"Não sois máquinas! Homens é que sois!" (Charles Chaplin)
A conjuntura do início do século XIX
As primeiras décadas do século XIX na Inglaterra foram marcadas pela transformação da produção manufatureira em uma produção industrializada, onde predominou o aumento da produção e a inserção das máquinas, num processo que se tornou conhecido como “revolução industrial”. As mudanças atingiram em cheio a vida da população, causando fome e miséria nos aglomerados populacionais, os centros industriais. Além disso, a vida dos trabalhadores foi afetada diretamente, com a aplicação da teoria de diminuição do tempo e aumento da produção, para que o lucro fosse cada vez maior. Logo as máquinas começaram a ser adotadas nas indústrias e tornar-se-iam mais um incômodo à vida dos trabalhadores. É nesse contexto que se deu o movimento conhecido como “luddismo”.
O luddismo
Entre os anos de 1811 e 1817, registrou-se um acentuado número de revoltas contra proprietários da indústria têxtil, que adotaram máquinas capazes de fazer o mesmo trabalho de acabamento que os trabalhadores humanos. Alguns desses trabalhadores, vendo que acabariam por ser dispensados de suas funções, rebelaram-se contra o uso destas maquinas, dizendo que elas jamais seriam capazes de igualar a qualidade do trabalho humano. E prometiam, através de cartas, que invadiriam as fábricas e quebrariam todas as máquinas que por ventura pudessem substituí-los, ameaçando por vezes até mesmo a integridade física dos donos. O movimento pode ser visto em várias cidades inglesas e em muitas delas as ameaças se concretizaram. Assim é possível considerar o movimento luddista com certa especificidade em cada região que se manifestou, possibilitando o tratamento de um luddismo de Lancashire, um de Nottinghamshire e um de Yorkshire; que se diferenciaram na época e na forma que ocorreram as manifestações, mas que podemos considerar como um conjunto, quando tratamos das motivações e objetivos.
Apenas como exemplo, citaremos a narrativa de uma manifestação ocorrida na região de Nottingham, em março de 1811, quando o movimento começava a ganhar forma e não possuía ainda a organização que mais tarde apresentaria. Um grupo de homens empregados nas indústrias têxteis, que gritavam por trabalho e por manutenção dos preços tradicionais, mesmo nas fábricas que utilizassem as máquinas; foram os protagonistas desta manifestação que, mesmo tendo sido dissolvida pelo exército, teve o saldo de sessenta armações de malha destruídas. É curioso ressaltar que esses integrantes não procuravam se esconder atrás de máscaras e em seu feito receberam aplausos da multidão. No decorrer do tempo muitas outras cenas como essas se repetiram em Nottingham e em outras regiões da Inglaterra e o movimento liderado por um certo “general Ludd” ganhava cada vez mais organização, provando que o objetivo dos luddistas estava longe de ser apenas a destruição das máquinas.
A importância do luddismo
Deve-se levar em conta que a quebra de máquinas e os motins contra maus patrões não são marcados pelo movimento luddista, já que muito antes deste podiam ser presenciados. Assim, o que se deve observar são as marcas que deixou no processo de construção das lutas trabalhadoras. Para isso deve-se abandonar a idéia de que o quebra-quebra das máquinas tratava-se de uma reação ao novo, ou o que hoje chamaríamos de “tecnofobia”. E pensar no movimento luddista como um movimento trabalhista que visava lutar contra a imposição dos donos de fábricas, de colocar máquinas que substituiriam o trabalho humano e diminuiriam os preços finais dos produtos.
As reivindicações luddistas tinham tanto um caráter revolucionário como pretendiam conservar certas tradições dos trabalhadores. Entendido muitas vezes como uma ação cega e inconsciente, uma revolta de trabalhadores manuais analfabetos contra as máquinas, o Luddismo não deve limitar-se a esta idéia, porque é importante considerar a consciência política contida no movimento. Atentemos para a organização das ações, como a destruição de máquinas apenas de proprietários que não cederam às exigências dos trabalhadores, mantendo mercadorias abaixo dos preços e dispensando o serviço dos operários. Além disso, havia formas de lutas constitucionalistas, simultâneas aos atentados luddistas, dirigidas pelo menos até 1814, pela mesma organização.
A principal fase do Luddismo teve fim com a aprovação de uma Lei que caracterizava a destruição de máquinas pelo homem, como crime capital, punido com pena de morte.
