segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Aristóteles no planalto

O que pensaria o célebre filósofo grego da Antigüidade diante do sistema político do Brasil contemporâneo? Reconheceria nele as idéias igualitárias da democracia ateniense?
Edison Nunes

Aristóteles, óleo sobre tela, Francesco Hayes, 1811, Galeria da Academia, Veneza
Aristóteles: o governo atual seria uma mistura de democracia e oligarquia

Não sei se foi por antiga magia ou tecnologia secreta que Aristóteles veio a dar em Brasília. Queria conhecer nossa Constituição, dizendo ser hábito seu empedernido. Encontrei-o por azar; expliquei lhe o básico, alguma bibliografia. E recolhi alguns de seus comentários.

Para ele o nosso sistema político não poderia ser chamado de “democracia” e, de fato, não o é, tecnicamente falando. A palavra designa somente regimes nos quais o povo detém o poder soberano; exercendo-o diretamente em assembléia, sem que tal poder conheça qualquer limite ou contrapeso institucional. Significa literalmente o “poder popular” e sua realização pressupõe a maior igualdade possível de todos perante a lei (isonomia) e quanto ao direito de participar da decisões públicas mediante a fala (isegoria). Tal igualdade fundamental torna impossível a representação política já que esta pressupõe a separação prática e formal entre representantes e representados, entre dirigentes e dirigidos. Assim, qualquer processo de escolha de magistrados, como votação ou concurso de provas e títulos, não é democrática pois toma os indivíduos pelas suas diferenças, ranqueando-os em melhores e piores. Por isso mesmo, a eleição popular de um presidente ou deputado; a de um juiz concursado, configurar-se-iam aristocráticas (de aristói – os melhores). O único método realmente democrático de seleção, quando não se pode decidir diretamente em assembléia, é o sorteio. Só aí não há discriminação de mérito, preservando-se a igualdade.

O governo que aqui se vê é uma mescla de oligarquia e democracia, o tipo mais comum de governo constitucional. Não existe nenhum poder ilimitado que subordine os demais; cada qual com sua autonomia e composição definidas pela Constituição. Compõem aristocracias o Judiciário e o Legislativo, selecionados seus membros entre os melhores do povo. O Executivo, ainda que por tempo limitado, encarna o princípio da realeza. O único componente realmente democrático do sistema encontra-se nas assembléias periódicas que elegem os magistrados (colégios eleitorais). A este governo misto, Aristóteles chamou de “politia” cuja tradução, pelo latim, é “república”.

Contudo, o que mais espantou Aristóteles é o estranho hábito que temos de garantir direitos políticos aos escravos. Calma, prezado leitor: custou-me também entender! É escravo por natureza aquele que não quis ou não pode desenvolver o hábito da escolha prudente, tornando-se assim incapaz de prever. Tal indivíduo necessita da direção de outrem não apenas na política como principalmente no trabalho, estabelecendo um laço de benefício mútuo com seu senhor: este planeja e organiza; aquele provê com sua energia. Note que não é o vínculo jurídico a caracterizar a escravidão, mas sua função: fica evidente que o assalariamento é uma espécie de escravidão por tempo! A questão que mais o perturbou foi a da qualidade da escolha de quem é desabituado dela até na direção de sua vida privada.

Depois de explicar-lhes os mecanismos de seleção de elites de nossa república; das diatribes de nossos sofistas (os marqueteiros); dos movimentos de nossos socialmente poderosos, tudo conspirando para a escolha responsável e melhor, entendeu que eu lhe fazia troça e foi à biblioteca ler nossa história política.
« 1 2
Edison Nunes é professor do Departamento de Política da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP.

Revista Historia Viva

3 comentários:

Café da Madrugada® Lipp & Van. disse...

Ótimo texto, haha. O mais incrível é que a sociedade não se 'ligou' ainda que se é democracia, (se dizem assim, os politicos) nós a 'população brasileira' temos nosso direito ao poder... e porque não reivindicar isso? Porque não tomar nossos postos e agir de verdade? ...Não somos nós que devemos correr atrás de um politico em plena epoca de eleição pra pedir ajuda especial e eles exigirem um voto em troca.
Na realidade, o povo teria o poder, e a eleição seria apenas pra que houvesse alguém que nos representasse. Mas quem diz que é assim... são eles 'os governantes' que nos manipulam... e olha só! São menos que a nação inteira!
Que vergonha...

Anônimo disse...

é bom saber mais sobre coisas que nunca prestei atenção.
bjosss...
♥♥

manuel afonso disse...

Só agora conheci o blog. Ainda não o percorri todo, mas o que vi, já me fez segui-lo. Então os artigos "Aristóteles no planalto" e "Templários: entre a cruz e a coroa", estão excelentes. Parabéns