tournehem, coletor de impostos e diretor da empresa mercantilista Companhia das Índias. Fato é que, em 1725, François teve que fugir da França, acusado de sonegar impostos. Tournehem, que acompanhava Jeanne-Antoinette de perto desde o nascimento, passou também a patrocinar os estudos da menina na ausência do pai. Aulas de canto, cravo e recitação incrementaram seu currículo.

Quando François Poisson retornou à França, perdoado pelas autoridades, sua filha já tinha 15 anos. O objetivo de se tornar amante do rei não era mais apenas um desvario da mãe, apoiada por Tournehem: tinha se tornado uma meta também para a jovem Jeanne-Antoinette. Conforme amadurecia, ficava evidente que sua aparência serviria àquele propósito: alta, cabelos castanhos lisos, pele sedosa, olhos brilhantes e profundos. Outro traço que a fazia chamar muita atenção eram seus dentes perfeitos – uma raridade na época.

Aos 18 anos, Jeanne-Antoinette era conhecida por sua elegância, sofisticação e beleza. Mas, enquanto o dia de conhecer o rei não chegava, ela tinha que se casar com alguém – sob pena de ver cair sobre si a pecha de solteirona. Como era plebéia e não tinha um dote grande o suficiente para atrair um noivo da nobreza, suas opções ficavam bastante reduzidas. Mais uma vez, Tournehem entrou em ação: a jovem se casou com o sobrinho e único herdeiro dele, o coletor de impostos Charles-Guillaume Lenormand. Se de fato era filha de Tournehem, Jeanne-Antoinette estava assim se casando com seu primo – o que não era incomum naquele tempo.

Logo após o matrimônio, em 1741, a jovem passou a ser conhecida como Madame d’Etioles, numa referência à propriedade onde foi morar com o marido. Era uma elegante casa a poucos quilômetros de Paris, às margens do rio Sena (tudo bancado por Tournehem). Longe de qualquer romantismo, o casamento garantia à jovem um nome razoavelmente pomposo e a chance de começar a freqüentar os salões da nobreza. E Etioles era especialmente interessante aos propósitos de Jeanne-Antoinette, pois ficava muito próxima do Castelo de Choisy, que pertencia a Luís XV. O rei ia para lá todo mês de agosto, para uma visita anual de outono.

Os primeiros encontros entre Jeanne-Antoinette e o monarca ocorreram justamente na região de Choisy, onde, depois de casada, ela costumava passear com sua mãe e Tournehem. Ao cruzar vez por outra com a comitiva real, a jovem percebia que era notada por Luís XV, mas o contato era apenas visual. Nascido em 1710, o rei assumiu o trono em 1723, quando já estava noivo da princesa polonesa Maria Leczinska, sete anos mais velha, com quem se casou pouco tempo depois. Após o nascimento de sua primeira filha, Luís XV iniciou a tradição de sempre ter amantes. Em 1742, ano em que viu Jeanne-Antoinette pela primeira vez, sua preferida era Marie-Anne de Châteauroux, que morreu em dezembro de 1744. Isso abria caminho para outra amante oficial – sim, elas eram reconhecidas como tal pela corte e mesmo pela rainha.

A aproximação entre Jeanne-Antoinette e Luís XV foi recheada de politicagem. Naquela época, a França estava em guerra contra a Áustria e a Grã-Bretanha. Poder influir nas decisões militares do país era um grande negócio para o fornecedor do exército Pâris-Duverney e para seu irmão, Pâris de Montmartel, banqueiro e padrinho de Jeanne-Antoinette. Eles perceberam que colocá-la no lugar da falecida amante era a oportunidade de que precisavam: o soberano era muito indeciso, e suas companheiras de alcova eram capazes de influenciá-lo politicamente. Chegava o momento para o qual a jovem tinha sido preparada a vida toda. Restava afastá-la do marido, que não tinha sido mais que um mero trampolim. O sempre presente Tournehem não hesitou fazer com que seu sobrinho fosse enviado a uma viagem de negócios, deixando sua esposa livre para ir ter com Luís XV.

Investida real

Não se sabe quando Jeanne-Antoinette e o rei foram apresentados pela primeira vez. Aparentemente, isso ocorreu no início de 1745 – pode ter sido, por exemplo, numa audiência conseguida pelos irmãos Pâris. Mas não há dúvida de que, uma vez dada a chance de seduzir o monarca, a jovem não a desperdiçou. Em 8 de fevereiro daquele ano, o duque de Luynes, cronista da corte, já se referia à nova conquista de Luís XV: uma “bela desconhecida”, com quem ele tinha sido visto dançando em bailes de máscaras. Já em 10 de março, o mesmo cronista informava o nome da jovem, Madame d’Etioles, e confirmava que, embora muito bonita, ela não tinha origem nobre. Isso teoricamente a impediria de ser oficializada como amante – na visão da alta sociedade que acompanhava o desenrolar dos fatos, aquilo poderia render, no máximo, um affair passageiro.

