sábado, 21 de agosto de 2010

Maria Antonieta: A última rainha


Maria Antonieta: A última rainha
Menina austríaca que virou soberana da França, Maria Antonieta usou o luxo para se impor na corte de Versalhes. Mas, às vésperas da Revolução Francesa, seu mundo estava condenado a desaparecer
por Reinaldo José Lopes
Virar ícone de uma época – representar uma classe, um modo de pensar e de viver – é destino para poucas pessoas. Uma delas, sem dúvida, foi a austríaca Maria Antônia Josefa Johanna von Habsburg-Lothringen, ou simplesmente Maria Antonieta. O problema é que, dependendo de quem a julga, ela é vista de jeitos completamente diferentes. A controvérsia começou ainda na época de sua morte, no fim do século 18. De um lado, era tida como símbolo da arrogância e da insensatez da monarquia francesa. De outro, era admirada como uma mártir, quase uma santa, sacrificada por loucos que tinham se voltado contra a ordem sagrada das coisas.

Durante muito tempo, a discórdia prosseguiu e, no meio da briga, sobrava pouco espaço para quem queria conhecer a Maria Antonieta de carne e osso. Nos últimos anos, porém, historiadores têm se esforçado para trazer à tona uma imagem mais equilibrada da rainha. Os novos estudos mostram que Maria Antonieta não foi uma mulher fútil e ingênua, mas uma mestra em usar o glamour como arma para se firmar numa corte estranha e hostil.

“Maria Antonieta entendeu que ser uma rainha significava essencialmente interpretar um papel. Mais que isso, ela logo descobriu que, por meio de mudanças na moda, ela podia modificar esse papel e até fugir dele”, afirma a pesquisadora americana Caroline Weber, especialista em cultura francesa do século 18 e autora de Queen of Fashion (“Rainha da moda”, inédito em português). “Isso mostra que, até certo ponto, ela tinha uma percepção bem sofisticada e muito moderna do poder da imagem para mudar a realidade.”

Mas toda a astúcia com que Maria Antonieta se firmou na corte de seu marido, o rei Luís XVI, não lhe serviu de nada quando estourou a Revolução Francesa, em 1789, que proclamou a liberdade e a igualdade para todos os cidadãos. Foi uma das maiores reviravoltas da história, considerada o marco que separa a Idade Moderna da Idade Contemporânea. Era o fim do que ficaria conhecido como o “Antigo Regime”, em que os privilégios da nobreza estavam acima de tudo. Era o fim do mundo de Maria Antonieta.

Tudo para trás

A trágica saga de Maria Antonieta começa em Viena, Áustria, numa corte bem menos chique que a da França. Em 2 de novembro de 1755, a imperatriz Maria Teresa deu à luz uma menina pequenina, porém saudável. Era Maria Antônia, seu 15º bebê. O pai, Francisco I, era imperador do Sacro Império Romano-Germânico (que, naquela época, unia frouxamente algumas nações da Europa Central). Mas, apesar da pompa do cargo, não era ele quem mandava. A titular do comando do Império era Maria Teresa, que também era arquiduquesa da Áustria e rainha da Hungria e da Boêmia (hoje parte da Alemanha).

A imperatriz era uma brilhante estrategista política. Detestava perder tempo – aproveitou o parto de Maria Antonieta, por exemplo, para extrair um dente. Mas, apesar de ser viciada em trabalho, era uma boa mãe. Preocupava-se até com a formação musical dos filhos, que tinham contato com alguns dos músicos mais talentosos da Europa. Um deles foi o prodígio Mozart, recebido em Viena com apenas 7 anos. Reza a lenda que, ao andar pelo chão encerado do palácio, ele teria levado um tombo. Maria Antonieta, meses mais velha que ele, teria corrido para ajudá-lo e lhe dado um beijo na bochecha. “Você é bondosa. Quando crescer, quero me casar com você”, teria dito Mozart.

Mas a mãe tinha outros planos para o futuro da menina. Com a morte de Francisco I, em 1765, Maria Teresa buscou se aproximar das outras cortes européias. Usou uma estratégia bastante comum na época: ofereceu suas filhas em casamento. Maria Antonieta se tornou, assim, pretendente de Luís Augusto, neto do rei francês Luís XV. Com a morte prematura dos pais, o rapaz havia se tornado o delfim, herdeiro do trono. A idéia de Maria Teresa era criar uma aliança duradoura com a França, que vivia entrando em conflito com a Áustria e outros membros do Sacro Império.

