por Rémi Kauffer
Em 1935, Klaus Barbie ingressou na SS, atingindo em pouco tempo um posto de comando na tropa de Hitler. Em novembro de 1942, foi enviado a Lyon para chefiar a Gestapo na cidade francesa
Entre sua chegada a Lyon, no fim de 1942, e sua fuga precipitada diante dos exércitos aliados no verão de 1944, foi ele o caçador. Vinte meses de batidas, de perseguições, de armadilhas. O prazer de perceber a angústia em lábios que tremem, em joelhos vacilantes. Pois ele, o Obersturmführer das SS, número 272284, espécime eminente da raça dos senhores, não temia Deus nem o diabo. Fanfarrão, era visto percorrendo com freqüência as ruas de Lyon acompanhado de três ou quatro homens, não mais.
Nessa época, ainda não era chamado de o carrasco de Lyon - um achado do pós-guerra. Mas o Obersturmführer Klaus Barbie já tinha um considerável currículo como caçador. Clandestinos ligados a redes de resistência francesas ou britânicas, maquis, judeus - inclusive crianças, como em Izieu. Centenas de deportações raciais ou não, assassinatos, torturas, execuções. E o fino do fino, a captura dos chefes da Resistência - entre eles Jean Moulin, reunidos para designar o novo chefe do exército secreto - em Caluire, no dia 21 de junho de 1943.
Brutal, sádico, desprovido de escrúpulos: assim era Klaus Barbie. Um puro produto do fanatismo ideológico nazista, com seu desfile de racismo, de desprezo pelos seres inferiores.
EUA protegem o nazista
A estada de Barbie em Lyon foi agradável. Depois da derrota do III Reich começam os dias penosos em que o caçador se faz caça, e o oficial das SS passa a se esquivar. Promovido a Hauptsturmführer (capitão) em novembro, o ex-chefe do Amt IV do KdS de Lyon retornou a uma Alemanha que, sob as bombas dos aliados, não pára de se encolher.
Barbie figura como criminoso de guerra no Central Registry of Wanted War Criminals and Security Suspects, o Crowcass, um arquivo organizado pelos aliados. Na lista dos agentes alemães que atuaram na França, criada pela polícia do exército francês, ele aparece com o nome de "Barbier".
Mas é preciso ter cuidado, pois uma guerra pode esconder outra, e a Segunda Guerra Mundial dá lugar à Guerra-Fria. Em abril de 1947, Barbie é recrutado em Munique por uma unidade especial do Counter Intelligence Corps americano. Os objetivos do CIC não eram a perseguição de criminosos de guerra, atributo de outro ramo da organização, mas a luta contra a espionagem soviética na zona de ocupação americana, a infiltração no KPD, o partido comunista alemão, e a obtenção de informações sobre o aliado francês - alvo de desconfianças.
Teria o ex-chefe do Amt de Lyon relatado a seus superiores americanos o martírio de Jean Moulin, o representante pessoal do general de Gaulle na França ocupada, e de seus camaradas de Caluire? É pouco provável. Mas por que não mencionar as operações que efetuou em maio de 1944? Com as informações de um agente duplo, o franco-alemão Lucian Wilhelm Iltis, responsável pelo aparelho clandestino da Internacional Comunista e simultaneamente informante da Gestapo de Estrasburgo, Barbie desarticulou o estado-maior da resistência militar comunista da zona sul da cidade em apenas três dias.
Cerca de 40 dirigentes, dezenas de franco-atiradores e de combatentes caíram na armadilha nazista apenas um mês antes do desembarque na Normandia: um exemplo eloqüente de eficiência, apropriado para ser exposto a seus interlocutores - e logo patrões - americanos.
Vida na Bolívia
No começo de 1951, depois de cinco anos de bons e leais serviços, Klaus Barbie e sua família seguem a linha dos ratos, esta sucessão de etapas que conduz antigos nazistas para a América do Sul. É na Bolívia que ele se instala, um país de 3 milhões de habitantes, onde os imigrantes alemães são tradicionalmente numerosos. Naturalizado boliviano em outubro de 1957, sob o falso sobrenome de Altmann, começa a engordar seu patrimônio. Acolhe com fleuma a visita oficial do general de Gaulle em setembro de 1963. Por que deveria inquietar-se, já que o presidente francês, em seus projetos de reaproximação com a Alemanha Federal, já libertou seus dois ex-chefes, os generais Oberg e Knochen? Dois meses mais tarde, o exército francês, tendo localizado Barbie em La Paz, solicita que o Sdece, os serviços especiais franceses, se ocupem do caso, mas o pedido não dá resultados.
Em 1966, o ex-agente das SS número 272284 começa a lidar com armamento naval. Com o apoio do general-presidente Barrientos, ele cria a Transmaritima Boliviana, uma sociedade da qual possui 49% das ações (os 51% restantes pertencem ao Estado).
Colaboração com a ditadura boliviana
Localizado pelos serviços franceses, Barbie também é encontrado pelos americanos. A CIA chegou a cogitar propor-lhe uma nova colaboração antes de desistir da oferta, depois de uma queixa feita por um senador influente, Jacob Javits, alertado por um de seus eleitores. Pior para a CIA que, inquieta por causa do crescimento das idéias castristas na América do Sul, procura informantes na região. Ela localiza Che Guevara na Bolívia, onde o revolucionário argentino tenta implantar uma oposição armada ao regime de Barrientos. Pouco depois, a polícia boliviana captura um jovem militante de extrema-esquerda, Régis Debray, teórico do foco guerrilheiro.
