quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Os jovens e movimentos em torno da Contracultura: um potente motor do consumismo

Enquanto os intelectuais discutiam a mudança dos valores da juventude na segunda metade do século 20, a indústria descobria uma nova classe consumidora

Os anos 60 e 70 marcaram o século 20 de forma definitiva. Foram os anos da descolonização da África e da Ásia, da revolução cultural na China, dos estudantes nas ruas de Pequim, Paris, Cidade do México, Praga, São Francisco e Rio de Janeiro. Tempos em que o apocalipse nuclear era iminente; bastava apertar botões. E da Guerra do Vietnã, da corrida espacial, da chegada do homem à Lua. A mulher começou a reivindicar direitos iguais aos dos homens, e o movimento negro se solidificou. Houve a revolução sexual, os hippies, os fundamentalistas, os revolucionários e as ditaduras militares na América Latina.

Em meio àquele turbilhão, surgiu uma maneira de pensar e se expressar: a contracultura. Foi uma resposta às incertezas da época, que trouxe à tona os poetas beatniks, os festivais de rock, as drogas, os circuitos alternativos, o underground, e nomes como Marshall McLuhan, Herbert Marcuse, Allen Ginsberg, Timothy Leary, William Burroughs e David Bowie. E por que não citar os brasileiros? O escritor José Agrippino de Paula (veja o quadro “O pai da Tropicália”), o cineasta Glauber Rocha, o movimento do Tropicalismo e, claro, o tablóide O Pasquim. Trouxe também discos antológicos, como Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, dos Beatles; livros como On the Road, do escritor estadunidense Jack Kerouac; sem falar na pop art, que revelou Andy Warhol, Roy Lichtenstein e Keith Haring (veja a matéria“Ironias do consumismo popular”, à pág. 39).

O impacto sobre a juventude da época era tamanho que os empresários da indústria logo viram a oportunidade de grandes negócios. O que, de fato, ia contra os próprios valores da contracultura. Foram redigidos muitos textos, como os de Theodor Adorno (1903-1969), contra a massificação da cultura – muitos deles, desdobramentos do clássico ensaio do filósofo alemão Walter Benjamin (1892-1940), intitulado “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”, sobre a impossibilidade de manter a pureza de tais obras diante da sua constante reprodução por meio das técnicas de comunicação que revolucionavam aquela época.

Esse grupo de pensadores criou o termo “indústria cultural”, o modo pelo qual a sociedade capitalista manipula os indivíduos, usando os meios de comunicação de massa.“Era a forma vista pelos seus pensadores de anular as pessoas e a capacidade crítica, formando uma massaúnica que consumiria com mais facilidade poucos produtos culturais, produzidos em larga escala”, comenta o sociólogo Marcelo Tsuadashi.

Esses conceitos ainda se refletem intensamente na criação e no consumo de cultura ao redor do globo. Genericamente falando, a canadense Avril Lavigne pode até não estar no topo das paradas musicais do Japão, mas com certeza influencia alguma cantora adolescente de visual rebelde do arquipélago nipônico a copiá-la e tentar fazer sucesso – assim como o Brasil cria artistas semelhantes, como a baiana Pitty. Cinema, quadrinhos, televisão, teatro, literatura e muitas outras estéticas artísticas se reproduzem aqui e acolá dessa forma, viral e

fugaz, com um bom suporte da mídia globalizada e capitalista. São exceção as artes plásticas, cuja apreciação deriva muito mais do contato pessoal entre obra e espectador (veja o quadro “Dos palácios às sarjetas”).

Alternativos de butique
Os grupos sociais formados por“jovens alternativos” rejeitavam os padrões comportamentais e as visões políticas de seus pares da primeira metade do século passado. Rejeitavam os seus símbolos de status e as mercadorias consumidas pela maioria dos jovens, como o carro do ano, as roupas da moda, os cabelos penteados e as músicas românticas. Defendiam uma ruptura com os valores dos adultos – adotados pelos jovens “caretas” – e lutavam pela existência de uma cultura juvenil própria.

Por outro lado, criaram as bases para a existência da cultura juvenil de consumo, pois os símbolos da rebeldia juvenil – as motocicletas, as roupas coloridas, os cabelos naturalmente compridos, a vida em comunidade e os grupos de rock – foram apropriados e divulgados pelos meios de comunicação. Até os intelectuais tidos como gurus dos jovens, como os filósofos Jean-Paul Sartre (1905-1980) e Herbert Marcuse (1898-1979), tornaram-se best sellers.

