segunda-feira, 2 de novembro de 2009

ENTRE DOIS AMORES: O AMOR E A VIDA NA FILOSOFIA DE SANTO AGOSTINHO


ENTRE DOIS AMORES:
O AMOR E A VIDA NA FILOSOFIA DE SANTO AGOSTINHO (*)


Jorge Luis Gutiérrez
Doutor e Mestre em lógica e filosofia da Ciência (Unicamp).
Professor da Universidade Mackenzie.
Professor da Faculdade de Filosofia São Bento.



INTRODUÇÃO

”A minha infância morreu há muito tempo; mas eu vivo ainda”, escreveu Santo Agostinho nas Confissões[1) , lembrando seus 43 anos de vida, que era a idade que ele tinha quando escreveu esse livro. Lembrando sua vida ele sente um certo assombro, que a pesar de todas as coisas que aconteceram em sua vida, ainda estar vivo. Um espanto doloroso, como dirão alguns de seus comentadores. Uma grande admiração decorrente das muitas lembranças, pois, lembrar era o propósito de sua obra. Lembrar e confessar. Recordar a vida. A vida com todas suas nuanças. Sem esconder nada, sem omitir nada. Por isso Agostinha afirmava nas páginas de seu livro: quero recordar as minhas torpezas passadas e as depravações carnais da minha alma[2] . Para logo acrescentar, lembrando seus anos de juventude: amei a minha morte, amei o meu pecado.[3] Assim, fica mais clara sua admiração frente ao fato de ainda estar com vida. Vida que ele — Agostinho — amou mais ainda que sua morte e seu pecado. Alias, podemos afirmar que o que ele chama de morte e de pecado foram conseqüências de seu amor à própria vida. De seu amor, de seu estar vivo.


AURELIUS AUGUSTINUS

Santo Agostinho ou Agostinho de Hipona (cidade onde foi bispo) ou Agostinho de Tagaste (cidade onde nasceu) ou — simplesmente — Agostinho, cujo nome em latim era Aurelius Augustinus, nasceu na cidade romana de Tagaste em 354 e morreu em Hipona[5] em 430. Foi filósofo e teólogo e hoje é considerado santo e doutor da Igreja. A importância de seu pensamento foi tão grande que após sua morte ainda influenciaria decisivamente os rumos do pensamento europeu por mais de 1000 anos. Até hoje milhares de estudiosos no mundo todo se dedicam à pesquisa de sua filosofia.

Sua obra mais famosa, as Confissões, fez 1600 anos em 2001. Para lembrar esta data no mundo todo foram organizados encontros, conferencias, ciclos e palestras. Mas também toda a obra de Agostinho esta voltando a ser estudada, e ele — Agostinho — está cada vez mais consolidando-se como um dos maiores nomes da história da filosofia e — conseqüentemente — um dos principais filósofo de Ocidente. Com aportes significativos sobre a teoria do conhecimento e como um pensador com intuições profundas sobre a existência, sobre a vida e — especialmente — sobre o tempo e a eternidade. Que nos deixou uma obra intelectual monumental que de quando foi escrita até agora influenciou decisivamente os rumos do pensamento.


SABES QUE PENSAS?

Agostinho gostava de escrever seu pensamento em forma de diálogos. Assim, ele escreveu seus livros fazendo de conta que estava conversando com uma outra pessoa. Alguns de seus interlocutores nestes diálogos foram seus amigos, seus discípulos, sua mãe e seu filho. Porém, para os efeitos que nos propomos, o diálogo mais importante é quando ele, no livro chamado Solilóquios, dialoga com a Razão.

Como amostra da importância de seu pensamento, podemos citar o tetxo dos Solilóquios, que inspirou um dos textos mais conhecidos da filosofia, o famoso penso, logo existo de Descartes. A Razão abre o diálogo:


R: Tu que queres conhecer-te a ti mesmo, sabes que existes?
A: Sei.
R: De onde sabes?
A: Não sei.
R: Sentes-te como um ser simples ou múltiplo?
A: Não sei?
R: Sabes que te moves?
A: Não sei.
R: Sabes que pensas?
A: Sei.
R: Portanto, é verdade que pensas.
A: Sim.[6a]


Porém onde fica mais claro ainda que Agostinho já tinha formulado no essencial o que mais tarde seria o “cogito” de Descartes, é num texto da Cidade Deus:


