sábado, 14 de fevereiro de 2009

Renda mínima - Uma idéia da Revolução Francesa


Os famintos e o penhorista, guache, irmãos Leseur, século XVIII, Museu Carnavalet, Paris
Miseráveis recebem alimentos e casal entrega prataria da casa a um penhorista. Pobreza nos tempos da Revolução francesa inspirou Paine


A idéia de que todo cidadão tem direito a uma parte da renda produzida pela sociedade é do economista inglês Thomas Paine. Combatente na Guerra da Independência americana e entusiasta da Revolução de 1789, Paine queria estender para a economia a igualdade da democracia política
por Pierre-Henri de Menthon

A idéia é simples: todo indivíduo, do dia de seu nascimento ao de sua morte, contribui para a criação da riqueza do país, e teria, por conseqüência, o direito de receber uma parte disso.

Idealista, o dividendo universal, que no Brasil se popularizou com o nome de “renda mínima”, é uma idéia antiga. Mesmo que alguns acreditem encontrar vestígios dele na obra de Thomas More, sua paternidade é geralmente atribuída a um economista inglês, que combateu pela independência dos Estados Unidos e foi parlamentar na Revolução Francesa: Thomas Paine.

Eleito pelo departamento de Pas-de-Calais, Paine foi apresentado à Assembléia Constituinte no dia 22 de setembro de 1792 pelo abade Gregório. Nesse dia, na Salle du Manège, foi proclamado o ano I da República, e o anglo-americano Thomas Paine tornou-se personalidade internacional. Nas palavras de François Mitterrand, em seu prefácio de uma obra coletiva intitulada Thomas Paine, cidadão do mundo, “como outros, mais familiares, Thomas Paine foi daqueles que fundaram, pela razão e pela ação, os Estados Unidos e a França republicana”.

Paine nasceu em 1737, em Norfolk, Inglaterra. Após ter sido fabricante de espartilhos, marinheiro e alfandegário desembarcou em 1774 em Filadélfia. Desconhecido, arruinado, divorciado, foi tentar a sorte na dinâmica colônia americana. Ele desejava mudar o mundo e publicou textos na imprensa local.

Thomas Paine, gravura, W.Sharp, 1793, Biblioteca do Congresso, Washington
Thomas Paine, o criador da idéia do dividendo universal

No início concebido como uma série de artigos, O senso comum foi finalmente editado com cerca de 50 páginas. Abertamente favorável à independência e republicano, o autor usava frases fortes que serviam como slogans. “Por que um continente deveria ser eternamente governado por uma ilha?”, perguntavase esse inglês. A polêmica foi grande e terminou em um verdadeiro fenômeno editorial (120 mil exemplares vendidos em 1776!) que dotou a revolta da burguesia americana contra o fisco inglês de uma ossatura ideológica. Paine, que em alguns meses ficou rico e célebre, uniu-se às tropas de Washington e participou, com um fuzil nas mãos, da Guerra da Independência. Ele também serviu à causa organizando, com o marquês de La Fayette, o apoio financeiro e militar da França aos independentistas.

Este homem de razão e ação encontravase em Paris, em novembro de 1789. Em princípio, Thomas Paine estava de passagem para obter a patente de uma ponte metálica que havia inventado. Mas a política o pegou. La Fayette lhe confiou as chaves da Bastilha com a missão de entregá-las a George Washington. A França fazia uma dupla homenagem: uma ao autor de Senso comum e outra àquele que, em abril de 1789, tornou-se o primeiro presidente da República dos Estados Unidos – essas famosas chaves figuram hoje na residência de Washington, em Mount Vernon –, mesmo que Paine as tenha enviado por outro viajante. Isto porque esse doutrinário ativo tinha mais o que fazer em 1790 do que voltar à América com as chaves da Bastilha. A Revolução Francesa o fascinou. Com seus escritos (publicou sua maior obra, Os direitos do Homem em 1791), combateu seu compatriota Edmund Burke, um dos primeiros teóricos da contra-revolução. Depois passou à ação.

BIBLIOTECA DO CONGRESSO, WASHINGTON
O senso comum, livro que vendeu 120 mil cópias em 1776.

Como constituinte, uniu-se com Sieyès ao Comitê dos Nove, encarregado de redigir a Constituição da República. Suas amizades com os girondinos, seu gosto pela violência que tomava conta de Paris e sua recusa em votar a favor da morte do rei logo iriam colocá-lo de lado. Sua aura o livraria por pouco da guilhotina, mas, em dezembro de 1793, foi expulso da Constituinte como “cidadão nascido estrangeiro” e encarcerado na prisão de Luxemburgo.

