domingo, 1 de agosto de 2010

O coveiro inconsciente do socialismo soviético

Um político como Mikhail Gorbachev sabia que, como presidente da União Soviética, estava fazendo (a grande) história. Por isso a pergunta correta a fazer é: qual o grau de consciência tem o líder político quando está fazendo história? Porque, contando com o planejamento, está tentando levar a história para um rumo, mas, não poucas vezes, ele e a história acabam sendo levados para outro lado. No magnífico livro “Pós-Guerra — Uma História da Europa Desde 1945” (Objetiva, 847 páginas, tradução de José Roberto O’Shea), o historiador inglês Tony Judt diz que, ao adotar a perestroika e a glasnost, “é incontestável que ele [Gorbachev] não sabia o que estava fazendo e ficaria horrorizado se soubesse”.

“As novas reformas, inevitavelmente, conduziriam o País de volta ao capitalismo”, escreve Judt. Mas Gorbachev não queria a instalação do capitalismo, pelo contrário. O líder soviético, que se considerava estadista europeu, apostava que poderia reformar o sistema. “Gorbachev acreditava piamente que o único caminho para o progresso passava pelo retorno aos ‘princípios’ leninistas. A ideia de que o próprio projeto leninista estivesse equivocado permanecia alheio ao líder soviético até bem tarde. Somente em 1990 ele, finalmente, permitiu a publicação interna de escritores abertamente antileninistas como, por exemplo, Aleksandr Soljenitsin.” Como líder, que pretendia levar a União Soviética para uma economia produtiva, mas não capitalista, Gorbachev equivocou-se. “Gorbachev e sua revolução controlada foram, em última instância, engolidos pela escala das contradições por eles mesmos gerados. (...) O líder falhou totalmente. Mesmo assim, o que ele fez foi notável. O sistema soviético só poderia ser desmantelado de dentro para fora, por alguma iniciativa vinda de cima. (...) Ele [Gorbachev] desentranhou a ditadura do próprio partido. Somente um comunista poderia fazê-lo [derrubar o sistema]. E foi um comunista que o fez. Somente o partido poderia limpar a sujeira por ele próprio espalhada.”

Segundo Judt, é simples a resposta para a pergunta “por que o comunismo ruiu tão abruptamente em 1989?” Porque “os regimes eram mais fracos do que se supunha. (...) A grande verdade de 1989: se as multidões, os intelectuais e os líderes sindicais do Leste Europeu ‘venceram a Terceira Guerra Mundial’, foi porque, simplesmente, Mikhail Gorbachev permitiu que isso acontecesse. (...) Gorbachev nada fez, diretamente, para precipitar ou instigar as revoluções de 1989; ele apenas saiu do caminho. (...) Gorbachev permitiu a queda do comunismo na Europa Oriental para salvar a Rússia”. Só que errou nos cálculo e, no lugar de salvar, enterrou a União Soviética.

A corrida armamentista praticamente inviabilizou a economia soviética, mas não o sistema político, sustenta Judt. “O Afeganistão foi uma catástrofe para a União Soviética. Depois do Afeganistão não haveria a menor possibilidade de recorrer à força na Europa Oriental.”

Judt observa que duas novidades de 1989 foram “a rapidez do processo” e “a natureza pacífica da mudança”. Porque, sobretudo, não havia mais a espada de Dâmocles da União Soviética. Os tanques e tropas do Pacto de Varsóvia.

Sobre a participação do governo de George Bush (pai), Judt é enfático: “Os Estados Unidos desempenharam um papel notavelmente diminuto nos dramas de 1989, ao menos até que os fatos já estivessem consumados”.

A visitar a Alemanha Oriental, cujo regime era, ao lado do da Romênia, um dos mais duros do bloco comunista, Gorbachev disse: “A vida pune aqueles que se atrasam”. Puniu-o também por não entender o que estava acontecendo de fato. Pode-se dizer que, como admitiu recentemente o goleiro da seleção brasileira, Júlio César, ao tomar um gol de falta do time da Bolívia, Gorby foi pego com as calças arriadas.

Revista Bula

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