quarta-feira, 14 de janeiro de 2009
Nasce a classe trabalhadora brasileira
Essa palavra de ordem tornou-se histórica nas mobilizações por conquistas trabalhistas. Conheça esse movimento e suas repercusões no país
O movimento operário nasceu no Brasil entre o final do século XIX e início do século XX. Apesar de um relativo atraso no processo de industrialização do país, que ganhou impulso somente após 1850, com a extinção do tráfico negreiro e a liberação dos recursos financeiros para outras atividades econômicas, por volta de 1881 o Brasil já contava com cerca de 200 indústrias. Em 1889 eram 600 as indústrias no país, e no início do século XX mais de 300 mil pessoas estavam direta ou indiretamente envolvidas com a produção industrial no Brasil. A maioria dos trabalhadores industriais nessa época era composta de imigrantes europeus.
Os italianos, que formavam a maioria dos imigrantes, ao lado de espanhóis e alemães, por terem fugido do processo de concentração fundiária iniciado na Itália após sua unificação, já estavam acostumados com os conceitos de luta de classese sindicalismo. Na São Paulo de 1900, cerca de 90% dos operários eram imigrantes, sendo que apenas entre 1894 e 1903 entraram no Brasil mais de 1,5 milhão de imigrantes, chegando a superar a população de brasileiros na própria capital paulista e em diversas outras cidades.Apesar do Rio de Janeiro ser o principal centro industrial do país até a primeira década do século XX, já nas décadas de 1920 e 1930 São Paulo assumiu essa posição, em grande parte graças aos recursos obtidos com a cafeicultura, principal atividade econômica do Brasil na época.Após a Primeira Guerra Mundial, o processo de industrialização do país acelerou-se, sendo que, das cerca de 15 000 indústrias que existiam no país na década de 1920, aproximadamente 6 000 haviam sido instaladas durante a guerra para suprir nossa demanda por produtos industrializados, na chamada “substituição de importações”.
Em sua maioria eram indústrias do setor têxtil e alimentício.O ano de 1906 foi de fundamental importância para o movimento operário nacional, pois, apesar de já em 1892 o Brasil ter realizado seu primeiro Congresso Socialista, no Rio de Janeiro, com cerca de 400 pessoas, foi somente nesse ano que ocorreu o primeiro Congresso Operário Brasileiro, e fundada a COB (Confederação Operária Brasileira).Nessa época também começaram a surgir no Brasil as primeiras publicações do movimento operário, destacando- se O Proletário, O Anarquista, O Brado dos Pobres, La Bataglia, Revolução Social, A Voz do Trabalhador, A Plebe, O Progresso,entre outros, sendo que alguns eram publicados em italiano, espanhol ou alemão.
O secretário da Segurança Pública de São Paulo e futuro presidente da república durante a “oligarquia”, Washington Luís, afirmou, em 1910: “a questão social é um caso de polícia”, demonstrando a visão das elites e colocando todo trabalhador que lutasse por melhores condições de vida como um criminoso.
Entre 1900 e 1910 mais de cem movimentos grevistas ocorreram em todo o país, reivindicando, principalmente: jornada de trabalho de oito horas; regulamentação do trabalho de menores e mulheres; pagamentos dos salários em dia; salário mínimo; direito a férias; melhores condições de trabalho etc. Vale ressaltar que, no início da industrialização brasileira, não havia leis que regulamentassem o trabalho industrial. O próprio proprietário dos meios de produção, o patrão, era quem determinava as relações trabalhistas.No início do século XX, a única garantia de subsistência para os trabalhadores que sofressem acidentes, adoecessem, ou para as viúvas e os órfãos daqueles que morressem, eram os caixas beneficentes e as associações de auxílio criadas pelos próprios trabalhadores.
A princípio, o movimento mostrava a predominância da corrente anarcossindicalista sobre as demais correntes – trabalhismo e socialismo.Os anarquistas acreditavam que a eliminação da propriedade privada e do Estado seria necessária para libertar os trabalhadores da opressão capitalista, enquanto a corrente conhecida como anarcossindicalismo afirmava que os sindicatos e a greve geral eram o principal instrumento de luta dos trabalhadores contra a sociedade capitalista e o Estado.Foi com base nesse conceito que a primeira greve geral da História do Brasil foi realizada, entre junho e julho de 1917. Iniciada em duas fábricas têxteis, a greve obteve adesão de cerca de 50 mil pessoas. Durante três dias, o Comitê de Defesa Proletária, que liderava a greve, dominou São Paulo, reivindicando principalmente melhores salários. Apesar dos 20% de aumento concedidos pela classe patronal, o movimento não teve o sucesso esperado, uma vez que houve adesão maciça apenas dos operários da capital paulista, com isoladas contribuições de trabalhadores de outros estados, destacando-se o Rio de Janeiro. A repressão ao movimento mobilizou tropas do exército nacional e contou com o envio de dois navios da marinha de guerra para Santos, só sendo possível um acordo entre trabalhadores, industriais e o governo após a formação de um Comitê de Jornalistas, que, temerosos por um desfecho trágico, se organizaram para mediar as negociações. Segundo Boris Fausto: “Houve um aumento de salário, aliás corroído pela inflação, e vagas promessas de se atender às demais reivindicações”.
