Brasileiras empreendem, conquistam empregos inclusive na velhice, adiantam vida sexual e gravidez; e ainda carecem de informação, comida e assistência médica
por RODRIGO GALLO
É possível estimar que o Brasil atingirá, ao menos em um aspecto, característica social já observada em países como França, Alemanha e Dinamarca: uma pirâmide demográfica invertida. Ou seja, mais velhos e menos jovens. Entre os motivos desse fenômeno, estudos apontam uma mudança de atitude em relação ao sexo. No início dos anos 1960, o Ministério da Saúde registrava uma taxa de fertilidade superior a 6%. Em 1996, esse indicador era de 2,5% e, em 2006, de 1,8%. Cresce o número de mulheres que exigem preservativo nas relações sexuais e o número das que usam métodos contraceptivos em geral. Esses são alguns dos resultados da Pesquisa Nacional de Demografia em Saúde (PNDS), divulgada recentemente pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). O fato de as mulheres terem menos filhos possui relação com a inserção no mercado de trabalho, segundo José Pastore, sociólogo especialista em sociologia do trabalho e Ph.D. pela Universidade de Wisconsin (EUA). Ele informa que a participação feminina no mercado cresce em média 15 pontos percentuais a cada dez anos. Estudos recentes também apontam que as brasileiras estão ficando cada vez mais empreendedoras.
Atualmente, 38% das micro e pequenas empresas nacionais são comandadas por mulheres. Considerando que o Brasil é um país em crescimento, esse número é surpreendente. Afinal, a média mundial estimada pela London School of Economics, da Inglaterra, é de 30%.
Parte desses empreendimentos femininos no País, entretanto, ainda está na informalidade. De qualquer forma, houve mudanças positivas nas últimas décadas. "A mulher vem conquistando mais espaço no mercado de trabalho, o que acabou contribuindo para o desenvolvimento da economia do País", diz Pastore. Mas a redução do número de filhos por mulher também se relaciona ao envelhecimento da população. A socióloga Andréia Vargas, mestre pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), pondera: "A pirâmide etária brasileira tem sido modificada, pois, em alguns estados, a população tem envelhecido nos últimos anos. Considerando isso, é natural que a taxa de fecundidade diminua, pois mulheres mais velhas tendem a ter menos filhos". "Porém, esse envelhecimento não ocorre no País como um todo, mas sim em algumas localidades, pois ainda há regiões onde a população jovem é maioria. Então, a redução da taxa média de fecundidade representa um avanço importante para o desenvolvimento do Brasil", ressalta. Além disso, o fenômeno tem suas causas financeiras. Segundo José Pastore, cresce anualmente o número de aposentados que voltam ao mercado de trabalho, muitos por necessidade.
NOS ÚLTIMOS ANOS, o maior aumento da taxa de emprego formal no País se dá na faixa de 50 a 64 anos, segundo dados do Ministério do Trabalho. De acordo com o último Anuário dos Trabalhadores, de 2007, há 16.079.018 pessoas com mais de 60 anos trabalhando no País. O número é muito próximo ao de jovens entre 15 e 24 anos que estão empregados: 18.462.544. E o sexo feminino tem sua participação nesse processo. Pastore exemplifica que, na década de 1970, apenas 7,9% das mulheres com mais de 60 anos trabalhavam fora. Hoje, já são 19,7%, com tendência de crescimento.
A tendência de alta na contratação de mulheres mais velhas também decorre, ao menos em parte, da redução da taxa de fecundidade das brasileiras. Em países desenvolvidos, como França, Estados Unidos e Japão, por exemplo, os índices de fertilidade também são baixos (inferiores a 2%). Além disso, no exterior é comum encontrar jovens que optam por retardar o início da vida profissional até concluir a pós-graduação. Sendo assim, o mercado de trabalho, sem poder contar com essa mão-de-obra mais jovem, volta tas atenções para os mais velhos. Futuramente, explica Pastore, o Brasil também poderá registrar um cenário cada vez mais parecido com o europeu. Segundo ele, é possível imaginar que, caso a situação econômica brasileira continue em crescimento, em pouco tempo a contratação de idosos ganhará mais força por aqui. Isso reforça a possibilidade de inversão da pirâmide etária, mesmo que a médio ou longo prazo.
