segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Carnaval fora de ritmo

Escola de samba no Rio de Janeiro


De tão repetidas, certas idéias sobre essa festa assumem ares de verdade consolidada, obstruindo o caminho para um estudo mais lúcido e contemporâneo do maior espetáculo da terra
Felipe Ferreira

Ultimamente, tem-se percebido um relativo crescimento de textos acadêmicos que tratam do carnaval. São teses, dissertações e monografias provenientes das mais diversas áreas do saber. Contribuições da geografia, das artes cênicas, da comunicação e até da economia têm levantado novas questões sobre um tema que, por muito tempo, havia ficado restrito a relatos da história e a descrições etnográficas da antropologia.

Entretanto, a importância desses novos olhares acaba sucumbindo ao prisma conservador que prevalece nos estudos a respeito do carnaval. Muitas vezes, excelentes pesquisas que enfocam a folia segundo questões espaciais, semiológicas, políticas ou performáticas reforçam uma visão estereotipada do fenômeno. Repetem-se chavões e reafirmam-se antigos mitos, tais como o "nascimento" do carnaval na Antigüidade clássica, a "fundação" dos ranchos cariocas em 1872, a "organização" da primeira escola de samba em 1928 ou mesmo a "criação" do carnaval baiano na década de 50.

A reiteração desse enfoque "tradicionalista" acaba por esconder o caráter discursivo e os elementos dinâmicos envolvidos na criação das narrativas da cultura popular. Entender o processo carnavalesco como uma sucessão de formas de brincar que "evoluíram" é uma maneira de mascarar as negociações necessárias para as constantes reelaborações discursivas que têm no carnaval um de seus espaços mais dinâmicos.

Exemplo desse processo são as escolas de samba, vistas como uma espécie de ápice da evolução carnavalesca e "resumo" dos grupos de foliões que a precederam. Acrescente-se a isso o discurso da "tradição", o qual procura fixar um formato ideal para o desfile das escolas pela reafirmação de narrativas que valorizam uma certa "época de ouro", situada nos anos 50/60. Com isso, as modificações naturais aos processos culturais são encaradas como "inautênticas" e como sintoma de decadência.

Com raras exceções, a repetição dessa forma positivista de pensar domina os textos acadêmicos sobre a folia, multiplicando um tipo de pensamento que servirá de base a novos estudos, os quais, por sua vez, irão reiterar a abordagem tradicionalista do carnaval.

O primeiro movimento dessa prática pode ser detectado a partir da publicação, em 1958, do livro A história do carnaval carioca, de Eneida de Moraes. Primeira obra a sintetizar a questão carnavalesca no Brasil, o texto logo iria adquir status de palavra incontestável, tornando-se fonte para quase todos os trabalhos sobre carnaval publicados a partir de então. Entretanto, como previa a própria Eneida, de 1958 para cá muita água rolaria sob a ponte do pensamento acadêmico. Questões como tradição, memória e identidade mereceram novas abordagens, destacando suas relações com poder, economia e semiologia, por exemplo.

Já está mais do que na hora de os estudos sobre o carnaval brasileiro abandonarem as antigas concepções e se abrirem para novas idéias capazes de transformar conceitos e relativizar mitos.

Felipe Ferreira é doutor em geografia cultural, mestre em história da arte e professor de cultura popular no Instituto de Artes da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

Revista Historia Viva

2 comentários:

Café da Madrugada® Lipp & Van. disse...

Entender toda a historia é sim importante; mas estão deixando passar a história de agora.

Anônimo disse...

carnaval é vida é alegria, temos que viver e nem procurara entender esta beleza de teoria. adorei o texto. amo carnaval!!

bjosss...