A corte francesa resistiu bastante à união com a família austríaca, mas, em 1769, veio a proposta oficial de casamento. As diferenças entre os noivos não poderiam ser maiores. Segundo os relatos da época, Maria Antonieta tinha uma impecável pele branca, boca carnuda, cabelos louros e olhos azuis. Caminhava e dançava com elegância. Já Luís Augusto, um ano mais velho que ela, parecia ter crescido demais para a idade. Era desengonçado, absurdamente tímido e considerado um palerma pela corte francesa. Seu único traço aparente de nobreza eram os belos olhos azuis (mas, como ele não levava mesmo jeito para a perfeição, era levemente míope).

O casamento aconteceu em abril de 1770, numa igreja de Viena. E teve toda a cara de arranjo político, já que foi feito por procuração. No altar, Maximiliano, irmão da noiva, fez o papel do delfim. Logo após a cerimônia, um cortejo com 57 carruagens se pôs a caminho da França. Por exigência da nova pátria, ao chegar à fronteira com a França, Maria Antonieta foi obrigada a deixar para trás tudo o que tivesse alguma relação com a Áustria. Não apenas seu enxoval e suas damas de companhia, mas até as roupas que usava. Maria Antonieta despiu-se e recebeu um vestido dourado para continuar a viagem.

Em território francês, a jovem conheceu Luís XV, então com 60 anos. Depois foi a vez do noivo. Luís Augusto, que tivera pouquíssimo contato com mulheres e certamente era virgem, acabou dando apenas um beijo rápido no rosto de Maria Antonieta. Uma nova cerimônia de casamento foi celebrada em Versalhes, o subúrbio nos arredores de Paris onde residia a corte francesa. Sob os olhos atentos da nobreza, o casal se retirou para a cama. Ali aconteceu algo que iria se repetir durante anos: “Nada”, como escreveu o delfim no seu diário, na manhã seguinte.

Versalhes é uma festa

Não foi fácil para a menina de 14 anos se adaptar à nova vida na França. Claro que Maria Antonieta apreciava estar vivendo no palácio de Versalhes, o mais esplendoroso da Europa. Mas as complicadas regras de etiqueta da corte francesa a irritavam um bocado. Para piorar, a privacidade era praticamente inexistente – em tudo o que fazia, ela era observada pelos membros da corte. Além disso, por ter sido criada num ambiente quase puritano, Maria Antonieta não engolia o costume dos nobres franceses de ter amantes “oficiais”. Era o caso do próprio Luís XV, que, viúvo, levava às festas da realeza a ex-prostituta Madame du Barry.

O estranhamento da jovem com a nobreza francesa fez com que ela fosse apelidada, pejorativamente, de l·Autrichienne, “a Austríaca”. “A parte mais antiga da corte considerava Maria Antonieta uma arrivista sem nenhum senso da civilidade, do refinamento e da elegância francesa”, diz Caroline Weber. Por algum tempo, a princesa teve que suportar a má fama. Até que, em 1774, o rei morreu de varíola. Luís Augusto e Maria Antonieta viraram, assim, os soberanos da França. Num piscar de olhos, a rainha usou sua nova posição para criar uma vida de sonho. Dispensou boa parte das antigas damas de companhia, povoou a corte de gente jovem e bonita e ganhou do marido, agora chamado de Luís XVI, o charmoso palácio do Petit Trianon (que antes pertencera a Madame du Barry), em Versalhes. Maria Antonieta organizava corridas de cavalo e se divertia em passeios de carruagem a toda velocidade.

O que mais fascinava a rainha, entretanto, era o agito da noite parisiense (a cidade, então uma das maiores do mundo, tinha 600 mil habitantes). Além de freqüentar óperas e teatros, Maria Antonieta adorava participar de bailes a que as mulheres compareciam mascaradas. Assim, podia se misturar com plebeus sem ser reconhecida. Como Luís XVI adorava acordar cedo, ele não se incomodava em deixá-la ir se divertir sem ele. O rei, aliás, parecia satisfeito em fazer as vontades de sua esposa. Como ela gostava de jogar cartas, Luís XVI instalou um cassino particular em Versalhes. Na estréia da nova atração, a rainha jogou durante 36 horas seguidas. Perdeu uma boa quantia de dinheiro dos cofres da coroa. Nada comparável, claro, ao que ela gastava para aumentar sua coleção de diamantes.

