terça-feira, 17 de agosto de 2010

Da miséria camponesa à Revolução Francesa

Camila Moraes Monteiro
Marina Moraes dos Santos Berbereia

A força camponesa no início da revolução

O século XVIII foi marcado por inúmeras lutas de resistência por parte da população camponesa. A situação de precariedade foi o que motivou os homens do campo a se insurgirem contra seus exploradores. Os conflitos se espalharam pela França, gerando o receio em todos as ordens sociais, os camponeses então tiveram a dimensão da sua força.
Em meados de 1789, os camponeses possuíam uma parte considerável do solo francês, porém, como eram numerosos, a terra era partilhada e muitos ficavam com uma pedaço mínimo ou até mesmo com nada. No Norte da França, por exemplo, 77% da população não possuíam nem um hectare .Essa situação dificultava a subsistência desses homens, pois com a escassez de terras, não conseguiam produzir o suficiente para pagar os encargos, os impostos e se alimentarem. Dessa forma, as propriedades arrendadas eram freqüentemente invadidas, havendo inclusive reivindicações para que terras reais e do clero fossem distribuídas.

“ O número de nossas crianças nos desespera, não temos como alimentá-los, vesti-los: muitos de nós tem oito ou nove filhos.”
Habitantes de La Cauré, em um caderno de queixas.

Camponesa ceifando

A colheita para o camponês representava sua fonte de vida, seu trabalho, seu futuro. No inverno, período em que ela era comprometida, eles viviam de acordo com o estoque guardado da colheita anterior, e caso esta não tivesse sido muito proveitosa, tinha-se a certeza de tempos de fome. Além disso, os comerciantes, agindo de acordo com os grandes proprietários, direcionavam parte do que era colhido para vender em outras regiões a bons preços, o que indignava muitos camponeses. A vida desses homens era vulnerável, não apenas pelas variações climáticas que afetavam a produção dos alimentos, mas também pelas guerras que geravam o aumento de impostos, a maior exploração no campo e a devastação das terras.
A situação econômica da França de meados de 1770 até a Revolução estava se agravando, pois além do déficit do tesouro real, gastava-se mais do que era arrecadado, o apoio aos americanos na Guerra de Independência dos Estados Unidos gerou maiores gastos à monarquia. Para que o padrão de vida fosse mantido, foram aumentados os impostos e encargos senhoriais dos camponeses, entretanto, o que se arrecadava já não era suficiente para cobrir todas as despesas e a solução levantada foi a igualdade dos tributos, visto que o clero e a nobreza não contribuíam. Os privilegiados não aceitaram essa condição e então, medidas econômicas foram adotadas.

”Sire, meu rei, se tivésseis conhecimento do que se passa em França que vossa plebe sofre da maior miséria e da mais miserável pobreza.”
Camponeses de Champniers, em Angoumois ( antiga província francesa)

Camponês sustenta o clero e a nobreza – França 1789

No ano de 1787, é assinado um edito por Luiz XVI que permitia o comércio de cereais sem qualquer intervenção, estando livres inclusive os comerciantes para exportarem sem restrições. O intuito da monarquia era aumentar o cultivo e com isso recolher mais impostos, porém, no ano anterior as colheitas foram péssimas e os celeiros estavam vazios, logo, o preço dos cereais se elevou. Aqueles que os possuíam, eram por vezes obrigados a vendê-los pelo preço que a multidão achava justo, taxation populaire, pois o povo se alimentava basicamente de pão (é constituído por cereais, trigo, em particular)
O resultado desse edito foi a acentuação da fome, levando muitos camponeses à mendicância. Com o aumento do número de mendigos que vagavam pelo campo e pela cidade soma-se a migração de trabalhadores. A população estava instável, e o medo pairava principalmente no momento da colheita, por conta da pilhagem, do saque nas propriedades, pelos homens famintos. O contrabando auxiliou para o aumento da insegurança, assim como os cobradores de impostos que agiam com brutalidade, violentando por vezes a população.