No entanto, a transformação da juventude rebelde em consumo era um fenômeno social contraditório – impulsionava o capitalismo, mas divulgava idéias e práticas contrárias à sua existência. A divulgação pela indústria cultural em escala mundial de um grupo como os Beatles incentivou o desenvolvimento da cultura juvenil de consumo. “A Jovem Guarda brasileira, inspiradora do lançamento de produtos para os jovens, foi um exemplo disso, ao mesmo tempo em que servia de estímulo para a contestação social”, afirma o sociólogo Cláudio Coelho.

“É fato o papel dos meios de comunicação para que os movimentos de contestação atingissem uma dimensão mundial”, continua Coelho. “A idéia do poder jovem, do conflito de gerações e da rebeldia juvenil era divulgada amplamente pelos meios de comunicação em escala mundial. Nesses anos, a juventude era retratada como um grupo social à parte, claramente diferenciado dos demais e potencialmente ameaçador.”
Geração beat
Quando Allen Ginsberg, em 1955, encenava nos recitais da Six Gallery, em Nova York, o poema Uivo, inaugurou um novo panorama poético para a literatura da língua inglesa, caracterizado por um estilo fora do literário tradicional. Ginsberg (1926-1997) e sua geração beat foram, além de um fenômeno juvenil determinante para as manifestações de contracultura que surgiriam a partir da década de 60, um marco na literatura contemporânea. Uivo, embora tenha trazido alguns elementos da
poesia de vanguarda, insere-se na estética pós-moderna. Os beats também foram bastante influenciados pelo jazz, principalmente por Charlie Parker e os músicos do bebop.

Outro ícone do movimento foi Jack Kerouac (1922-1969). Seu principal livro, Pé na Estrada (ou On the Road, no título original, de 1957, editado no Brasil pela L&PM), é considerado a bíblia dos hippies e mochileiros.

Seus textos refletem um profundo desejo de livrar-se dos padrões da sociedade e tentar encontrar um sentido mais profundo para a vida. O próprio autor tentou experiências nesse sentido, estudando ensinamentos espirituais budistas, embarcando em numerosas viagens pelo mundo, ou ingerindo cogumelos ao lado de Timothy Leary (1920-1996, psicanalista e guru da contracultura que defendia o uso de substâncias alucinógenas). Porém, nos seus primeiros anos como escritor, os críticos literários não o levaram a sério, passando a ridicularizar o seu trabalho.

Idéias enlatadas
Partindo de pressupostos marxistas, a Escola de Frankfurt – fundada em 1924 por Felix Weil, filho de um grande negociante de grãos de trigo na Argentina – imaginava mudar as estruturas da sociedade moderna capitalista sem violência, sem revolução e sem terrorismo. Um de seus integrantes mais importantes, o filósofo Theodor Adorno, condenou os meios de comunicação de massa da era moderna. Considerava-os alienantes, nocivos e sem nenhum fundamento educacional. Para Adorno e seus colegas, esses meios utilizados pela indústria transformavam seus receptores em meros objetos e vítimas dos capitalistas. Os frankfurtianos fizeram escola em boa parte do mundo. “A corrente terminou ganhando, nos estudos de Comunicação, o status de teoria crítica, porque o fazia sistematicamente”, conta a socióloga Joana Chaves Barbosa.

No livro O Homem Unidimensional: Ideologia da Sociedade Industrial (1964), Herbert Marcuse percebeu que a sociedade atual tinha a capacidade de absorver as classes subalternas e transformá-las em não-contestadoras. Ele via na tecnologia uma forma mais sofisticada de repressão. “Ela continuava existindo mesmo em sociedades democráticas, porque as técnicas de manipulação e controle permitiam um policiamento sobre as mentes das pessoas”, diz. Foram eles também, em especial Max Horkheimer (1895-1973), que criaram o famoso termo “indústria cultural”. Seu objetivo era mostrar que a cultura divulgada é massificadora: ela nivela a arte por baixo e obedece a critérios industriais. Muito parecido com a compreensão que o músico estadunidense Frank Zappa (1940-1993) – outro famoso símbolo da contracultura nos anos 70 – tinha sobre a coisa. Segundo ele, “arte é fazer algo do nada e vendê-lo”.

Leonardo Calvano é jornalista.
Texto da Revista Desvendando a História

Um comentário:

Anônimo disse...

consegui fazer meu trabalho valew :>