Patricia Marinho Aranha
É interessante como o falar sobre assuntos relacionados ao sexo sempre gerou e ainda hoje gera muitas controvérsias; apesar da sexualidade se afirmar como um processo, que em si próprio possui uma história e não se afirma como uma realidade imutável. No século XIX podemos vislumbrar esta situação de forma bastante acentuada, nos países europeus e também nos Estados Unidos, devido a um contexto de queda brusca das taxas de natalidade - o que obviamente implicava a desvinculação do sexo do seu objetivo reprodutor -, a conflitos de classe, raça e sexo. Também é nesta época que a mulher ascende ao espaço público para falar de assuntos sexuais, porém, de forma limitada aos conceitos culturais já existentes.
A figura da prostituta também é muito polemizada neste século, a distribuição do mundo da prostituição é bastante abrangente, vai desde os bairros nobres até aqueles freqüentados por marinheiros e operários; em várias cidades era comum que, assim que chegasse, o homem adquirisse o ‘guia do cavalheiro’, onde constavam os preços, serviços e localização dos principais bordéis.
Um outro aspecto da prostituição é a ‘interação’ que esta possui com as demais profissões das classes média e baixa. Muitas prostitutas residiam em bairros onde, tradicionalmente, moravam os operários. Operárias e trabalhadoras em geral complementavam seus baixos salários prestando serviços sexuais na rua; ademais, a prostituição se estabelecia como um refúgio para as jovens mais pobres, que geralmente a abandonavam por volta dos trinta anos; nestes casos o papel do bordel é de de extrema importância já que, apesar das constantes brigas com a patroa, ele se constitui num sistema de amparo às mulheres.
A partir da segunda metade do século XIX, inicia-se uma tentativa de regulamentação da prostituição: por exemplo, no caso de Paris, a polícia tinha por objetivo ‘limpar’ as ruas da presença das prostitutas para que houvesse lugar para as ‘senhoras de bem’ circularem sem maiores constrangimentos. As leis regulavam o vestuário e a maquiagem das prostitutas, além de obrigá-las a se submeter a exames ginecológicos para verificar o seu estado de saúde com regularidade. Elas eram proibidas de aparecer de maneira que chamasse a atenção antes de as luzes estarem acesas e tinham de estar decentemente vestidas.
Estas legislações provocam um fenômeno muito particular na distribuição e nas associações para a prostituição, as prostitutas foram obrigadas a mudar sua área de atuação e arranjar alojamentos em outras zonas da cidade; iniciou-se uma distinção entre pobres respeitáveis e não respeitáveis como tentativa da destruição dos laços que uniam as prostitutas às camadas mais pobres da sociedade; havia até mesmo inspeções às residências dos operários. A intensificação da política repressora abriu uma brecha entre as prostitutas e a comunidade operária pobre, o que ligou as primeiras aos meios delinqüentes. Nos Estados Unidos há também o preconceito de cor, a prostituição branca é quase invisível, enquanto as mulheres negras, que se utilizavam da rua, estavam mais sujeitas a serem presas.
O bordel perde o prestígio anterior, tanto homens quanto mulheres pretendem ter mais liberdade e se esquivar do papel legislador das normas, aumenta a prostituição em cafés, no music-hall, nos teatros e em outros pontos de reunião das cidades.
Nesta mesma época e também em decorrência das medidas regulamentadoras, várias feministas se uniram a outras senhoras e religiosos; seu objetivo era o de revogar estas medidas, com a denúncia de que a prostituição era o resultado dos baixos salários, falta de oportunidades para emprego e restrições ao trabalho feminino na indústria. Para elas, era o sistema de regulamentação e não a prostituição em si, que condenava as mulheres a uma vida de ‘pecado’ impedindo-as de encontrar um emprego alternativo e respeitável, em suma, a legislação as estigmatizava.
Faz-se necessário ressaltar que a intenção das feministas não era o simples fim do controle da prostituição, mas o fim da mesma; baseavam-se no ideal da castidade feminina, criticavam o comportamento sexual compulsivo, agressivo e dominador masculino.
É neste contexto que a mulher da classe média constrói a sua identidade, em contraste com a ‘mulher perdida’. Uma, cheia de virtudes, boa filha, boa mãe, e possuia um comportamento sexual passivo. As mulheres da classe operária trabalhadora também acentuavam as suas diferenças das prostitutas, tanto através de sua apresentação visual quanto pela sua identidade privada, como esposas e mães. Estas mulheres também estavam preocupadas com as comparações perigosas que a riqueza relativa das prostitutas poderia exercer em seus filhos; várias são as cartas que estas enviaram às autoridades para que fechassem as casas de ‘má fama’.