Segundo o sociólogo José Pastore (foto acima), é possível imaginar que, caso a situação econômica brasileira continue em crescimento, em pouco tempo a contratação de idosos ganhará mais força por aqui
O PROBLEMA, nestes casos, é que o número de trabalhadores que se aposentam anualmente não é reposto na mesma proporção, pois a taxa de natalidade é baixa: se as mulheres optam por não ter filhos, conseqüentemente há um menor volume de candidatos ao mercado de trabalho no futuro próximo, tornando a base da pirâmide etária cada vez menor.
Daí a tendência da Europa de voltar as atenções para funcionários na terceira idade. Para solucionar esse impasse, alguns países estão recorrendo a planos de incentivo à imigração responsável. A idéia é estimular jovens saudáveis e com qualificação (ou cursando universidade) a se mudar para o país, onde poderão trabalhar e constituir família. No entanto, deve-se fazer uma ressalva. Ter uma estrutura demográfica parecida com a dos países ricos pode não trazer apenas benefícios para o Brasil.
Algumas nações européias, como Suíça e Áustria, por exemplo, enfrentam sérios problemas de escassez de mão-de-obra jovem e de aumento de gastos da Previdência Social. No caso brasileiro, como o Ministério da Previdência Social já tem graves dificuldades para controlar as contas, a saída de trabalhadores do mercado sem a reposição de jovens recém-ingressos - que passariam a pagar as contribuições mensais - pode ser um sinal de alerta. Para pagar as aposentadorias e pensões, o governo depende justamente dessas contribuições e, caso o volume de aposentados aumente de forma desigual ao de ingressos no mercado formal nos próximos anos, os custos do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) podem aumentar ainda mais.
Por causa da baixa natalidade, número de trabalhadores aposentados anualmente
não será reposto em um futuro próximo
No outro extremo da pirâmide etária, as brasileiras têm a primeira relação cada vez mais cedo em praticamente todo o País - 32,6% das entrevistadas, antes de completar 15 anos, contra 11% das garotas nessa faixa etária há dez anos, segundo a Pesquisa Nacional de Demografia em Saúde. Além disso, o trabalho do Cebrap também mostra que as mulheres estão tendo o primeiro filho cada vez mais cedo. A idade média em que as brasileiras deram à luz o primeiro bebê em 2006 era 21 anos. Em 1996, porém, elas esperavam até os 22 anos e meio. Outro dado a ser considerado é que 53% das crianças nasceram, em 2006, de mães com idade entre 19 e 24 anos. Um dos problemas que a maternidade precoce pode causar é um divórcio igualmente ligeiro.
Gravidez desinformada
Mesmo com a criação de políticas públicas destinadas a fortalecer o conceito de planejamento familiar e orientar as mulheres grávidas de forma mais incisiva, ainda há muitas falhas que precisam ser corrigidas. A última Pesquisa Nacional de Demografia em Saúde (PNDS) aponta que 40% das gestantes não são informadas sobre aonde devem ir na hora do parto e, devido a isso, 90% dos bebês acabam nascendo no primeiro hospital procurado - que muitas vezes não tem nem sequer maternidade. Esse problema pode ser atribuído a uma falha na realização do atendimento pré-natal.
Por causa disso, muitas mulheres, sem saber aonde podem ir para dar à luz, acabam se dirigindo para os centros hospitalares mais próximos de casa e, pela falta de tempo hábil para remoção, têm seus filhos ali mesmo, em condições inadequadas. Por outro lado, a PNDS também aponta um dado positivo. A velha tradição de ter filhos em casa, com as mães sendo auxiliadas por parteiras, está praticamente extinta no Brasil. Segundo a pesquisa, 98% dos partos em 2006 ocorreram em hospitais, mesmo em casos de gestantes que moravam na zona rural. O levantamento aponta, por fim, que 61% das gestantes fazem mais de sete consultas médicas durante a gravidez. Já a rotina de vacinação antitetânica como procedimento de atenção pré-natal continua um problema. Aproximadamente 30% das mães não receberam nenhuma dose da vacina, percentual pouco inferior aos 36% de 1996.