Com a ajuda da CIA, os militares bolivianos cercam Che Guevara que, ferido, será executado sem processo a 9 de outubro de 1967. Uma complicação surge dois anos mais tarde: informado da presença de Barbie pelo cônsul da França em La Paz, o embaixador e o ex-chefe da Resistência do maquis de Glières, Joseph Lambroschini, reconhece sua impotência.
Negociando com as autoridades bolivianas para obter a libertação de Régis Debray, condenado a 30 anos de prisão, os diplomatas franceses não estão em condições de exigir a extradição de Barbie simultaneamente. Libertado, Debray volta a Paris em 1970. No ano seguinte, o ex-oficial nazista recolhe contribuições na região de Cochabamba, onde tem vários negócios.
O carrasco de Lyon trabalha para o general Hugo Banzer, um militar de extrema direita decidido a derrubar o governo de esquerda do general Torres. A missão foi cumprida em junho de 1971. Como recompensa pelos bons e leais serviços, os amigos de Banzer nomeiam Barbie tenente-coronel honorário dos serviços secretos. Onipresente, o ex-oficial das SS também serve de intermediário com a Alemanha para a compra de armas. Mas um dia o vaso se quebra. Beate e Serge Klarsfeld, os caçadores de nazistas seguem seu rastro. Em janeiro de 1972, Beate vai ao Peru, onde Barbie passa férias, e depois chega à Bolívia. Sua iniciativa permite tornar público o caso. No dia 1.o de fevereiro, a França pede a extradição. Evidentemente, La Paz não se empenha em agir rapidamente.
Régis Debray reaparece a esta altura dos acontecimentos. Ele se tornara conselheiro do presidente socialista chileno Salvador Allende, e toma a iniciativa de entrar em contato com Klarsfeld durante uma visita a Paris. Um projeto ambicioso nasce do encontro dos dois, num café de Saint-Germain-des-Prés: oficiais ligados à oposição de esquerda ao regime de Banzer e guerrilheiros bolivianos raptariam Barbie, que seria levado ao Chile, de onde seguiria por barco à França. Refugiado político no Chile, Gustavo Sánchez, ex-chefe da polícia de Cochabamba, também de passagem pela França, se une ao complô que apóia o ex-presidente Torres, agora refugiado no Uruguai, onde será assassinado pouco tempo depois.
Com o passaporte de um amigo, Serge Klarsfeld vai ao Chile no fim de dezembro de 1972. Leva 5 mil dólares para comprar um carro destinado a levar Klaus Barbie clandestinamente. Klarsfeld e Debray vão até a fronteira, onde encontram Sánchez e outros bolivianos, entre eles dois oficiais.
Nos meses seguintes, dois acontecimentos inesperados mudam infelizmente o quadro. Primeiro, um acidente com o carro comprado graças aos 5 mil dólares de Klarsfeld; em seguida, a prisão momentânea de Barbie, em 2 de março de 1973, por causa de dívidas não pagas e do exame do pedido de extradição feito pela França. Conforme o previsto, no dia 5 de julho a corte suprema da Bolívia recusa o pedido de extradição: Herr Altmann não pode ser extraditado para a França, pois não há nenhum tratado neste sentido entre os dois países. Mas Barbie só sai de sua cela na prisão de San Pedro no dia 25 de outubro, um mês e meio depois do golpe contra Allende no Chile, o que torna impossível a realização do plano de Debray e dos Klarsfeld.
Prisão perpétua
Mas o desfecho da história foi apenas adiado. O casal de caçadores de nazistas logo consegue infiltrar uma amiga alemã - cuja identidade se recusam até hoje a revelar - nos círculos freqüentados por Barbie. Sempre protegido pelas autoridades bolivianas, Barbie esconde cada vez menos seu passado nazista. Mas em julho de 1978, seu amigo, o general Banzer, renuncia e foge. Golpes de Estado (o ex-SS desempenha, às vezes, papel importante, como em julho de 1980), demissões forçadas, manifestações. No começo de 1982, os EUA, cansados das ditaduras militares latino-americanas, impõem o retorno ao poder do democrata Hernán Siles Zuazo, cujo secretário de Estado da Informação, e logo chefe da polícia do exército, é Gustavo Sánchez, velho cúmplice de Debray e dos Klarsfeld. Debray se tornou conselheiro do presidente Mitterrand. Com o apoio dos Klarsfeld, o ex-companheiro do Che exuma o dossiê de Barbie. Tudo se acelera. Privado de sua nacionalidade boliviana por causa de falsas declarações de identidade quando de sua entrada no país, o carrasco de Lyon é preso. É necessário entregá-lo à França, onde cometeu uma boa parte de seus crimes; ou à Alemanha, seu país de origem, que o reclama para julgá-lo.
Depois de hesitações e ofertas comerciais e econômicas, Sánchez e os bolivianos escolhem a França. No dia 4 de fevereiro de 1983, às 21 horas, oficialmente extraditado para o único país que aceita acolhê-lo, Barbie deixa algemado a prisão de San Pedro. No aeroporto, aviadores franceses e agentes da DGSE se ocupam dele. No dia seguinte, às 22h25, um camburão leva o carrasco de Lyon para a prisão de Montluc, lugar de suas sinistras façanhas, 40 anos antes. Na sexta-feira, dia 3 de julho de 1987, Klaus Barbie é condenado pelo tribunal de Lyon à prisão perpétua por crimes contra a humanidade. Em 1991, no dia 25 de setembro, o ex-oficial nazista morre na prisão, vítima de câncer.
Rémi Kauffer é professor do Instituto de Estudos Políticos de Paris.
Revista Historia Viva
Um comentário:
E ainda assim, parece que essas pessoas não tem o 'fim' que mereciam :x
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