Segundo Judith R. Walkowitz em A História das Mulheres no Ocidente, no capítulo: Sexualidades Perigosas, as prostitutas não estavam, de forma alguma, alheias às controvérsias que as cercavam, elas podiam expressar sua situação atavés de múltiplos discursos: “Ao apresentar-se diante de um juiz ou de um responsável por uma obra de caridade, as prostitutas contavam freqüentemente ‘a história de sua desgraça’, usando as mesmas convenções melodramáticas – sobre a sedução de vítimas femininas inocentes por libertinos maldosos das classes superiores – que as mulheres da classe média empregavam para explicar a prostituição.”
Logo, percebemos que, apesar de constituirem uma população relativamente grande e que se infiltrava em diversas camadas da sociedade do século XIX, as prostitutas eram, assim como hoje o são; discriminadas em diversos aspectos, ora com uma visão romântica de seu ofício, o que implicava a total ausência do desejo e do prazer sexual feminino ou, obrigadas a permanecer em uma vida de clandestinidade, como se nunca fossem dignas de respeito como as demais mulheres.
Cronologia:
1860: Aprovação de medidas regulamentadoras da prostituição em quase todos os países europeus. Estas legislações, em geral, obrigavam as prostitutas a se registrar na polícia de costumes e a submeter a exames médicos periódicos.
1869: Primeira oposição política à regulamentação das prostitutas, na Grã- Bretanha, uma coligação de reformadores morais da classe média, formada por vários setores da sociedade, exigiu a revogação da legislação.
1871: Relatório parlamentar britânico que dizia que: “não havia hipótese de comparação entre as prostitutas e os homens que tinham relações com elas, que elas eram tão assexuadas que mostravam um desejo sexual masculino.”
1874: Estabelecimento da legislação regulamentadora em St. Louis, onde foi rapidamente revogada graças a uma oposição religiosa e feminina maciça.
1883: Suspensão do sistema de regulamentação na Grã-Bretanha.
1885: Publicação na Pall Mall Gazette, de um artigo sensacionalista sobre a prostituição infantil: “O Tributo Virginal na Babilônia Moderna” pelo jornalista W. T. Stead, persuadido por Josephine Butler e suas aliadas.
1888: Funeral de Marie Jean Kelly, uma das vítimas de Jack, o estripador; o caixão da mesma estava coberto de coroas de flores de ‘amigos’ da assassinada, o que demonstra a camaradagem do pub.
Citações:
“Gostavam mais do trabalho na fábrica do que do trabalho nas ruas. Mas a diferença do que se ganhava era muito grande. Os tempos eram duros e os pobres não podiam escolher.” Duas raparigas da fábrica de compotas Crosse and Blackwell que trabalhavam nas ruas à noite, relatos coletados por W. T. Stead.
“Entrei na vida do prazer por questões de dinheiro e por nenhuma outra. Nesses tempos era a forma de uma mulher fazer dinheiro, e eu fi-lo.” Patroa de um bordel em Denver, relatado por W. T. Stead.
“Entre os pobres, as fronteiras entre a virtude e o vício esbateram-se gradual e imperceptivelmente, pelo que era impossível designar distintamente as prostitutas ou classificá-las infalivelmente numa categoria marginal” Comentário da feminista Josephine Butler sobre as relações entre os pobres e a prostituição.
Bibliografia:
BUTLER, Josephine. “The Garrison Towns of Kent” in: The Shield, Londres, 22 de Abril de 1870.
WALKOWITZ, Judith R. “Sexualidades Perigosas” in: História das Mulheres no Ocidente, séc. XIX, vol. 4. PERROT, Michelle. Editora EBRADIL, 1995.
SCHUMAHER, Schuma. Dicionário das Mulheres do Brasil. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2000.
ARISTOFANES. A Greve do Sexo Trata a Revolução das Mulheres. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1997.
WALKER, Alice. De Amor e Desespero, Histórias de Mulheres Negras. Editora Rocco, 1998.
ROLKA, Gail Meyer. Cem Mulheres que Mudaram a História do Mundo. São Paulo, Ediouro, 2000.