Entre 1900 e 1920, o anarcossindicalismo foi a principal corrente ideológica do movimento operário brasileiro. A partir de 1922, em função das recomendações da Internacional Socialista, agora comandada pela recém-criada URSS, e da fundação do PCB – logo colocado na ilegalidade pelo então presidente Arthur Bernardes – é que o movimento operário brasileiro viveu uma transição.
Ao migrar da corrente anarcossindicalista para a socialista, passou a defender a participação política da classe trabalhadora como meio de obter melhorias nas condições de trabalho e vida da classe operária. A principal diferença entre as duas correntes – anarcossindicalismo e socialismo – é que, apesar de também defender o fim do capitalismo, os socialistas eram
contrários à destruição do estado de uma hora para outra, alegando que, para chegar ao socialismo, era preciso que a classe trabalhadora utilizasse as instituições políticas existentes na sociedade capitalista. Ou seja, defendiam a criação de um Estado operário, como idealizara Karl Marx.Durante a chamada Era Vargas (1930 – 1945) e também durante o governo de Vargas dentro da chamada República Populista (1950- 1954), paralelo a um maciço desenvolvimento industrial nos setores de máquinas e equipamentos, transportee energia, o conceito de trabalhismo foi amplamente difundido. Não obstante a atuação dos chamados “pelegos”, que reproduziam o discurso oficial entre as classes trabalhadoras, esse foi o período de maior avanço nas conquistas trabalhistas. A partir de 1931, quando foi criado o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, sucederam-se leis que criaram, entre outras conquistas: o salário mínimo; o descanso semanal remunerado; férias remuneradas; jornada de 8 horas; regulamentação do trabalho de mulheres e de menores de 18 anos; proibição do trabalho de menores de 14 anos; previdência social (na época descentralizada); sindicatos controlados pelo Estado etc.Para Getúlio, a chamada “luta de classes” seria promotora do caos social e inimiga do progresso, defendendo por isso a criação do Estado corporativo, no qual governo, proprietários e operários promoveriam acordos e regulamentações possíveis e adequadas a todos os envolvidos.Posteriormente, em 1943, todas essas leis foram compiladas na CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas), regulamentação que até hoje serve para gerir os direitos do trabalhador com registro (carteira assinada). Foi também durante a Era Vargas, mais especificamente durante o Estado Novo (1937-1945), que foi instituído o Imposto Sindical, correspondente a um dia de trabalho de contribuição anual.Tais medidas e o apoio do movimento operário à sua candidatura em 1950, pela coligação PTB-PSD, não foram suficientes para evitar que Getúlio enfrentas-se grandes greves, como a de março de 1953 que, denominada Greve dos 300 mil, paralisou São Paulo.Após a Era Vargas poucas foram as conquistas trabalhistas, destacando-se a centralização pela União da Previdência Social, com a criação do INPS e também do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), ambos durante o governo Castelo Branco. Também a Constituição de 1988, durante o processo de redemocratização, deu sua contribuição às leis trabalhistas brasileiras ao estabelecer o direito a 1/3 de acréscimo salarial nas férias e consolidou também a liberdade sindical, dando direito de independência aos sindicatos em relação ao governo. Atualmente, desde o governo Fernando Henrique Cardoso e mesmo no governo Lula, o Brasil passou a discutir a possibilidade de uma reforma trabalhista nos moldes das que vêm sendo implantadas em todo o mundo ocidental após o colapso do comunismo e o fim do “Estado do bem-estar”. Os principais argumentos dos defensores dessas medidas, que incluem, entre outras coisas, a proposta de flexibilizar a CLT, dar ao patrão o direito de parcelar o 13º salário, redução dos impostos relativos às contratações, redução da jornada de trabalho etc., é dinamizar o processo de contratações, barateando o custo indireto do trabalhador, conseqüentemente combatendo o desemprego. Porém, os críticos desse modelo de reforma alegam que, nos termos propostos, tal reforma abandonaria as relações trabalhistas à livre negociação entre sindicatos e patrões, limitando o poder normativo da justiça do trabalho, enfraquecendo o Ministério do Trabalho e sujeitando o trabalhador tanto ao fortalecimento excessivo dos sindicatos quanto ao poder patronal, dado o alto desemprego no país e a já conhecida “Lei da Oferta e da Procura no Mercado de Trabalho”.
Conrado Ferranti Bichara é historiador, formado pela Universidade Estadual de São Paulo (UNESP)
Revista Desvendando a História
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