Banido da Inglaterra, condenado na França, o homem não tinha mais pátria – ele se tornaria oficialmente cidadão americano somente em novembro de 1794. Em 1802 embarcou novamente para a América, onde morreu no esquecimento. Antes de deixar a França, Paine publicou em 1797, simultaneamente em Londres e Paris, uma pequena obra que marcou época, mesmo sendo menos famosa que O senso comum. Foi em A justiça agrária que ele inventou o famoso “dividendo universal”. Para ele, “todo homem, enquanto habitante o globo, é co-proprietário da terra”. Sob esta óptica, ele propõe criar, na seqüência da democracia política, uma democracia econômica. Em seus trabalhos precedentes, já militava por um imposto progressivo sobre a herança, um sistema de renda a favor dos desfavorecidos e verbas destinadas a escolarizar as crianças. Teses que encontramos em outras obras publicadas na época, principalmente nas de Condorcet. Mas, com sua Justiça agrária, Paine vai mais longe. Todo proprietário de terras seria devedor à comunidade de um “aluguel natural” que ele pagaria ao Estado para ser redistribuído sob a forma de renda anual para todos. Segundo ele, seria conveniente “criar um fundo nacional para pagar a todos os indivíduos a partir de 21 anos de idade, a quantia de 15 libras esterlinas, a título de indenização do direito natural, cujo sistema de propriedade territorial os privou”. Para aqueles com mais de 60 anos, essa renda seria reduzida a 10 libras esterlinas.

A queda da Bastilha, guache sobre cartão, Claude Chollat,1789, Museu Carnavalet, Paris
A missão de entregar entregar as chaves da Bastilha para George Washington foi confiada a Paine, que preferiu ficar e militar na Revolução Francesa

O texto, publicado em resposta ao sermão do bispo Watson de Laudaff, opõe, em primeiro lugar, a justiça dos homens à caridade cristã. Ele rejeita também a apropriação coletiva das terras que os primeiros comunistas da época, o francês Gracchus Babeuf (guilhotinado em 1797) e o inglês Thomas Spence, preconizavam. Paine inventou uma terceira via que não era destinada a erradicar a miséria ou revolucionar o mundo, mas simplesmente conceder a todos a segurança de uma renda, de modo igualitário.

O dividendo universal é hoje bandeira de grupos de esquerda, como o movimento Attac e, do lado oposto do leque econômico, os ultraliberais. Em 1972, o herói dos últimos, o Prêmio Nobel de Economia Milton Friedman, preconizava em Capitalism and freedom, a implantação de uma renda universal integrada ao sistema fiscal (daí o nome de imposto negativo) para substituir os programas de benefícios sociais e “subvencionar” os salários mais baixos.

Quem me quer?, gravura, 1792, Biblioteca do Congresso, Washington
Charge simbolizando as muitas causas defendidas por Paine, que dedicou a vida às revoluções na França e Estados Unidos

Se o dividendo universal é capaz de seduzir os liberais e os pensadores de esquerda, é porque ele consegue respeitar, ao mesmo tempo,o igualitarismo e a liberdade individual. Nos anos 20-30, economistas como Clifford Hugh Douglas e seu “crédito social”, Oskar Lange (dividendo social) e Jacques Duboin (distributivista) consagrarão pesquisas para construir uma teoria coerente de uma renda independente do capital e do trabalho. Trabalhos que sustentarão a instauração, após a Segunda Guerra Mundial, do Welfare State (Estado do bem-estar social) britânico seguido da primeira “renda mínima de inserção” nos Países Baixos em 1965.

Racionalização e simplificação do sistema de proteção social, luta contra a pobreza e a exclusão, crescimento da liberdade individual: é a volta das idéias de Thomas Paine.

UMA UTOPIA QUE SE TORNOU REALIDADE NO ALASCA
O “dividendo universal” de Thomas Paine seria um doce sonho de um economista utópico? Não. O sistema funciona há mais de três décadas no Alasca. Por referendo, em 1976, os habitantes do Alasca decidiram dividir de modo igualitário o bolo da renda petrolífera. No tempo de Thomas Paine, a principal riqueza era a terra. No mundo moderno é – muitas vezes – o petróleo. Mas a teoria do “dividendo universal” se aplica de acordo com as recomendações do autor de Justiça agrária, e o Alaska Permanent Fund Corp (APFC) se assemelha ao “fundo nacional” que Thomas Paine propôs que o Diretório da Revolução Francesa instaurasse em
Pierre-Henri de Menthon é redator-chefe da revista econômica Challenges
Revista Historia Viva

3 comentários:

Alvaro Oliveira disse...

Bem desenvolvido este
texto sobre a revolução
francesa e queda da Bastilha.

Um abraço

Alvaro Oliveira

Blog do Franco disse...

Olá Eduardo!

SEu blog também é muito bom !

Parabéns pelo conteúdo histórico bem apresentado!

Vou te acompanhara na suas postagens!

Abrahhh

Em-conexão disse...

O seu blog é ótimo! As imagens e os escritos estão em concórdia, e isso fica claro a nós, leitores leigos em muitos assuntos postos à luz aqui. A democracia, como você aponta, precisa ser instrumento de geração de igualdade social. Mas, para isso, o Brasil ainda tem muito a caminhar pelas estradas do bom arremate, da distribuição em partes iguais do dinheiro gerado por toda produção nacional. Mas, se unirmos o que temos, chegaremos lá, nesse caminho tão iluminado.

Um grande abraço.