Gravuras:
Prostitutas de um local do Oeste dos EUA, 1900. O baralho, a bebida e o próprio ato de posar para um fotógrafo sugere o tempo livre desfrutado pelas prostitutas que trabalhavam nos bordéis.É interessante como o falar sobre assuntos relacionados ao sexo sempre gerou e ainda hoje gera muitas controvérsias; apesar da sexualidade se afirmar como um processo, que em si próprio possui uma história e não se afirma como uma realidade imutável. No século XIX podemos vislumbrar esta situação de forma bastante acentuada, nos países europeus e também nos Estados Unidos, devido a um contexto de queda brusca das taxas de natalidade - o que obviamente implicava a desvinculação do sexo do seu objetivo reprodutor -, a conflitos de classe, raça e sexo. Também é nesta época que a mulher ascende ao espaço público para falar de assuntos sexuais, porém, de forma limitada aos conceitos culturais já existentes.
A figura da prostituta também é muito polemizada neste século, a distribuição do mundo da prostituição é bastante abrangente, vai desde os bairros nobres até aqueles freqüentados por marinheiros e operários; em várias cidades era comum que, assim que chegasse, o homem adquirisse o ‘guia do cavalheiro’, onde constavam os preços, serviços e localização dos principais bordéis.
Um outro aspecto da prostituição é a ‘interação’ que esta possui com as demais profissões das classes média e baixa. Muitas prostitutas residiam em bairros onde, tradicionalmente, moravam os operários. Operárias e trabalhadoras em geral complementavam seus baixos salários prestando serviços sexuais na rua; ademais, a prostituição se estabelecia como um refúgio para as jovens mais pobres, que geralmente a abandonavam por volta dos trinta anos; nestes casos o papel do bordel é de de extrema importância já que, apesar das constantes brigas com a patroa, ele se constitui num sistema de amparo às mulheres.
A partir da segunda metade do século XIX, inicia-se uma tentativa de regulamentação da prostituição: por exemplo, no caso de Paris, a polícia tinha por objetivo ‘limpar’ as ruas da presença das prostitutas para que houvesse lugar para as ‘senhoras de bem’ circularem sem maiores constrangimentos. As leis regulavam o vestuário e a maquiagem das prostitutas, além de obrigá-las a se submeter a exames ginecológicos para verificar o seu estado de saúde com regularidade. Elas eram proibidas de aparecer de maneira que chamasse a atenção antes de as luzes estarem acesas e tinham de estar decentemente vestidas.
Estas legislações provocam um fenômeno muito particular na distribuição e nas associações para a prostituição, as prostitutas foram obrigadas a mudar sua área de atuação e arranjar alojamentos em outras zonas da cidade; iniciou-se uma distinção entre pobres respeitáveis e não respeitáveis como tentativa da destruição dos laços que uniam as prostitutas às camadas mais pobres da sociedade; havia até mesmo inspeções às residências dos operários. A intensificação da política repressora abriu uma brecha entre as prostitutas e a comunidade operária pobre, o que ligou as primeiras aos meios delinqüentes. Nos Estados Unidos há também o preconceito de cor, a prostituição branca é quase invisível, enquanto as mulheres negras, que se utilizavam da rua, estavam mais sujeitas a serem presas.
O bordel perde o prestígio anterior, tanto homens quanto mulheres pretendem ter mais liberdade e se esquivar do papel legislador das normas, aumenta a prostituição em cafés, no music-hall, nos teatros e em outros pontos de reunião das cidades.
Nesta mesma época e também em decorrência das medidas regulamentadoras, várias feministas se uniram a outras senhoras e religiosos; seu objetivo era o de revogar estas medidas, com a denúncia de que a prostituição era o resultado dos baixos salários, falta de oportunidades para emprego e restrições ao trabalho feminino na indústria. Para elas, era o sistema de regulamentação e não a prostituição em si, que condenava as mulheres a uma vida de ‘pecado’ impedindo-as de encontrar um emprego alternativo e respeitável, em suma, a legislação as estigmatizava.
Faz-se necessário ressaltar que a intenção das feministas não era o simples fim do controle da prostituição, mas o fim da mesma; baseavam-se no ideal da castidade feminina, criticavam o comportamento sexual compulsivo, agressivo e dominador masculino.
É neste contexto que a mulher da classe média constrói a sua identidade, em contraste com a ‘mulher perdida’. Uma, cheia de virtudes, boa filha, boa mãe, e possuia um comportamento sexual passivo. As mulheres da classe operária trabalhadora também acentuavam as suas diferenças das prostitutas, tanto através de sua apresentação visual quanto pela sua identidade privada, como esposas e mães. Estas mulheres também estavam preocupadas com as comparações perigosas que a riqueza relativa das prostitutas poderia exercer em seus filhos; várias são as cartas que estas enviaram às autoridades para que fechassem as casas de ‘má fama’.