"A certeza de que existo, de que eu sei isto e de que estou feliz por isto acontece independentemente de qualquer fantasia ou contradição imaginária.
Com relação a estas verdades, não temo qualquer argumento apresentado pelos acadêmicos. Se eles dizem “e se você estiver errado?”, respondo “ainda que eu esteja errado, ainda assim existo”. O ser que não existe não pode se enganar. Por isto se me engano, existo. Logo, se o fato de estar enganado prova que eu existo, como poso estar errado quando penso que existo, se meu erro confirma minha existência.
Por isto, devo existir para que eu posa estar errado, logo, mesmo que eu esteja errado, não se pode negar que não o estou na minha certeza de que eu existo. Portanto não estou errado ao saber que sei. Pois da mesma maneira que sei que existo, também sei que sei. E quando me alegro com esses dois fatos, poso acrescentar com igual certeza essa alegria às coisas que eu sei. Pois não estou errado nessa alegria, porque não estou enganado quanto às coisas que eu amo. Ainda que essas coisas sejam ilusórias, ainda seria um fato eu amar as ilusões."[6b]


ESTAMOS NO TEMPO

Agostinho também pensou sobre o tempo[7] , e seus escritos sobre este tema são clássicos, por sua profundidade e beleza, da produção filosófica mundial. Neles afirma que os seres humanos vivem sempre só no presente, no qual não há passado (pois só temos lembranças presentes das coisas passadas) e não há futuro (pois só temos expectativas presentes das coisas futuras). Mas, além de suas afirmações (um tanto metafísicas sobre o tempo), Agostinho também foi um pensador que se preocupou com a ação humana e seus fundamentos. Ele elaborou uma ética fundamentada no amor. E aqui chegamos ao tema que nos interessa, e para tratar-lo abordaremos dois aspectos de seu pensamento. O primeiro é seu amor à vida e o segundo é a relação que tem o amor com o fazer, sintetizado em seu conhecido conselho: ama e faze o que quiseres.


O AMOR A VIDA.

Se fosse possível sintetizar toda a filosofia Agostiniana em só duas frases, com certeza o dialogo que vem a continuação seria um forte candidato a servir a esse propósito. A Razão — que como afirmamos anteriormente é a interlocutora no diálogo — pergunta para Agostinho: Portanto, gostas de viver? Ao que Agostinho responde: Confesso que sim.[8]

Este gosto de viver de Agostinho (que neste texto adquire características de confissão), este gosto pela vida, tinha relação com sua procura da felicidade. Isto fica claro quando no mesmo diálogo — um pouco mais adiante — a Razão afirma que: ninguém é feliz a não ser vivendo e ninguém vive se não existir[9] . De esse modo a trilogia viver, ser feliz e existir, se união na filosofia agostiniana de uma maneira inseparável. Só um existente pode ser feliz, só alguém que vive, que está vivo. A felicidade não é dos mortos, é dos vivos.[10]

Para Agostinho, viver tinha relação com o saber, com o entender. Por isso a Razão imediatamente diz para Agostinho: Tu queres existir, viver e entender, mas existes para viver e vives para entender. Portanto sabes que existes, sabes que vives, sabes que entendes.[11]

Mais ainda, em outro de seus livros chamado A Vida Feliz no primeiro capítulo, quando ainda está introduzindo seus leitores ao tema da felicidade, acontece o seguinte diálogo12)

— Podes, pois, dizer-nos alguma coisa do que sabes?
— Sim, posso.
— Se isso não te incomoda, dize-nos, pois.
E como ele hesitasse, interroguei:
— Sabes, pelo menos que vives?
— Isso eu sei.
— Sabes, igualmente que possuis um corpo?
Ele concordou.
— Sabes, igualmente, que constas de corpo e vida?
— Sim, todavia tenho dúvidas se não existe alguma coisa
a mais que isto.


Com a citação anterior fica claro que na filosofia de Agostinho a existência só era possível ligada à vida. O diálogo continuará no sentido de dar uma resposta à pergunta se existe algo além do corpo e a vida. Porém, o que nos interessa deixar claro que essa procura começa a partir da constatação da existência do corpo e na própria vida ligada ao corpo. Porém, é neste ponto que começa também a angustia agostiniana, pois estando a vida ligada ao corpo, está também ligada ao tempo, à temporalidade, à finitude. Juntamente com constatar que a vida e o corpo possibilitam a felicidade, ele percebe que a felicidade — estando ligada à vida e ao corpo — será sempre momentânea, finita, perene. Frente a esta constatação Agostinho escreveu nas Confissões: se me sorria alguma ventura, sentia náuseas em apanhá-la porque ela voava no mesmo instante em que ia agarrá-la.[13]