O poder do glamour

Por trás desse mundo de diversão e festas, Maria Antonieta tinha que suportar muitas pressões. Os nobres que haviam sido excluídos do convívio com a rainha não paravam de caluniá-la. Segundo Caroline Weber, o jeito de Maria Antonieta reagir era manipular sua aparência. “Ela usava a moda como um instrumento político, como forma de aumentar ou sustentar sua autoridade em momentos em que ela parecia estar sob risco, como nos sete anos que se passaram antes que ela tivesse um filho”, diz. Por meio de novas roupas, sapatos e penteados, a rainha se impôs, colocando-se acima de qualquer mulher francesa.

“Foi uma atitude inédita para uma rainha”, afirma Caroline. “Antes, as soberanas francesas tinham de projetar uma imagem dócil, vivendo longe dos holofotes. Quem tentava se envolver em política e exibir seu poder por meio de roupas luxuosas eram as amantes dos reis.” A família real francesa sabia da influência que as amantes costumavam ter nos rumos do governo. Por causa disso, havia exigido, durante as negociações com a mãe de Maria Antonieta antes do casamento, que a futura rainha fosse sedutora o bastante para que o rei não encontrasse distração fora de casa. Deu certo. Fosse por causa da beleza de Maria Antonieta ou pela própria falta de apetite sexual, Luís XVI não dava suas escapadas. O problema é que ele tampouco deixava Maria Antonieta meter a colher na política, o que irritava profundamente Maria Teresa, que insistia que a filha tentasse transformar o monarca num fantoche a serviço de seus interesses.

A posição de Maria Antonieta na corte francesa melhorou bastante depois que ela e Luís XVI finalmente tiveram seu primeiro bebê. Em 1778, nasceu Maria Teresa, batizada em homenagem à avó (a imperatriz morreria dois anos depois). O tão esperado delfim, Luís José, veio em 1781. “Com o nascimento de um filho homem, Maria Antonieta assumia a posição tradicionalmente forte de qualquer rainha da França que tivesse produzido um delfim”, conta a historiadora britânica Antonia Fraser, autora do livro Marie Antoinette – The Journey (“Maria Antonieta – a jornada”, inédito no Brasil), que serviu de inspiração para o filme de Sofia Coppola sobre a personagem, que deve estrear por aqui em março.

Depois do nascimento do herdeiro, Maria Antonieta ganhou coragem para desafiar ainda mais os costumes de Versalhes. Quando teve os últimos dois filhos, um menino e uma menina, ela se recusou a dar à luz em público, quebrando a tradição da corte francesa. A essa altura, Maria Antonieta parecia viciada em flertar com a impopularidade. Flertar, aliás, tinha se tornado uma rotina na vida dela desde o fim dos anos 1770, quando conhecera o belíssimo conde sueco Axel Fersen. Se não existem provas de que eles chegaram a ter relações sexuais, há poucas dúvidas de que os dois se amavam: os diários de Fersen, em linguagem cifrada, falam de uma “Josefina”, que certamente era Maria Antonieta.

Tragédia anunciada

Entre 1779 e 1782, Maria Antonieta e o conde Fersen tiveram que se separar. Ele estava na América, lutando ao lado das tropas francesas pela independência dos Estados Unidos. A saudade do amado foi o maior impacto que a guerra teve sobre o cotidiano da rainha. Nessa época, ela transformou parte do Petit Trianon numa réplica das vilas camponesas da França, com casinhas simples, vacas e ovelhas. Para completar o faz-de-conta, Maria Antonieta passou a se fantasiar de pastora.

Longe de Versalhes, os camponeses de verdade e o resto do povo francês viviam um período difícil. A economia cambaleava, com o governo atolado em dívidas. Os gastos com a guerra na América, que acabou em 1783, só pioraram o cenário. Maria Antonieta ganhou, então, um novo apelido: “Madame Déficit”. Os gastos da rainha tinham um impacto mínimo no total das despesas da nação, é verdade. Mas seus hábitos extravagantes se tornaram o principal alvo da revolta popular contra tudo o que havia de errado no governo.