Mas, em pouco tempo, Jeanne-Antoinette recebeu um cômodo para si no imponente palácio de Versalhes, nas cercanias de Paris, onde residia a realeza. Era uma pequena suíte, estrategicamente posicionada perto dos petits cabinets – pequenos aposentos que o rei compartilhava com amigos íntimos. Em 27 de abril, o cronista Luynes foi obrigado a reconhecer: “Dizem que ela está loucamente apaixonada pelo rei e que essa paixão é recíproca”. Ao marido legítimo, restou um recado dado pelo tio, Tournehem (o mesmo que um dia tinha patrocinado o casamento), dizendo que não restava a ele outra opção senão se separar da mulher.

Um primeiro traço da grande influência de Jeanne-Antoinette sobre o rei pode ser reconhecido na rapidez com que ela foi declarada sua amante oficial. Antes de mais nada, era necessário encontrar um título de nobreza que ela pudesse ostentar na corte. O escolhido foi marquesa de Pompadour, referente a uma propriedade que não tinha posse definida naquela época. Em setembro de 1745, ela finalmente foi nomeada, cumprindo a profecia feita 15 anos antes. Jeanne-Antoinette tinha um novo nome e uma nova posição social. E se eternizaria na nobreza francesa como Madame de Pompadour.

Na condição de amante oficial, ela teve que aprender a etiqueta e o protocolo necessários para viver no castelo. E, apesar de ser vista com olhares tortos por alguns, já que não tinha ascendência nobre, Pompadour conquistou um amigo e tanto: o eminente filósofoVoltaire, que a ajudou em sua instrução literária. “A França era o centro do Iluminismo, que pregava reformas no regime absolutista”, diz Modesto Florenzano, professor de História Moderna da Universidade de São Paulo. “Mesmo assim, os pensadores freqüentavam os palácios com todas as regalias.”

Em Versalhes, Maria Leczinska, a rainha, estava acostumada a ficar em segundo plano, diante da infidelidade do monarca. Na medida do possível, ela ignorava Pompadour. Já o filho Luís, herdeiro do trono, vivia isolado e maldizendo membros da corte (segundo o livro Madame de Pompadour, de Christine Algrant, ele se referia à nova amante do pai como maman putain – algo como “mamãe prostituta”). Diante dessas figuras inexpressivas, Pompadour conquistou seu espaço. O duque de Croÿ, que costumava passar semanas em Versalhes, relatou o que vira por lá no fim de 1747: “Praticamente nenhuma graça era concedida sem a participação dela, o que levava a corte inteira à sua presença como se ela fosse o primeiro-ministro”.

Entre os opositores declarados de Pompadour estava o duque de Richelieu, que cobiçava o cargo de primeiro-ministro. “A nobreza francesa nessa época se caracterizava pelas intrigas e pequenas conspirações em busca de poder”, afirma Florenzano. Mal sabia o duque que a nova preferida do rei tinha o poder de influenciar não só na decoração de Versalhes, mas também em decisões políticas importantes. Pompadour tratou de dizer a Luís XV o quanto se irritava com a presença de Richelieu. Como resultado, ele foi rapidamente dispensado do convívio real.

Percebendo sua influência sobre Luís XV, Pompadour começou a se interessar cada vez mais por questões diplomáticas. Assim, conseguiu estabelecer um laço com o rei que não fosse apenas baseado no sexo: tornou-se uma conselheira de primeira hora. “Ela tinha influência sobre o rei porque era uma das únicas pessoas em quem ele confiava”, afirma Christine Algrant. “Apesar de ela mesma se definir como fria na cama, ele gostava muito da companhia dela.”

Mas o ápice da demonstração do poder de Pompadour estava por vir. Em fevereiro de 1756, Luís XV a nomeou dama de companhia da rainha – que, por mais constrangida que estivesse, foi obrigada a aceitar o fato. Esse era o posto mais prestigioso que as francesas podiam conquistar, reservado só a nobres da mais alta estirpe. Com sua posição social consolidada, Pompadour preparava sua grande jogada política. No mesmo ano, foi assinado o Tratado de Versalhes, no qual as antigas inimigas França e Áustria se comprometeram a ficar uma ao lado da outra contra qualquer outra aliança, a não ser que o conflito fosse entre França e Grã-Bretanha. Por trás disso estava o dedo da amante, que vivia um momento de admiração e paparicos mútuos por Maria Tereza, rainha da Hungria e arquiduquesa da Áustria. “A decisão final foi feita pelo rei, mas Pompadour o influenciou num episódio que culminou numa guerra desastrosa para a França”, diz Christine.

