Fritz Utzeri
Amaldiçoar a herança lusitana é lugar comum no Brasil. Quando se fala da passividade do povo, vêm logo à mente os antepassados portugueses, e se o "pensamento" é aprofundado, surge quem atribua nossos males ao cruzamento do português com índio e negro. "Boa coisa não podia dar", torcem o nariz há mais de século elites que trazem no sangue as origens dessas três raças, mas que suspiram na crença de que nosso destino teria sido bem diferente, muito melhor, se em lugar de lusitanos tivéssemos sido colonizados por holandeses ou ingleses.
Será? Os defensores da idéia referem-se a Maurício de Nassau como a um sábio, mecenas, protetor das artes e das ciências, descrição que não encontra paralelo, nos livros de História, com a de qualquer Vice-Rei que por aqui exerceu o seu mando. Outros apontam para os Estados Unidos como exemplo de colonização bem sucedida. Lá o colonizador falava inglês, matou praticamente todos os índios e não se miscigenou. Teria sido essa a vantagem norte americana?
Outros ainda atribuem à nossa desdita um problema adicional. Portugal mandava para cá todos os degredados, condenados por crimes variados na metrópole. "Um país que nasceu esvaziando as cadeias de Portugal só podia mesmo resultar numa terra de ladrões". Seremos mesmo o produto de uma colonização que juntou três raças "inferiores" num amálgama que nos condena ao atraso eterno? Parece coisa de Gobineau ou do conde Afonso Celso, que tiveram grande influência na monarquia, defendendo a primazia do europeu (de preferência não ibérico) e desprezando negros e índios. O que deu errado no Brasil?
A resposta é NADA! Levando em consideração o fato, a desgraça de termos sido colonizados, a resposta é: NADA deu errado, pelo menos do ponto de vista da composição racial dos nossos antepassados. Pelo contrário. Da mistura primordial índio, negro e português, mais tarde enriquecida com a agregação de outras etnias e culturas européias, semitas e orientais; resultou um povo maravilhoso, alegre (não necessariamente feliz), de grande inteligência instintiva, notável capacidade de adaptação e sobrevivência. Um grande povo para um grande país.
Examinemos o caso holandês. No auge da sua expansão o colonialismo holandês era bancado por duas grande companhias; a das Índias Ocidentais e a das Orientais. Nassau era um executivo da primeira e sua empreitada malogrou, batida por coalizão de brancos negros e índios. Vale lembrar que a Companhia das Índias Orientais prosperou e resultou num país chamado Indonésia. Já imaginaram? Não vai aqui qualquer desprezo por nossos irmãos indonésios, mas país por país... Além disso, bem ao norte, vemos o exemplo da ex-Guiana holandesa, hoje Suriname. O que temos a invejar? Colonização holandesa legítima. Melhores os lusos...
Os ingleses também não podem ser invocados. Voltando às Guianas, o que a ex-Guiana inglesa tem de diferente do Brasil? Mas há os Estados Unidos. Só que lá foi diferente. Aqui, a efetiva colonização (nossa desgraça histórica), começou depois que Francisco Pizarro destruiu o império Inca. Então havia ouro na nova terra! Pra cá vieram aventureiros para escravizar a enriquecer. Nossa organização: enormes latifúndios hereditários com monocultura açucareira, cartas régias e o monopólio de Portugal em tudo. Não podia existir aqui tipografia ou oficina de ferreiro. Quem quisesse prego teria que trazê-lo de além mar, ou esperar até 1808 quando D. João VI abrisse os portos.
Nos Estados Unidos houve uma migração religiosa. Foram os puritanos, ingleses religiosos e trabalhadores que não se sentindo à vontade na mãe pátria, pegaram o Mayflower e fundearam em Plymouth, o que deu origem a 13 colônias e mais tarde aos Estados Unidos. Lá o ouro só foi descoberto depois da independência e quem pagou o pato foram os mexicanos e índios. Lá era possível abrir oficinas de ferreiros, pequenos estaleiros, tipografias, estudar. Era mais um dissidência inglesa do que uma colônia.
Quanto aos degredados. Será que não podia dar certo? Há pouco mais de 200 anos, os ingleses esvaziaram suas cadeias mandando toda a ralé criminosa da Albion para o outro lado do mundo; a Austrália. Era uma passagem só de ida e em boa parte dos criminosos foram entregues à própria sorte. Abandonados, organizaram-se, sem volta fincaram raízes e é só olhar para a Austrália para ter certeza que ela só prosperou exatamente porque NÃO foi colonizada.
A desgraça não é a etnia de quem coloniza. A desgraça é o colonialismo e levará ainda muito tempo para que suas seqüelas possam desaparecer para sempre da história dos povos colonizados.
Fritz Utzeri é diretor de redação do JB
JB 500 anos
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