A péssima colheita de 1788 deixou os camponeses famintos e desesperados. Enquanto isso, a classe média (a burguesia) reclamava dos privilégios dos nobres. Debaixo de tantas críticas, Luís XVI tomou a pior decisão de seu reinado. Convocou, para maio de 1789, uma reunião dos chamados Estados Gerais: uma assembléia reunindo representantes do clero, da nobreza e do povo. Em vez de apoiar as tímidas reformas que o rei pretendia fazer, os Estados Gerais logo foram dominados pelos não-nobres. Em 9 de julho, eles conseguiram criar a Assembléia Nacional Constituinte. Enquanto os camponeses de toda a França se revoltavam contra seus senhores e o povo de Paris destruía a Bastilha (prisão-símbolo do autoritarismo do rei), a assembléia abolia o regime feudal e os privilégios da nobreza.

Em outubro, o povo rebelado invadiu Versalhes. Durante duas noites de agonia, Luís XVI e Maria Antonieta ficaram sitiados com os filhos, vários nobres e uns poucos guardas. Aos gritos, a multidão exigiu a presença da rainha no balcão do palácio. Quando ela apareceu, sua figura altiva acalmou um pouco os ânimos. Mas a família real acabou aceitando as reivindicações do povo: aceitou abandonar a “ilha da fantasia” de Versalhes e se estabelecer em Paris.

A Assembléia Nacional exigiu então que o rei governasse com uma câmara de representantes do povo. Mas Luís XVI não aceitava dividir o poder. Em junho de 1791, ele e a rainha tentaram fugir da França, mas foram pegos e levados de volta a Paris. Sem alternativa, passaram a esperar ajuda da nobreza de outros países. Maria Antonieta manobrou nos bastidores para que seus parentes atacassem a França. A Assembléia Nacional acabou facilitando: como queria expandir a revolução pela Europa, ela deu apoio para que Luís XVI declarasse guerra contra a Áustria. Auxiliadas pela Prússia (hoje parte da Alemanha), as forças inimigas invadiram o país e ameaçaram marchar sobre Paris se a família real sofresse algo. O fato foi visto pelo povo como sinal de que Luís XVI era um traidor.

Em 20 de setembro de 1792, as forças francesas detiveram os invasores. No dia seguinte, a república foi proclamada e a família real foi presa. O ódio contra a nobreza atingiu o ápice. Uma das melhores amigas da rainha, a princesa de Lamballe, foi linchada. Enfiada na ponta de um pedaço de pau, sua cabeça foi levada até a janela da cela de Maria Antonieta, que entrou em pânico e desmaiou.

Em janeiro de 1793, Luís XVI foi guilhotinado. Isolada na prisão, Maria Antonieta passou a vestir apenas preto. Foi levada a julgamento, acusada até de incesto com o filho mais novo. O processo não trouxe qualquer evidência concreta contra Maria Antonieta. Quando o júri exigiu uma explicação sobre o incesto, a ex-rainha gritou: “Se não respondi, foi porque a natureza se recusa a responder tal acusação feita a uma mãe. Apelo às mães aqui presentes!” Foi o único momento em que o público protestou em sua defesa. Condenada à morte, Maria Antonieta viveu um papel que não combinava com ela, o de vítima. Em 16 de outubro de 1793, foi guilhotinada em praça pública.

Estilo Antonieta
A rainha tinha até uma "ministra de moda"
Quando queria dar um recado à corte, Maria Antonieta usava a moda para se expressar. Diariamente, a rainha recebia a visita da modista Rose Bertin, conhecida como “ministra da Moda”. Desses encontros saíram roupas e acessórios que fariam os carnavalescos do Brasil se roerem de inveja. E que inspiram os estilistas até os dias de hoje.

Superculotes

Avessa aos espartilhos,a rainha gostava de destacar o colo, dando formas volumosas às ancas. Na cintura, cestos de palha, cobertos por anáguas, eram a estrutura desse visual

A Galope

Maria Antonieta chocou a corte e os plebeus ao cavalgar pelos campos. Para facilitar o esporte ela passou a usar calças e foi a platéia que quase caiu do cavalo.