Embora o tratado parecesse ser garantia de paz duradoura, logo após sua assinatura, Maria Tereza enviou suas tropas para a fronteira com a Silésia, território que havia sido tomado pelos prussianos na década anterior. O rei Frederico da Prússia, exímio estrategista militar, resolveu então confrontar a Áustria. Luís XV ficou espantado com a atitude prussiana e ficou sem alternativa a não ser socorrer Maria Tereza. Estava iniciada a Guerra dos Sete Anos, em que as forças franco-austríacas acabaram derrotadas. O conflito também acabou opondo a França à Grã-Bretanha (aliada da Prússia) e, quando terminou, fez com que os franceses perdessem para os britânicos boa parte de suas posses na América do Norte e na Índia.

Durante o conflito, Pompadour chegou até mesmo a indicar generais (ao mesmo tempo em que tentava se livrar das novas amantes do rei, que passara a procurar moças mais jovens que ela). Depois do fim da guerra, em 1763, sentindo-se culpada pelo fracasso militar, Pompadour adoeceu e sua saúde se tornou frágil. Tinha uma respiração difícil e vivia com dores de cabeça e febre. Um ano depois, aos 42 anos, após ficar um mês de cama, ela morreu. Foi enterrada ao lado da mãe, na cripta do Convento do Capuchinhos, em Paris. O rei assistiu discretamente ao cortejo e mostrou sua dor apenas aos criados mais próximos, derramando algumas lágrimas. Com a morte, os bens de Pompadour foram tirados do palácio e guardados em depósitos na capital parisiense. Não acumulou muita riqueza. Em seu testamento deixou pequenas jóias aos amigos. E não se esqueceu de quem deu o pontapé inicial a sua trajetória: a cartomante Madame Lebon foi agraciada com uma boa soma em dinheiro.



O amor e o poder
Três outros exemplos de mulheresque se tornaram muito influentes após conquistar o coração de grandes líderes
A carismática

Caso clássico de mulher que sobe na vida depois de conhecer – e agradar – um homem poderoso, Maria Eva Duarte nasceu em Buenos Aires, Argentina, em 1919. Pobre, Evita sonhava com o estrelato. Depois de atuar como figurante de cinema, foi trabalhar no rádio como atriz e cantora. Nessa época conheceu Juan Domingo Perón. Virou sua amante, mas só trocou o rádio pela política quando Perón foi preso, em 1944, por sua oposição ao governo vigente. A moça organizou comícios para que ele fosse libertado. Dois anos depois, quando Perón se tornou presidente, ela não se conteve em ser primeira-dama. Fundou o Partido Feminista Peronista e fez campanha para aumentar o salário mínimo, além de se engajar em obras sociais.

A impiedosa

Jiang Qing viu no casamento com Mao Tsé-tung a chance de exercer poder e dar vazão a toda sua ambição. A chinesa, filha de uma prostituta, fugiu de casa para estudar e se filiou ao Partido Comunista Chinês, do qual Mao já era um dos líderes, em 1933. Ela o conheceu pessoalmente em Xangai e, em 1939, se tornou sua terceira mulher. Dez anos depois, com a vitória da revolução e a subida de Mao ao poder, ela foi nomeada ministra da Cultura e passou a ser uma das pessoas mais influentes do país. Tinha permissão de seu marido para fazer o que quisesse. Ganhou o apelido de “demônio de ossos brancos”, pela perseguição implacável contra seus inimigos durante a Revolução Cultural, nos anos 60.

A benevolente

Até na Bíblia há um exemplo de como a lábia feminina é capaz de dominar um homem: a história de Ester, mulher do rei Assuero, monarca que governava territórios que iam da Índia à Etiópia. O segundo em comando no reino era Haman, diante do qual todos se curvavam. O único que não o apoiava era Mordechai, pai de criação de Ester, nascido em Jerusalém. Isso despertou o ódio de Haman contra os judeus. Alegando que esse povo não respeitava o soberano, ele conseguiu de Assuero uma ordem para matar todos os judeus em um único dia. Perto da data marcada, a ordem foi revogada, graças a um pedido especial da rainha. O monarca sucumbiu aos encantos de sua esposa, cuja beleza não cansava de exaltar.


Saiba mais
Livro

Madame de Pompadour: Senhora da França, Christine Pevitt Algrant, Objetiva, 2005 - A autora cita vários textos da época para reconstituir a ascensão de Pompadour, as intrigas da corte e a vida da nobreza na França do século 18.

Revista Aventuras na Historia

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