“A noite ou de dia, aos pares ou em pequenos grupos sem jamais se aventurar só, eles atacam as fazendas (...). Tudo estremece a sua chegada; ameaçam os homens espancam as mulheres, quebram os móveis, abrem e derrubam os cofres, os armários e se vão levando sempre alguma rapina, quando não carregam consigo algum infeliz para o cárcere. ” Relato de um camponês francês

O historiador George Rudé, destaca que a forma típica de protestos por parte de trabalhadores eram os motins, motivados pela escassez e carência de alimentos. No ano de 1789 houve motins da fome em diversas regiões francesas, entretanto, nem todos tinham a mesma intensidade, a mesma forma. Alguns motins eram organizados para saquear depósitos, outros para destruir moinhos ou arquivos que continham títulos senhoriais, punindo assim os proprietários, ou até mesmo destruir barcos com alimentos destinados à exportação.
O historiador Georges Lefebvre, explica que a maioria das pessoas que prevaleciam nos motins não eram bandidos e criminosos, mas sim pequenos camponeses, trabalhadores sem terras e artesãos rurais que viam naquele ato uma chance de modificarem sua situação. Para Lefebvre, a fome foi a principal causa da Revolução Francesa.
Luiz XVI ordenava a repressão, mas como o exército não estava bem articulado e os soldados inferiores eram compostos pelo povo, aliaram-se à causa, dificultando a repressão. As revoltas camponesas do mês de julho de 1789 inquietaram a população, estendendo-se a várias regiões. A administração real sem recursos suficientes, se viu acuada e a instabilidade se espalhou de maneira geral. Uma atmosfera de tensão era criada. A França estava em turbulências e diante dessa instabilidade, o rei convocou os Estados Gerais, pela primeira vez desde 1614. Os Estados Gerais eram um órgão político composto pelas três ordens sociais e era convocado para aconselhar o rei em alguma decisão. O que se iniciaria como um projeto para escutar as queixas de seus súditos e organizar a administração da França, acabou se transformando em uma Revolução.
Boatos com suspeita de acontecimentos que geravam o medo na população eram espalhados, atingindo rapidamente várias regiões. A origem disso estava no fato dos camponeses ameaçarem os bens do restante da nação, de boatos da conspiração aristocrática e das sublevações espalhadas pela França, tanto urbana quanto rural. O resultado do Grande Medo foi a disseminação da idéia de armamento do povo, eles não recuaram, pelo contrário, se insurgiram, intensificando as revoltas rurais contra os nobres e o alto clero.

Rebelião camponesa - 1789

O camponês viu na convocação dos Estados Gerais, a possibilidade de melhorar sua condição de vida. Conscientes de sua força e preparados para modificar aquela vida de mendicância, desemprego e fome, os camponeses lutaram para arruinar o regime senhorial. Sem uma representação política que pudesse assegurar o controle do Estado, se aliaram à burguesia, porém, ela estava interessada somente em modificar a relação de forças do Antigo Regime e não em derrubá-lo.

Cronologia :

1776 - Início da Guerra de Independência Americana, que se estendeu até 1783. A França auxiliou essa guerra.

1786 – Tratado de Éden. A França libera a entrada de produtos industriais ingleses, levando muitos pequenos industriais e artesãos á falência.

1787- Primeira assembléia dos Notáveis contra a imposição de novos impostos e a reforma fiscal.

1789
 24 de Janeiro - Convocação dos Estados Gerais
 9 de Julho – Proclamação da Assembléia Nacional Constituinte
 14 de Julho – Tomada da Bastilha. Generalizam-se as revoltas populares na cidade e no campo. Início do Grande Medo

Bibliografia:

ANDERSON, Perry. Linhagens do estado Absolutista. 2º ed. São Paulo. Brasiliense, 1989

HOBSBWAM, Eric J. A era das revoluções. 19ª ed. Rio de Janeiro, RJ. Paz e Terra, 2004.

LEFEBVRE, Georges. O grande medo de 1789: os camponeses e a Revolução Francesa. Rio de Janeiro, RJ.Editora Campus. 1979.

RUDÉ, George. A multidão na história: estudo dos movimentos populares na França e na Inglaterra(1730-1848). Rio de Janeiro, RJ.Editora Campus, 1991.

SOBOUL, Albert. A revolução Francesa. 5. ed. Rio de Janeiro. DIFEL, 1985.

SOBOUL, Albert. Camponeses, sans-culottes e jacobinos. Lisboa, Portugal. Seara Nova, 1974.

Núcleo de Estudos Contemporâneos - UFF

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