Frente ao rápido passo do tempo e a brevidade da vida, Agostinho descreve na frase cada gota de tempo me é preciosa[14] , num tom belamente poético, a necessidade de valorizar cada momento que vivemos, sendo que cada instante que passa é irrecuperável e irrepetível. Então aparece o tema do amor em Agostinho, pois a infelicidade é decorrente do passo do tempo e da perda imediata de todo momento que temos. Assim, para ele, era necessária uma ética que levasse em consideração a brevidade da vida. Uma ética que considerasse preciosa cada gota de tempo. Uma ética que não desconheça o fato que toda felicidade é momentânea, pois — de acordo com os escritos de Agostinho — imediatamente que temos um momento feliz, ele se transforma em passado, pois toda felicidade é só presente, só existe no instante que a estamos vivendo e no instante seguinte será só lembrança.


A infelicidade seria, então, conseqüência de nosso amor a este mundo. Ela decorre do fato que gostaríamos que cada felicidade fosse eterna, que cada amor fosse eterno, que a própria vida fosse eterna (ou que pelo menos dure o mais possível, pois é difícil aceita a idéia de que temos que morrer). Mas, as coisas que conhecemos não são eternas, e a nossa experiência nesta terra também nos diz que nada dura para sempre: as coisas têm começo e fim. Por isso a dor da perda pode chegar em qualquer momento. Agostinho confessa: Era desgraçado, e desgraçada é toda alma presa pelo amor às coisas mortais. Despedaça-se quando as perde, e então sente a miséria que a torna miserável, ainda antes de as perder.[15]

O tempo é irreversível. Não pode ser detido. Nenhum momento volta. Assim, ninguém pode viver a mesma felicidade duas vezes. Toda felicidade é única e irrepetivel. Todo momento só pode ser vivido uma única vez. Assim, viver é acumular lembranças. Agostinho se interroga: Por que será que ao evocar com alegria as minhas tristezas passadas a alma contém a alegria, e a memória a tristeza, de modo que a minha alma se regozija com a alegria que em si tem, e a memória se não entristece com a tristeza que em si possui?[16] A conclusão de Agostinho é que quatros são as perturbações da alma: o desejo, a alegria, o medo e a tristeza.[17] Frente a essa realidade só era possível uma ética alicerçada no amor. Então, vamos para esse tema.


“AMA E FAZE O QUE QUISERES”

A frase que serve de título a esta parte foi escrita por Santo Agostinho no tratado 7, seção 8 do Comentário a Primeira Carta de João, e é um de seus textos mais conhecidos. Nele está resumida a sua ética, que tinha duas características: era uma ética da ação e estava alicerçada no amor.

Para entrar no tema começaremos citando um texto das Confissões no qual Agostinho, fala do peso do amor:



"O corpo, devido ao peso, tende para o lugar que lhe é próprio, porque o peso não tende só para abaixo, mas também para o lugar que lhe é próprio. Assim o fogo encaminha-se para acima, e a pedra para abaixo. Movem-se segundo o seu peso. Dirigem-se para o lugar que lhes compete. O azeite derramado sobre a água aflora à superfície; a água vertida sobre o azeite submerge-se debaixo deste: movem-se segundo o seu peso e dirigem-se para o lugar que lhes compete. As coisas que não estão no próprio lugar agitam-se, mas, quando o encontram, ordenam-se e repousam. O amor é o meu peso. Para qualquer parte que vá, é ele quem me leva".[19]


Para Agostinho somos o que amamos, isto é, nossa essência está definida pelo que amamos. Pois, não é possível mudar os amores sem também mudar de ser. Amando coisas diferentes, nos transformamos também em pessoas (seres) diferentes. Assim, primeiro amamos, depois somos. E o que somos depende do que amamos. Por isso, ser bom, isto é ser homem ou mulher de bem, significa amar o que deve ser amado e não amar o que não deve ser amado. Amar o errado, amar as coisas ou as pessoas erradas é o caminho para a autodestruição. A felicidade está em amar as coisas certas, as pessoas certas, os lugares certos.

Agostinho pensava que amores diferentes constroem coisas diferentes. Conhecida é sua sentença dois amores fundaram, pois, duas cidades.[20]

Assim, amar o certo é o verdadeiro caminho. Mas, às vezes embora amemos o certo, não podemos ter o que amamos. O amor se apresenta como uma ausência. Então, Agostinho elevava os olhos ao céu e orava para Deus: Concedei-me o que amo, porque estou inebriado de amor.[21] E ainda: Dai-me o que amo, pois Vós me concedestes esta graça de amar.[22] Conseqüentemente a calma, o descanso, só pode vir na presença do amor. Agostinho escreve: o lugar do descanso imperturbável está onde o amor não é abandonado, a não ser que o amor nos abandone primeiro.[23]


QUE COISA ME DELEITAVA SENÃO AMAR E SER AMADO?