400000 livres* - preço estimado do enxoval de Maria Antonieta

2000 a 5000 livres - preço médio do guarda-roupa de um casal de nobres

13 livres - roupas de um plebeu

* Segundo historiadores, um livre, a moeda corrente da época, é o equivalente a algo entre 40 e 65 reais

Dreads

Na coroação de Luis XVI, o pior lugar foi atrás da rainha. Por causa de seu penteado, ninguém conseguia ver nada. A nobre exigia perucas novas e temáticas para cada ocasião.

3 quartos de Versalhes eram usados como guarda-roupa da rainha

Na Passarela

John Galliano criou, em 2000, uma coleção inteira de alta-costura para a Christian Dior inspirado em Maria Antonieta

Rainha do palco
Maria Antonieta liderava uma trupe de nobres
A enjoada corte de Versalhes resistia às inovações trazidas por Maria Antonieta. Mas uma delas, pelo menos, caiu no gosto da nobreza: as apresentações de teatro em que a rainha bancava a atriz ao lado de outros nobres. Tudo começou em 1780, quando o rei, sabendo da paixão da esposa pelo teatro, a presenteou com um palco particular no palácio do Petit Trianon. O local passou a abrigar várias montagens da troupe des seigneurs (“trupe dos nobres”, em francês), formada pela rainha e seus parentes. Eles puseram em cena diversas peças do repertório clássico francês, em que Maria Antonieta gostava de representar burguesas e simples camareiras. Luís XVI, que não tinha muito jeito para a coisa, limitava-se a assistir e vibrava com o desempenho da esposa. E claro que nem todos ficaram contentes em Versalhes. A rainha distribuía convites apenas para as pessoas de sua preferência, passando por cima da etiqueta da corte e sem respeitar o ranking dos títulos de nobreza. Ignorando as reclamações, Maria Antonieta ainda comprava outras brigas no mundo do teatro. Um caso famoso foi o do dramaturgo Pierre de Beaumarchais, autor da peça As Bodas de Fígaro. A obra incluía uma crítica pesada à nobreza da França e, por isso, foi censurada. Fã de Beaumarchais, a rainha conseguiu fazer com que Luís XVI liberasse a peça. A estréia em Paris foi tão polêmica que Beaumarchais passou cinco dias na cadeia. Mesmo assim, Maria Antonieta encenou ela mesma outra peça do autor, O Barbeiro de Sevilha, e ainda o convidou para assistir à montagem no Petit Trianon.

Paozinho da discordia
Maria Antonieta nunca disse a frase do brioche
"Se não têm pão, que comam brioches!” A frase virou ditado usado até hoje para criticar qualquer governante insensível. Ela teria sido dita por Maria Antonieta durante sua coroação, em 1774, quando soube que o povo das províncias francesas não tinha pão para comer. Tudo isso, porém, não passa de lenda. É consenso entre os historiadores que a rainha nunca disse a frase, que acabou sendo usada contra ela durante a Revolução Francesa. Mas como é que esse dito foi parar na boca de Maria Antonieta? A pista mais provável vem do livro Confissões, do filósofo francês Jean-Jacques Rousseau, publicado pela primeira vez em 1778. Lá ele diz: “Recordo-me de uma grande princesa a quem se dizia que os camponeses não tinham pão, e que respondeu: ‘Pois que comam brioche’”. Os registros históricos disponíveis, entretanto, mostram que, na época de sua coroação, Maria Antonieta se preocupava com a situação dos pobres. Numa de suas cartas à mãe, ela chega a comentar o alto preço do pão. E acrescenta: “Tendo visto as pessoas nos tratarem tão bem, apesar de suas desgraças, estamos ainda mais obrigados a trabalhar pela felicidade deles”.Outra controvérsia, que não tem nada a ver com Maria Antonieta, envolve as origens do protagonista da discórdia, o brioche. Com características mistas de pão e bolo, ele pode ser servido com coberturas e recheios doces ou salgados. Há quem diga que o brioche nasceu na Normandia (norte da França). Mas outras fontes apontam raízes austríacas, como as da família da rainha.

