sábado, 2 de maio de 2009

Tropicus Germanicus


O radicalismo em Sérgio Buarque de Holanda

Tudo teve início com uma simples solicitação. Em 1929, quando Assis Chateaubriand convidou o articulista Sérgio Buarque de Holanda a fazer um roteiro profissional para O Jornal que incluía a Alemanha, a Rússia e a Polônia, não poderia prever como os estudos interpretativos sobre o Brasil ficariam gratos pelo convite.

A estada de Sérgio Buarque na Alemanha se converteu em uma experiência acadêmica que foi responsável pela interpretação progressista do Brasil que seu livro Raízes do Brasil inaugura em 1936. Estabelecido em Berlim, o autor desenvolveu aguçada leitura de autores alemães que influenciaram a maneira como seu país deveria ser examinado. Seja pela construção de “tipos sociais ambíguos”, própria de Simmel, ou mesmo pela utilização de tipos ideais weberianos, como na construção conceitual que Sérgio Buarque traça entre o colonizador-semeador e o colonizador-ladrilhador, “Raízes do Brasil é o único (livro) que se pode dizer que é meio alemão”, segundo Antonio Candido. O caráter sociológico e interpretativo que marcou a primeira grande obra de Sérgio Buarque foi aos poucos se convertendo em um esforço pela pesquisa documental que daria um teor mais histórico a suas obras posteriores, como Caminhos e Fronteiras e Visão do Paraíso.

Dentro dessa leitura interpretativa do Brasil ao modo alemão, Sérgio Buarque apresentava uma certa racionalidade crítica que sustentava uma proposta radical de transformação da realidade política brasileira. Esta proposta que Raízes do Brasil sustentava não poderia ser explicada apenas pela tradição intelectual alemã que embasa a obra. A maneira como o jovem Sérgio Buarque assistia à ascensão do nazismo na década de 1930 o fazia receptivo à esquerda política, o que pode ser percebido em seu livro de 1936 a partir da análise crítica de um passado oligárquico passível de denúncia. O teor revolucionário da obra se apresenta por meio de duas características percebidas por Antonio Candido: a posição democrático-popular da obra que colocava o autor no sentido oposto às interpretações da época e a quebra do fascínio pela tradição luso-brasileira como instrumento de avaliação de nosso passado e determinante de nosso desenvolvimento futuro.

Dessa maneira, o processo de amadurecimento das relações intelectuais de Sérgio Buarque se confunde com o florescer de suas ansiedades políticas cultivadas no fértil solo alemão da década de 1930. A ampliação de sua visão libertária do processo histórico garantiu que sua trajetória política fosse um desdobramento da crítica social que Raízes do Brasil apontava em 1936. Sérgio Buarque foi militante do Centro Brasil Democrático desde sua fundação, em 1978, e na década de 1980, fundador do Partido dos Trabalhadores, admitindo que suas experiências políticas contribuíssem para romper o caráter oligárquico da nação brasileira.


Em 1982, com o crescente brado dos intelectuais pelo fim da censura, Antonio Candido afirmava: “Simbolicamente, era como se houvesse uma ligação profunda entre a aclamação de agora e aquele texto de 1936, segundo o qual só a transferência de poder às camadas espoliadas e oprimidas poderia quebrar o velho Brasil da iniqüidade oligárquica”.

Setenta anos de Raízes do Brasil mostram como o olhar germânico de Sérgio Buarque de Holanda se fixa diante da realidade brasileira.

Revista de Historia da Biblioteca Nacional

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