Figura 3 A gravura com o título em inglês The Leader of the Luddites (O líder dos Luddistas), foi publicada em maio de 1812, e buscava retratar os trabalhadores comandados pelo lendário general Ludd, que na própria figura aparece como uma imagem mítica, uma mulher (símbolo da democracia) vestida com farrapos e com um objeto de costura na mão direita, representando o trabalho manual, com a outra mão indicava o caminho dos homens.
Quem foi Ned Ludd
Pouco se sabe sobre o “general Ned Ludd” suposto líder do movimento luddista que daria nome a este. É possível considerar que esse homem nunca tenha existido e não passasse de uma construção folclórica do movimento que carecia de uma liderança e organização. O que podemos dizer ao certo é que esse nome assinaria diversas cartas de ameaça enviadas a proprietários fabris.
"Possuímos informações de que você é um dos proprietários que têm um desses detestáveis teares mecânicos e meus homens me encarregaram de escrever-lhe, fazendo um advertência para que você se desfaça deles... atente para que se eles não forem despachados até o final da próxima semana enviarei um dos meus lugar-tenentes com uns 300 homens para destruí-los, e, além disso, tome nota de que se você nos causar problemas, aumentaremos o seu infortúnio queimando o seu edifício, reduzindo-o a cinzas; se você tiver o atrevimento de disparar contra os meus homens, eles têm ordem de assassiná-lo e de queimar a sua casa. Assim você terá a bondade de informar aos seus vizinhos de que esperem o mesmo destino se os seus tricotadores não sejam rapidamente desativados.."
Ass.: General Ludd, março de 1812
Carta de março de 1812, assinada pelo lendário General Ludd, e dirigida a um proprietário fabril, como essa, muitas outras cartas foram enviadas com a assinatura do General e em tons de ameaça.
Tecnofobia ou luta de classe ?
Por vezes o movimento luddista é tratado como uma reação de um povo inculto contra o futuro, no caso, as máquinas implementadas na revolução industrial, porém, como vimos, o movimento contava com uma organização real que era liderada por homens responsáveis por funções importantes dentro das fábricas, e como nos mostra o historiador E. P. Thompson, alguns eram inclusive leitores de Adam Smith e reivindicavam a aplicação de leis. Assim, entendemos o movimento luddista como um resultado da conjuntura vivida por esses homens, que sofriam pela falta de uma legislação trabalhista, pelo desemprego e pela fome, vivendo em péssimas condições e vendo as máquinas como algo que viria para trazer ainda mais problemas.
Cronologia
1767 – É criada, por James Hargreaves, a máquina de fiar.
1811 – Destruição de máquinas e marchas na região de Nottingham .
1813 – Aprovação da Lei que tornava crime capital a destruição de máquinas.
1814 – Prisão de um malharista, James Towle, por participação em um ataque. Mas esse foi absolvido na primavera de 1815.
1816 – 1817 – Ultima fase do luddismo na região de Midlands, atingindo uma força que não se via desde 1811.
1817 – Execução de seis indivíduos, envolvido com os ataques em Leicester.
Fins do século XIX a meados do século XX – disseminação das Trade Unions e perda de força gradual do luddismo.
Bibliografia:
ENGELS, Friedrich . A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. São Paulo: Boi Tempo , 2008.
THOMPSON, Edward Palmer. A formação da Classe Operária Inglesa – A árvore da liberdade. Vol. I. Tradução: Denise Bottmann. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.
_________________________. A formação da Classe Operária Inglesa – A Maldição de Adão. Vol. II. Tradução: Denise Bottmann. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.
_________________________. A formação da Classe Operária Inglesa – A força dos trabalhadores. Vol. III. Tradução: Denise Bottmann. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.
HERF, Jeffrey. O Modernismo reacionário. São Paulo: Ensaio, 1993
HOBSBAWM, Eric J. A era das revoluções – Europa 1789-1848. Tradução: Maria Tereza Lopes Teixeira & Marcos Penchel. São Paulo: Paz e Terra, 1977.
Sugestão de Filmes:
A relação do homem moderno com o uso crescente da máquinas pode ser pensada com os filmes da série Matrix, que tem seu inicio com Animatrix, e mais tarde continua na conhecida trilogia. A história gera questões não só da relação do homem e da máquina, como outras questões de âmbito mais filosófico.
Metropolis, 1927: filme de Fritz Lang(cineasta alemão), também pode ser usado para o debate da substituição do homem pela máquina.
Núcleo de Estudos Contemporâneos - UFF
Nenhum comentário:
Postar um comentário