Saiba como preparar deliciosos brioches

Ingredientes

• 1 kg de farinha de trigo especial

• 150 g de açúcar

• 20 g de sal

• 10 g de fermento biológico

• 650 g de ovos (cerca de 1 dúzia)

• 600 g de manteiga em temperatura ambiente

Preparo

1. Misture os ingredientes até formar uma massa homogênea, que não grude

2. Deixe descansar por 20 minutos, cobrindo a vasilha com um pano úmido

3. Amasse novamente a massa durante 10 minutos

4. Divida a massa em 5 bolas de 500 g. Deixe descansar na geladeira por 12 horas

5. Transforme cada bola em uma bisnaga e coloque-as numa forma de pão untada

6. Deixe crescer por uma hora e meia (ou menos, se a temperatura ambiente for maior do que 24 ºC)

7. Pincele a parte de cima dos brioches com um ovo batido e leve para assar em forno pré-aquecido a 180 ºC, de 35 a 45 minutos

Saiba mais
Livros

Maria Antonieta, Antonia Fraser, Record, 2006

Um guia extenso sobre a vida da rainha. Inspirou o filme sobre a personagem que deve chegar às telas brasileiras em março.

Maria Antonieta – A Última Rainha da França, Evelyne Lever, Objetiva, 2004

Escrito por uma das mais respeitadas historiadoras francesas, dedica especial atenção à vida privada da rainha.

Queen of Fashion – What Marie Antoinette Wore to the Revolution, Caroline Weber, Henry Holt, 2006

Interpreta a paixão da rainha pela moda como sinal de sua necessidade de projetar uma imagem de glamour e poder.

Post-Sriptum
Trono francês, sotaque"brasileirrô"
Bisneta de dom Pedro II e neta da princesa Isabel, a condessa de Paris, Isabel de Orleans e Bragança, foi biógrafa (e fã assumida) de Maria Antonieta
Lucia Monteiro
Por telefone:

– Alô, é do Instituto da Casa Real da França?

– Sim.

– Por favor, eu gostaria de falar com o senhor Henrique de Orleans, o conde de Paris.

– Pois não, sou eu mesmo.

Em frente à igreja Saint Augustin, na região central de Paris:

– Princesa Chantal, a senhora chegou faz tempo?

– Não, não faz nem cinco minutos.

– Como a senhora veio?

– De metrô. É tão prático...

As cenas acima ocorreram quando a reportagem de História em Paris entrou em contato com membros da família real francesa. Mais de dois séculos após a Revolução, pouca coisa os distingue do resto dos mortais. Se ainda houvesse monarquia na França, Henrique de Orleans, nascido em 1933, seria o mais provável ocupante do trono. Chantal, 13 anos mais nova, é sua irmã caçula. Ambos são filhos de Isabel de Orleans e Bragança, morta em 2003. O sobrenome parece familiar? Não é por acaso: Isabel era bisneta de dom Pedro II e foi batizada em homenagem a sua célebre avó, a princesa que assinou a nossa abolição da escravatura, em 1888. Parente distante de Maria Antonieta, Isabel representava como ninguém a ligação (sanguínea, inclusive) entre as nobrezas francesa e brasileira.

Em 1931, aos 19 anos, Isabel tornou-se a condessa de Paris ao casar com o primo Henrique de Orleans, então postulante ao trono francês (ao morrer, em 1999, ele passou esse direito ao filho homônimo). No começo, o casal e seus 11 filhos tiveram que morar no exterior. Tudo por causa da Lei do Exílio, do fim do século 19, que proibia o pretendente ao trono de pisar em território francês. A família morou no Marrocos, na Espanha e em Portugal. Retornaram à França após a revogação da lei, em 1950.

Anos depois, Isabel chegou até a cogitar a possibilidade de se tornar rainha da França. Segundo a princesa Chantal, o general Charles de Gaulle, eleito presidente em 1958, insinuou a seu pai que criaria uma monarquia constitucional no país. “Foi nossa única ilusão”, diz Chantal. “Ele seduziu meu pai e nós todos começamos a imaginar como seria nossa vida no Palácio do Elysée, onde hoje é a sede da presidência.”

Nos anos 1970, o casamento de Isabel acabou. Um dos motivos foram os gastos de Henrique, que dilapidava o patrimônio da família real com suas extravagâncias. Ela passou, então, a viver sozinha num apartamento em Paris. Mas Isabel não virou uma senhora reclusa. À noite, arrumava sempre uma festa para ir (como ainda ocorre com seus filhos, ela recebia dezenas de convites para jantares e coquetéis). Nunca saía mal vestida, estava sempre de coque ou de chapéu. E não era raro que, ao reconhecer Isabel, pessoas dobrassem os joelhos diante dela, em sinal de reverência.