Mas se algumas vezes o amor era ausência, outras era presença. Assim, o amor também trousse para Agostino momentos de prazer. Lembrando estes momentos, e seus anos de juventude, Agostinho confessava: Que coisa me deleitava senão amar e ser amado? e ...era para mim mais doce amar e ser amado, se podia gozar do corpo da pessoa amada.[25] Para Agostinho — ou pelo menos para o jovem Agostinho — o amor era também corpo e beleza, beleza ligada ao corpo e corpo ligado a beleza. Assim, definiu a beleza do corpo dizendo que toda a beleza do corpo é a congruência de partes com uma certa suavidade de cor.[26] E ainda, como filósofo que gostava da retórica, ele colocou isto de uma maneira mais filosófica e mais poética:


"Um corpo, formado de membros todos belos, é muito mais belo que cada um dos seus membros de cuja conexão harmoniosíssima se forma o conjunto, posto que também cada membro separadamente tenha uma beleza peculiar".[27]


E finalmente, ele também ligou tudo isto a própria felicidade e afirmou que a alma só se alimenta daquilo que lhe traz alegria.[28]

Assim, o texto de Agostinho no qual ele afirmava que o amor era seu peso[29] e que ele sempre se inclinava, caia, para o lado do amor, e a ama e faze o que quiseres, significa, de acordo com Agostinho que nosso destino está determinado pelas coisas que amamos, e o fundamento de todo ato é o amor, então todo o que fazemos é produzido pelo amor. A filosofia de Agostinho proclamava que é o amor quem nos impulsiona, quem nos leva, quem nos atrai: o rumo da vida é dado pelo amor. Então, as coisas que amamos assinalam o rumo de nossa vida. Por isso Agostinho pode aconselhar aos seus discípulos ama e faze o que quiseres[30] . Se for por amor está certo... mas, ao olhar o mundo e suas paixões acrescenta, tenha também o cuidado de amar o certo. Assim, a ética do amor de Agostinho pode ser resumida no seguinte texto:

"Uma vez por todas, foi-te dado somente um breve mandamento: Ama e faze o que quiseres. Se te calas, cala-te movido pelo amor; se falas em tom alto, fala por amor; se corriges, corrige por amor; se perdoas, perdoa por amor. Tem no fundo do coração a raiz do amor: dessa raiz não pode sair senão o bem!"[31]


Por isso, quem ama de verdade não pode deixar de fazer o bem. O amor leva à vontade e a vontade leva ao fazer. Ou seja, o amor leva ao fazer, à ação, aos atos. Mas os atos de amor também têm uma dimensão de solidariedade, de ajuda, que — sendo consequencia do verdadeiro amor — deve estar livre de interesses mesquinhos e egoístas. Sentindo isto, Agostinho escreveu:


"Na verdade, não devemos desejar que haja miseráveis para termos ocasião de realizar obras de miseric¬órdia. Tu dás pão a quem tem fome, mas melhor seria que ninguém passasse fome, que não tivesse ninguém para dar! Vestes o que está nu. Aprouvesse ao céu que todos fossem vestidos e que essa necessidade não se fi¬zesse sentir! ... Suprimi as carências e as obras de misericórdia cessarão. Quer dizer que o ardor da caridade cessará? Mais autêntico é o amor que dedicas a pessoa feliz, que não precisa de teus dons. Bem mais puro será esse amor e bem mais sincero. Isso porque, prestando serviço a um necessitado, talvez desejes te exaltar diante dele e queiras que te seja reconhecido aquele que deu origem à tua boa ação. Ele está carente, tu lhe dás parte de teus bens, e porque dás, tu te imaginas superior àquele a quem dás. Deseja, ao contrário, que ele te seja igual! Isso para que ambos estejam sujeitos Àquele a quem nada se pode dar". [32]



NO INTERIOR DO HOMEM HABITA A VERDADE

Agostinho, como bom estudioso da alma humana, está preocupado com analisar os reais motivos que levam a uma pessoa a ser caritativa ou boa. O verdadeiro ato de amor é completamente desinteressado, sem procurar recompensa, sem procurar nada em troca, produto só do amor. Com isto agostinho coloca na mesa de discussão um tema filosófico que será motivo de reflexão em muitos filósofos: se o homem é naturalmente solidário ou egoísta, isto é, se o os atos que parecem solidários seriam só uma mostra mais de egoísmo, que procurariam nos fazer sentir bem, ou sem peso de consciência, ou aumentar nosso prestigio frente às outras pessoas.

