Trincheiras profundas
A Primeira Guerra Mundial foi o resultado de quatro décadas de tensão
por Fábio Marton
Parece difícil entender como o assassinato de um nobre austríaco foi capaz de detonar o maior confronto militar que o mundo tinha visto até então. Entre agosto de 1914 e novembro de 1918, 65 milhões de soldados pegaram em armas, com um saldo de aproximadamente 10 milhões de mortos e 20 milhões de feridos. Quando acabou a Primeira Guerra Mundial, quatro grandes impérios (o Alemão, o Austro-Húngaro, o Russo e o Turco-Otomano) estavam destruídos. Depois de 1918, o mapa da Europa nunca mais seria o mesmo.
Na verdade, o tiro que acertou a jugular do arquiduque Francisco Ferdinando (1863-1914) foi só o estopim que detonou 40 anos de tensões. Desde 1871, quando os alemães ocuparam a França, o mundo começou a ficar pequeno para as pretensões territoriais das grandes potências, que brigavam por terras na Europa e na África.
A situação, que era instável, degringolou de vez quando sérias disputas na região dos Bálcãs jogaram o Império Austro-Húngaro e seus aliados germânicos contra a Rússia e a França. Parecia impossível solucionar todas as pendências políticas sem pegar em armas. Começava então um conflito que os analistas da época chamavam, com otimismo, de a guerra para acabar com todas as guerras.
O CAMINHO PARA A DETONAÇÃO
Os acordos e incidentes que antecederam o conflito
10 de maio de 1871 - Surge a alemanha
Liderados por Otto von Bismarck (1815-1898), os estados germânicos vencem a França. A Guerra Franco-Prussiana provoca a unificação do Império Alemão, também chamado de Segundo Reich. O acordo de rendição tira dos franceses os territórios da Alsácia e da Lorena.
7 de outubro - Tríplice Aliança
O Império Austro-Húngaro, fundado em 1867 graças a um acordo entre as nobrezas austríaca e húngara, faz uma aliança com o Império Alemão. O acordo prevê ajuda militar mútua caso um dos dois países fosse atacado pela Rússia. Em 1882, a Itália se junta aos dois países e forma a Tríplice Aliança.
1890 - Mudança de lado
O governo russo deixa de renovar um acordo com a Alemanha, que previa que os dois países não entrariam em guerra. Em 17 de agosto de 1892, Rússia e França assinam um acordo de defesa mútua contra a Tríplice Aliança.
1905 - Roteiro de guerra
O marechal germânico Alfred von Schlieffen (1833-1913) cria um plano detalhado de ataque militar. Ele prevê que a Alemanha declare guerra primeiro, e que rapidamente ocupe a Bélgica e depois a França, tudo isso antes que a Rússia se organizasse e abrisse uma segunda frente de batalha. Em 1914, a programação seria cumprida à risca.
3 de outubro de 1906 - Evolução militar
A Inglaterra lança ao mar o HMS Dreadnought, um navio tão poderoso que, depois dele, embarcações militares são classificadas em pré-dreadnought ou pós-dreadnought.
31 de agosto de 1907 - Tríplice Entente
Em março de 1905, o kaiser Guilherme II (1859-1941), que havia se tornado imperador alemão em 1888, oferece a Marrocos ajuda contra a França. Seu objetivo era pressionar a Inglaterra a se afastar da influência de Paris e de Moscou. Mas o resultado é o oposto, e o Reino Unido se une à França e à Rússia para formar a Tríplice Entente.
6 de outubro de 1908 - Fator sérvia
Um dia após a Bulgária declarar independência, o Império Austro-Húngaro anuncia a anexação da vizinha Bósnia. As relações com a Sérvia se tornam tensas. A situação se agrava na medida em que a Rússia se aproxima dos sérvios.
28 de outubro de 1908 - Loucos como lebres
Em entrevista ao jornal britânico Daily Telegraph, o kaiser Guilherme II diz que é um amigo da Inglaterra. Mas também afirma que os ingleses são loucos, loucos, loucos como lebres em março. A frase repercutiu mal entre os líderes da Inglaterra.
18 de fevereiro de 1913 - Retórica guerreira
A França elege Raymond Poincaré (1860-1934) para presidente. Dotado de inflamada retórica antialemã, ele repete em seus discursos que a Alsácia e a Lorena precisam ser recuperadas. Poincaré cria o Plano XVII, a versão francesa do Plano Schlieffen.
18 de julho de 1913 - Fator sérvia, de novo
Termina a Segunda Guerra Balcânica, em que Sérvia, Grécia e Romênia lutaram contra a Bulgária por causa da divisão do território que os quatro países haviam conquistado na Macedônia. O conflito transforma o pequeno reino da Sérvia em uma potência local.
28 de junho de 1914 - O primeiro tiro
Francisco Ferdinando, herdeiro do trono austro-húngaro, é morto em Sarajevo por conspiradores sérvios. Um mês depois, o Império invade a Sérvia. Seguem-se várias declarações de guerra, até que, em 6 de agosto, o continente inteiro está envolvido. Estão abertas as portas do inferno.
Revista Aventuras na História
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