Pesquisa revelou o aumento no total de mulheres que pratica sexo com o uso de camisinha masculina. Porém, ainda há grande número de homens que confia à mulher o papel de se proteger tomando pílula, pois é uma espécie de convenção social preestabelecida
SEGUNDO O jornalista e escritor Gilberto Amendola, autor do livro Meninos grávidos: o drama de ser pai adolescente, cerca de 40% das garotas atendidas pela Casa do Adolescente em 2006, órgão ligado ao governo de São Paulo para orientar jovens gestantes, separaram-se dos parceiros antes mesmo do nascimento do bebê. Já o sociólogo Floriano Pesaro, ex-secretário de Assistência e Desenvolvimento Social da Prefeitura de São Paulo, acredita que a gravidez cada vez mais cedo e o início precoce na vida sexual decorrem de outro problema social, muito comum principalmente nas periferias: a falta de opções de lazer para os jovens, como clubes, atividades de recreação e mesmo cursos básicos de informática, por exemplo.
Pesquisa mostra que mulheres estão
tendo o primeiro filho mais cedo, com
idade média de 21 anos
Pesaro acredita que, como o jovem não tem à disposição outras opções para se divertir, acaba pulando etapas no processo de amadurecimento e tem relações muito cedo - às vezes isso ocorre muito antes de o adolescente ter consciência e conhecimento dos riscos e das responsabilidades. A socióloga Nancy das Graças Cardia, doutora em Ciências Sociais pela Universidade de Londres (Inglaterra) e coordenadora do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo, afirma que a falta de aparelhos de lazer é responsável por outro problema na adolescência.
Como muitos pais são obrigados a trabalhar fora, os jovens tendem a ficar na rua, caso não haja outra pessoa para tomar conta deles.
Porém, como não há espaços públicos suficientes para acolher todos esses garotos e garotas, muitos acabam encontrando o caminho das drogas e, em alguns casos, o da violência também. Mesmo com essas dificuldades, os dados da PNDS sugerem que, aos poucos, as pessoas estão ficando mais prevenidas por disporem de mais acesso a informações.
TAMBÉM CRESCEU a oferta de anticoncepcionais e preservativos na rede pública de saúde. E o percentual de mulheres que recorreram a esse sistema triplicou. De acordo com os dados referentes a 2006, 21,3% das entrevistadas na pesquisa afirmaram ter buscado pílulas contraceptivas no Sistema Único de Saúde (SUS). No meio da última década, esse número era de somente 7,8%. Outro dado revelado na última edição da PNDS, do Cebrap, é que tem aumentado o total de mulheres que pratica sexo com parceiros com o uso de camisinha masculina. E mais: diminuiu o número de brasileiras esterilizadas, ao passo que aumentaram as cirurgias em homens, as vasectomias. Esses dados apontam para mudanças bastante definidas no comportamento sexual do povo brasileiro.
"Hoje, as jovens já podem conversar mais abertamente sobre sexo com os pais, embora haja alguns tabus a serem quebrados. No futuro, a tendência é de que cada vez mais as adolescentes recebam orientações sobre métodos contraceptivos em casa e na escola", defende Andréia Vargas. A questão mais importante é que, com o tempo, a responsabilidade pelo sexo seguro, antes considerada uma obrigação exclusiva das mulheres, transfere-se para os homens também. É justamente por isso que eles estão se submetendo mais a vasectomias e usando mais preservativos.
A ÚLTIMA PNDS também aponta que 87,2% das entrevistadas usam algum método contraceptivo para se prevenir de gravidez indesejada, contra 73,1% em 1996 - ao mesmo tempo que a taxa de fecundidade no Brasil caiu sete pontos percentuais nesses dez anos. "Essa é outra mudança interessante, pois pode indicar que as brasileiras estão mais responsáveis e, além disso, a timidez de buscar uma camisinha em um posto é substituída aos poucos pela consciência dos riscos. É um bom indicador de que o País passa mesmo por um processo de desenvolvimento econômico, educacional e social", reflete a socióloga Andréia Vargas.
O sociólogo holandês Evert Ketting também defende essa mesma tese, embora acredite que a mudança deve ser mais acentuada para atingir um nível maior de progresso social. Segundo ele, boa parte dos homens confia à mulher o papel de se proteger durante a relação sexual, tomando pílula, pois é uma espécie de convenção social preestabelecida. Contudo, ele argumenta que isso deve mudar - o que já pode estar ocorrendo, conforme apontam os resultados da pesquisa divulgada em julho.
