Conheça outras empreitadas que deram errado na Floresta Amazônica
Fordlândia não foi a única empreitada de grande porte malsucedida na Amazônia. Pelo contrário: a região é um palco de fracassos industriais. Antes e depois de Fordlândia, diversas empresas tentaram se instalar na floresta de maneira desordenada. E saíram com a mesma brutalidade com que chegaram. Hoje, na Amazônia, existe uma série de cidades “quase-fantasmas”, onde vivem pessoas que se instalaram na floresta em busca de um enriquecimento que nunca chegou a acontecer. Ao contrário, elas permaneceram na Amazônia porque empobreceram a tal ponto que não tiveram recursos para financiar uma viagem de volta.
Até os anos 1970, a Amazônia ainda era um pouco ignorada pelos governos do Brasil. O regime militar, então, achou por bem ocupar partes da floresta. Era a época do “milagre brasileiro”, das obras monumentais. Uma dessas obras foi a Transamazônica, uma estrada que sairia do Nordeste, cortaria o Norte e chegaria aos portos peruanos no Oceano Pacífico, segundo anunciou o presidente Médici em 1970. A rodovia que, de acordo com as palavras ufanistas de então, ligaria “homens sem terra a uma terra sem homens”, serviria para colonizar a região e manter a soberania nacional. A princípio, tendo como base os vôos sobre a floresta, a extensão da estrada foi fixada em 5.500 quilômetros. Quando o desmatamento começou, o tamanho estimado dobrou: percebeu-se que o solo amazônico não era tão plano quanto parecia de cima.
Dois anos depois de iniciada, a Transamazônica não tinha nem um quarto do tamanho esperado. Diante do fracasso evidente, a obra foi interrompida. Hoje ela soma 2.500 quilômetros, com apenas 250 quilômetros asfaltados.
Há casos menos gritantes que o da Transamazônica, mas tão malsucedidos quanto ela. As duas hidrelétricas construídas pelo governo federal _ Tucuruí e Balbina _ foram implantadas sem o devido estudo de impacto ambiental, provocando a inundação de uma área imensa e submergindo diversas árvores. Em Tucuruí, as árvores precisam ser constantemente serradas. A emissão de gás carbônico aumentou exageradamente a acidez da água represada, o que enferruja as bobinas da hidrelétrica. Tucuruí, no entanto, é um padrão de planejamento se comparada à hidrelétrica de Balbina, onde a inundação também foi exagerada e a energia produzida foi ínfima: não alimenta sequer toda a cidade de Manaus.
O governo não foi o único a desperdiçar rios de dinheiro na Amazônia. A iniciativa privada sempre foi aplicada no assunto. Depois de Fordlândia, outro americano fez um investimento exagerado na região: o Projeto Jari. Nos anos 1960, o milionário Daniel K. Ludwig resolveu instalar uma fábrica de celulose por lá. Detalhe: com árvores asiáticas. Ludwig não sabia que o solo amazônico é pobre _ a floresta sobrevive por causa da umidade _, e ordenou que se fizesse uma série de queimadas para poder plantar suas mudas asiáticas. Evidentemente, as árvores não cresceram da forma desejada.
A pobreza do solo não era o único problema. Dos céus vinham levas de pragas que, quanto mais combatidas, mais resistentes ficavam aos efeitos dos pesticidas. Depois de anos de prejuízo, os terrenos e as indústrias de Jari foram vendidas, em 1982, a um consórcio de empresários que pagou menos de um quinto do valor investido por Ludwig. Hoje, a empresa Jarcel Celulose é responsável por apenas três mil empregos diretos e indiretos na região, contra os 30 mil empregos diretos dos primeiros tempos.
O jornalista Marcos Sá Corrêa, diretor do site Eco, especializado em temas ligados ao meio ambiente, diz que a ocupação da Amazônia quase sempre foi baseada “na agressão ao meio”: “Ao longo de um século e meio de ocupação caótica, quase tudo foi feito como se fosse preciso brigar com a floresta, como se fosse preciso substituí-la. Nos anos 70, a Amazônia era tão pouco conhecida que os engenheiros responsáveis pela Transamazônica ignoraram a ondulação do terreno. Na ocupação da Amazônia foram repetidos os mesmos mitos que levaram aos grandes desperdícios na ocupação do Brasil.”
Marcos Sá Corrêa afirma ainda que a desordem ambiental não é a única: “Há cidades que duram apenas 16 anos, que sobrevivem apenas enquanto o solo e a madeira em volta delas sobrevivem.”
A cidade de Parauapebas, próxima às reservas de Carajás, é um exemplo oposto, mas que também ilustra a situação: segundo o prefeito do município, 150 famílias desembarcam lá por semana sem ter oferta de trabalho. Na estrada de ferro que sai de Carajás circulam 20 trens por dia, passando por regiões muito pobres. As pessoas seguem o trilho em busca de emprego. Quando o projeto de mineração em Carajás foi implantado, em 1985, era necessária a mão-de-obra de 20 mil homens. Para as minas, no entanto, precisava-se de pouco mais de mil homens. A maioria da população, mesmo assim, resolveu permanecer.
A Amazônia figura no imaginário brasileiro _ e, quiçá, ocidental _ como uma espécie de Eldorado tropical. Na realidade, ela acaba representando melhor um mito do seu próprio folclore. Assim como o Curupira, a maior parte das empreitadas na floresta caminhou para a frente com os pés voltados para trás.
Revista de História da Biblioteca Nacional
3 comentários:
Excelente comentário sobre a região amazónica.
Gostei imenso de o ler.
Um abraço
Alvaro Oliveira
Esta nova Amazonia que se nos apresenta, e percorre com seus rios nossas veias, já anda susurrando ventos sombrios.Recordo bem os anos 70! Tanta esperança e...Nada!
Belíssima e atual visão, além de realista.
Parabéns pela postagem e grito de alerta!
Abraços
Mirze
Parabéns! seu blog é muito interessante, instrutivo onde são abordados temas relevantes.
Convido você a visitar meu blog, onde estou publicando, diariamente, resumo dos capítulos do meu livro "Eu, Kalunga", oferencendo ao leitor uma edição compacta da obra. Venha fazer comigo esta viagem.
Beijos.
Postar um comentário