Assim, sua conclusão, embora polemica, não deixa de ter algo de verdadeiro: o verdadeiro ato de amor não é com o necessitado, mas com o que esta feliz. Fazendo atos de caridade com quem esta feliz e não precisa nada, teremos a certeza de não ter nenhum reconhecimento em troca. Isto é, possivelmente, filosófica e teologicamente correto, porem, tal vez, um pouco ineficiente para aliviar a necessidade de nossos semelhantes. Assim, Agostinho não aconselha a não se benevolentes, só ele recomenda que frente a cada ato benevolente olhemos para o interior de nossa alma e procuremos os reais motivos. Assim, o orgulho ou a arrogância de pensar que somos bons, neutralizada ao olhar no fundo de nossa alma. Não é por nada que a maior descoberta de Agostinho, e o maior legado que nos deixou, sua maior herança, é a descoberta da intimidade, isto é da alma humana. Sobre isto devemos deixar claro que Agostinho entendia alma como intimidade. A alma era para ele o nosso lado espiritual. Espiritual — como bem assinalou Julian Maria — em Agostinho é aquela realidade que é capaz de entrar em si mesma. Por isso para Agostinho o poder entrar em si mesmo é o que dá a condição de espiritual, não a não-materialidade. Agostinho descobriu a interioridade, a intimidade do homem, para ele, quem fica só nas coisas exteriores, esvazia-se de si mesmo, por isso terminaremos com uma de suas frases mais famosas: no interior do homem habita a verdade:

"A verdade reside no interior do homem, pois a mente não conhece o que está fora dela . Nada está mais presente À mente do que a própria mente”[34]


NOTAS

(*) Este artigo foi publicado em 2001 na Revista Caminhando.

(1] Confissões,, I,6. Lat: Et ego vivo.
(2] Confissões, II, 1.
(3] Confissões,, II, 4.
(4] Esta cidade corresponde à atual «Souk-Ahras» na Argélia.
(5] Hoje só ruína, perto da cidade argelina de Bonê.
(6a] Solilóquios, II,1.
(6b]A cidade de Deus, Livro XI, cap. 26. O negrito é nosso. (7] O tema do tempo foi tratado por Agostinho em vários de seus escritos. Nas Confissões, é tratado no livro XI.
(8] Solilóquios, II, I.
(9] Idem.
(10] Conferir: GUTIERREZ, Jorge Luis. “Enquanto há vida há esperança” As pequenas e firmes esperanças do dia-a-dia em Qohelet. Ribla, 39.
(11] Idem.
(12] Agostinho,A Vida Feliz, II, 7. São Paulo, Paulus, 1998. Tradução de Nair de Assis Oliveira.
(13] Agostinho, Confissões,, VI, 6.
(14] Idem, XI, 2. No latim as gotas de tempo são as stillae temporis.
(15] Idem, IV, 6,11.
(16] Idem X, 14. O tema da memória é tratado nas Confissões, o capítulo X, 8-24.
(17] Idem.
(18] Latim: ama, et fac quod vis. (19] Confissões, XIII, 9. O negrito é nosso.
(20] Cidade de Deus, XIV, 28.
(21] Idem XI, 2.
(22] Idem XI, 22.
(23] Idem IV, 11. (24] Idem II, 1.
(25] Idem III, 1 (26] Agostinho. A Cidade de Deus, L, XXII (27] Confissões, XIII, 29. (28] Idem XIII, 27.
(29] Latim: pondus meum, amor meus.
(30]Dilige et quod vis fac.
(31] Agostinho, Comentário a Primeira Carta de João, VII, 8. Traduzida para o português por Nair de Assis e Editada por Edições paulinas em 1989.
(32] Idem, VIII, 5.
(33] MARIA, Julian. Agostinho. Conferência do curso “Los estilos de la Filosofía”, Madrid, 1999/2000. Edição: Renato José de Moraes. Tradução: Ho Yeh Chia - http://www.hottopos.com)
(34] «Noli foras ire, in te ipsum redi, in interiore homine habitat veritas; et si tuam naturam mutabilem inveneris trascende et te ipsum.» In: De vera religione. C. 39, 72.)

Revista Pandora

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