Quando morreu, em julho de 2003, Isabel tinha viagem marcada para o Rio de Janeiro. Ela falava português fluentemente e era muito próxima de seus irmãos Pedro e João (morto em 2005) no Brasil. A condessa iria com a secretária Françoise Bertrand, sua fiel escudeira por 16 anos. “Ela tinha fascinação pelo Brasil”, diz Françoise. “Sonhava organizar uma exposição sobre a nobreza brasileira na cidade de Eu, no castelo onde nasceu.” O castelo, aliás, foi vendido à prefeitura local pela família, mas a condessa manteve um chalé no jardim, onde passava temporadas. Até os 81 anos de idade, quando sofreu um acidente na estrada (saiu ilesa após bater de frente com um caminhão), ia para lá dirigindo sozinha seu Audi.

Isabel adorava escrever. Publicou seis livros, sobre sua própria vida e a de nobres de outras épocas. Em Moi, Marie-Antoinette (“Eu, Maria Antonieta”, inédito no Brasil), escrito em primeira pessoa, a condessa encarna a rainha às vésperas da execução. Rememora desde a infância na Áustria até a prisão.

Nas 200 páginas do livro, a narradora descreve com detalhes, por exemplo, “seu” romance com o príncipe sueco Axel Fersen (e pede perdão a Deus por ter traído o marido). Mas por que Isabel escreveu um livro de memórias de Maria Antonieta? A própria condessa responde, na introdução: “Tenho um pouco do sangue de Maria Antonieta nas veias. Talvez por isso eu entenda tão bem seu calvário e a angústia que sentiu em suas últimas horas de vida”.

Vida (real) de princesa
Chantal de Orleans e Bragança, caçula da família real francesa, começou a andar sozinha de ônibus aos 11 anos
História – O que representa ser princesa na França de hoje?

Princesa chantal – Em primeiro lugar, é um dever. Preciso estar sempre à altura das pessoas que me convidam para as mais diversas coisas. Em alguns momentos, penso que gostaria de esconder que sou uma princesa para poder ser eu mesma. Ficar o dia inteiro de calça jeans, pintando... Mas não me permito ficar isolada, me fechar.

Como foi sua infância?

A gente morava em Louveciennes, a 20 quilômetros de Paris. Tínhamos um Chrysler grande, com dez lugares, mais o do motorista. Ele saía para Paris todo dia no mesmo horário. Na volta, devíamos nos encontrar num determinado local. Quem perdesse a viagem pegava o trem. Comecei a andar sozinha de ônibus aos 11 anos e, de trem, aos 13.

Mas isso não parece uma infância de princesa...

Lembro a primeira vez que fui reconhecida na rua, eu tinha 12 anos. O ônibus que me levava todas as semanas para o colégio interno quebrou e todas as meninas puderam descer para dar uma volta enquanto o motorista fazia o conserto. Uma mulher passou e gritou: “Olha lá, é a filha do conde e da condessa de Paris!” Fiquei com medo e voltei para o ônibus. Era como se minha privacidade tivesse sido invadida. Quando cheguei em casa, contei o ocorrido para minha mãe, que me disse que isso era normal, que eu não deveria ter medo. Ela era sempre reconhecida nas Galeries Lafayette (um dos mais tradicionais magazines de Paris), onde comprava de tudo, para todo mundo. E gostava disso.

Você tem orgulho de pertencer à família real francesa?

Sim, às vezes. Faço parte da história, tenho parte da história da França em minhas veias. Mas isso para mim é algo natural, pois fui criada assim. Só houve uma vez em que me vali realmente da minha situação. Estava em uma recepção em Mônaco e o duque de La Rochefoucault estava impaciente para entrar na sala de jantar, mas tínhamos de esperar a princesa. Fiquei tão irritada que lhe falei para respeitar o protocolo. Na hierarquia, ele só poderia entrar depois de mim e, na sala de jantar, teria direito apenas a um banquinho.

Como assim?
Antigamente, os reis ganhavam as melhores poltronas, príncipes e princesas sentavam-se em cadeiras e os duques tinham direito a bancos, no fundo.

Mas isso é passado, não?

Nem tanto. São tradições que continuam sendo respeitadas.

Revista Superinteressante

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