Segundo Judith R. Walkowitz em A História das Mulheres no Ocidente, no capítulo: Sexualidades Perigosas, as prostitutas não estavam, de forma alguma, alheias às controvérsias que as cercavam, elas podiam expressar sua situação atavés de múltiplos discursos: “Ao apresentar-se diante de um juiz ou de um responsável por uma obra de caridade, as prostitutas contavam freqüentemente ‘a história de sua desgraça’, usando as mesmas convenções melodramáticas – sobre a sedução de vítimas femininas inocentes por libertinos maldosos das classes superiores – que as mulheres da classe média empregavam para explicar a prostituição.”
Logo, percebemos que, apesar de constituirem uma população relativamente grande e que se infiltrava em diversas camadas da sociedade do século XIX, as prostitutas eram, assim como hoje o são; discriminadas em diversos aspectos, ora com uma visão romântica de seu ofício, o que implicava a total ausência do desejo e do prazer sexual feminino ou, obrigadas a permanecer em uma vida de clandestinidade, como se nunca fossem dignas de respeito como as demais mulheres.
Cronologia:
1860: Aprovação de medidas regulamentadoras da prostituição em quase todos os países europeus. Estas legislações, em geral, obrigavam as prostitutas a se registrar na polícia de costumes e a submeter a exames médicos periódicos.
1869: Primeira oposição política à regulamentação das prostitutas, na Grã- Bretanha, uma coligação de reformadores morais da classe média, formada por vários setores da sociedade, exigiu a revogação da legislação.
1871: Relatório parlamentar britânico que dizia que: “não havia hipótese de comparação entre as prostitutas e os homens que tinham relações com elas, que elas eram tão assexuadas que mostravam um desejo sexual masculino.”
1874: Estabelecimento da legislação regulamentadora em St. Louis, onde foi rapidamente revogada graças a uma oposição religiosa e feminina maciça.
1883: Suspensão do sistema de regulamentação na Grã-Bretanha.
1885: Publicação na Pall Mall Gazette, de um artigo sensacionalista sobre a prostituição infantil: “O Tributo Virginal na Babilônia Moderna” pelo jornalista W. T. Stead, persuadido por Josephine Butler e suas aliadas.
1888: Funeral de Marie Jean Kelly, uma das vítimas de Jack, o estripador; o caixão da mesma estava coberto de coroas de flores de ‘amigos’ da assassinada, o que demonstra a camaradagem do pub.
Citações:
“Gostavam mais do trabalho na fábrica do que do trabalho nas ruas. Mas a diferença do que se ganhava era muito grande. Os tempos eram duros e os pobres não podiam escolher.” Duas raparigas da fábrica de compotas Crosse and Blackwell que trabalhavam nas ruas à noite, relatos coletados por W. T. Stead.
“Entrei na vida do prazer por questões de dinheiro e por nenhuma outra. Nesses tempos era a forma de uma mulher fazer dinheiro, e eu fi-lo.” Patroa de um bordel em Denver, relatado por W. T. Stead.
“Entre os pobres, as fronteiras entre a virtude e o vício esbateram-se gradual e imperceptivelmente, pelo que era impossível designar distintamente as prostitutas ou classificá-las infalivelmente numa categoria marginal” Comentário da feminista Josephine Butler sobre as relações entre os pobres e a prostituição.
Bibliografia:
BUTLER, Josephine. “The Garrison Towns of Kent” in: The Shield, Londres, 22 de Abril de 1870.
WALKOWITZ, Judith R. “Sexualidades Perigosas” in: História das Mulheres no Ocidente, séc. XIX, vol. 4. PERROT, Michelle. Editora EBRADIL, 1995.
SCHUMAHER, Schuma. Dicionário das Mulheres do Brasil. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2000.
ARISTOFANES. A Greve do Sexo Trata a Revolução das Mulheres. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1997.
WALKER, Alice. De Amor e Desespero, Histórias de Mulheres Negras. Editora Rocco, 1998.
ROLKA, Gail Meyer. Cem Mulheres que Mudaram a História do Mundo. São Paulo, Ediouro, 2000.
Gravuras:
Prostitutas e clientes num bordel berlinês, 1900. Tudo era válido para estimular a fantasia dos clientes, desde fantasias de bailarina até o cancan.
Cena de bordel, 1895.A gravura abaixo sugere o estabelecimento de um bordel.
NEC-UFF
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