Segundo Ketting, o poder público deve encontrar formas de projetar e construir centros de orientação sexual exclusivamente voltados para atender os garotos. A idéia é ensiná-los a dividir as responsabilidades com as mulheres, afinal, o filho, em caso de gravidez, também é deles. A questão da falta de escolaridade é outro problema grave que, segundo a pesquisa do Cebrap, leva muitas mulheres a ter uma saúde deficiente, principalmente durante a gravidez. Segundo o levantamento, 10% das 15 mil entrevistadas têm dificuldades de cuidar de si mesmas ou dos filhos por causa da baixa instrução escolar. Segundo o jornalista e escritor Gilberto Amendola, cerca de 40% das garotas atendidas pela Casa do Adolescente em 2006, separaram-se dos parceiros antes mesmo do nascimento do bebê
À direita. Na ocasião da divulgação da PNDS, o ministro José Gomes Temporão retratou indicadores e disse que ocorreu queda em alguns índices problemáticos nos últimos dez anos
Sem estudo, essas mães enfrentam dificuldades para ingressar no mercado de trabalho, e a baixa renda atrapalha na hora de comprar remédios e comida, por exemplo. Na ocasião da divulgação da PNDS, em julho deste ano, o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, no entanto, amenizou o problema, afirmando que, em 1996, esse número era de 28%; e caiu para 10%. Essa retração no indicador ocorreu em dez anos. "Estudos relacionam o aumento da escolaridade e o conseqüente aumento da renda com um impacto direto nas condições de saúde. Está havendo uma ampliação da escolaridade, e isso tem impacto direto na saúde", disse em seu discurso, em Brasília.
Porém, até que esse contingente de mulheres com baixa escolaridade seja definitivamente equacionado, muitas brasileiras e, em conseqüência disso, seus filhos continuam com problemas de saúde associados à falta de instrução formal no Brasil. Um dos principais agravantes diretos disso é que a falta de qualificação profissional interfere na busca por melhores empregos, ou mesmo na hora de conseguir uma promoção no trabalho. Segundo os dados do Cebrap, em 46% dos lares onde as mães não têm estudo há grande insegurança alimentar. No caso de mulheres com 12 anos ou mais de escolaridade, esse tipo de problema cai para 6,2%.
Outra forma de comprovar isso é checando os dados comparativos da pesquisa. O levantamento revelou que 16,6% das crianças com mães sem instrução passavam por problemas crônicos de desnutrição na ocasião das entrevistas. Esse problema não mata o jovem, mas acaba interferindo no desenvolvimento da criança e pode prejudicar a capacidade de aprendizado, concentração e até mesmo a capacidade do organismo de reagir a outras doenças. A baixa saúde financeira leva a uma situação de cuidados médicos e alimentação muitas vezes inadequada. Afinal, nem todas as trabalhadoras ganham cesta básica ou possuem plano de saúde realmente bom. Ainda faltam cuidados apropriados durante a gravidez, como vacinas antitetânicas essenciais ao parto
REFERÊNCIAS
AMENDOLA, Gilberto. Meninos grávidos: o drama de ser pai adolescente. 1ª ed. São Paulo: Terceiro Tempo, 2006. FREITAS, Luiz Alberto Pinheiro de. Adolescência, família e drogas. 1ª ed. Rio de Janeiro: Mauad, 2002.
O LEVANTAMENTO concluiu ainda que a desnutrição infantil está em apenas 1,6%, índice abaixo dos limites estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Isso contribui também para a queda de 44% da mortalidade infantil, de 39 para 22 a cada mil bebês nascidos vivos. É preciso lembrar, contudo, que a diminuição da taxa de natalidade também se reflete nesse indicador. Além disso, a distribuição do índice por regiões no Brasil é notadamente desigual: em estados do Nordeste, chega a 35 óbitos a cada mil nascidos; no Sul, 17. Uma das Metas do Milênio, estipulada pela OMS, é diminuir para 15 mortes por mil até 2015. O Brasil tem chances de conseguir. Mesmo assim, ainda seria mais do que o triplo do índice atual da Dinamarca, que reduziu essa taxa de 4,9 em 2003 para 4,4 este ano - de acordo com dados do Livro dos fatos do mundo (The World Factbook), da Agência de Inteligência Central (Central Intelligence Agency) norte-americana.
Revista Sociologia
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