quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

EDUCAÇÃO COLONIAL - As medidas de pombal no Brasil


Cachaça, tributos e salário dosprofessores no Brasil colonial

Ainda que desde a Antiguidade Clássica a educação estivesse presente nos interesses de filósofos, como Platão ou Marco Túlio Cícero, ou então, vez por outra, nas ações dos governantes e de instituições religiosas, isso nunca significou uma regra a ser seguida. Apenas recentemente, em termos históricos, educar a sociedade tornou-se uma prática respeitada. O curioso é que a constatação sobre isso surgiu não propriamente de educadores, filósofos ou governantes, mas sim de um sujeito cujos interesses estavam voltados para a economia. Seu nome: Thomas Robert Malthus.

No livro intitulado Ensaios sobre a População, publicado em 1798,Malthus afirma que o maior problema dos governos era a pobreza vivida pela maioria da sociedade, resultado de um processo crônico enfrentado por todos os povos. Segundo o autor, as populações cresciam em progressão geométrica (2, 4, 8, 16, 32, 64...) ao longo do tempo. Já as condições materiais – como alimentação, moradia, saúde entre outros – multiplicavam-se aritmeticamente (2, 3, 4, 5, 6, 7, 8...).Assim, em todos os momentos da história humana, a pobreza e a miséria existiriam. A única saída, afirmava Malthus, era educar a sociedade – principalmente os mais pobres – para que as pessoas entendessem a origem de seus males e não culpassem os governantes.A idéia de Malthus não chegava a ser inédita.Esse raciocínio era muito usado, no século XVII, para evitar as revoltas populares que começavam a emergir na Europa e na América. Por exemplo, alguns governos, sob a influência do pensamento Iluminista, adotaram para si a responsabilidade da educação.

Dinheiro vindo da cachaçaUm dos países que instituíram a educação pública foi Portugal, e isso pouco tempo antes da publicação da obra malthusiana. A iniciativa, porém, não visava propriamente à erudição do povo.Quando o rei Dom José I assumiu o trono de Portugal, por volta de 1752, trouxe o Marquês de Pombal para compor seu Conselho de Estado.Pombal, bastante influenciado pelas propostas dos pensadores iluministas e incluído posteriormente no rol dos chamados déspotas esclarecidos – governantes ou assessores de governantes que, apesar de se apresentarem como seguidores do modelo Absolutista, adotavam certas práticas liberais defendidas pelo Iluminismo –, procurou, entre outras coisas, adotar medidas que minimizassem a influência da Igreja Católica nas orientações governamentais portuguesas.Uma dessas ações foi a expulsão da Companhia de Jesus do Brasil, na década de 1750.Os jesuítas, entretanto, eram responsáveis por mais de 80% dos poucos colégios no território brasileiro. Sua expulsão criou um enorme problema para a Metrópole, pois não se sabia quem iria assumir o espaço deixado pela Companhia de Jesus.

A solução foi encontrada nos anos de 1762 e 1763. O governo português ficaria responsável pela educação da população no território ultramarino, por meio da criação de escolas públicas.Se, por um lado, a iniciativa resolvia parte do problema, por outro fazia surgir um imbróglio: para educar, professores deveriam ser contratados, e isso implicaria pagamento de salários.Mas de onde sairia o dinheiro? Nesse período ainda não existia de forma completa a idéia de administração pública ou planejamento administrativo; esses temas foram desenvolvidos nos séculos XIX e XX.
A saída foi a criação de um novo tributo para sustentar essa atividade. Porém, mais uma encrenca tomava vulto: o que poderia ser tributado?
Os escravos já eram objeto de tributação; ouro, diamante, açúcar, charque, passagem dos rios também, além de tantos outros que a lembrança pudesse alcançar.

Sugeriu-se, então, tributar um artigo comum em todo o território brasileiro e que, portanto, geraria renda suficiente para pagar o salário dos professores: a aguardente de cana-de-açúcar, conhecida como cachaça.Conforme as leis vindas da Metrópole, para cada tonel de 30 litros de cachaça seriam cobrados mil e quinhentos réis (1$500) a título de “subsídio literário” – nome dado a esse novo tributo – e o dinheiro deveria ser revertido ao pagamento dos professores.A mesma ordem determinou as matérias a serem lecionadas nos cursos: gramática, retórica, álgebra, geometria e história natural; o salário de cada mestre deveria ser de sessenta e dois mil réis (62$000) e as escolas deveriam estar localizadas nas vilas ou aldeias que concentrassem maior número de habitantes.Por fim, a cobrança desse tributo ficaria a cargo do “contratador das entradas”. Esse profissional era responsável pela cobrança dos tributos referentes a todos os artigos secos e molhados (por exemplo, pólvora e gêneros alimentícios) que entravam numa capitania, sendo o dinheiro arrecadado e posteriormente repassado à Real Fazenda.

Algumas coisas podem ser pensadas a partir daí. A primeira delas foi a opção por esse produto.Ao escolher a cachaça como item a ser tributado, o governo português criou uma situação em que todos – ou quase todos – os habitantes do Brasil contribuiriam, de maneira forçada ou não, para a educação pública. Em outras palavras, constituía- se uma situação em que toda a população favorecia a coisa pública, isso porque o vinho era um artigo muito caro, mesmo para as elites coloniais, e a aguardente tomava seu lugar em larga escala.A segunda diz respeito aos salários dos professores. Sessenta e dois mil réis era o soldo pago a um alferes da tropa regular, e alferes era um posto similar ao do tenente – não podemos esquecer o mais famoso alferes da nossa história, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. Dessa maneira, se a comparação ainda fosse válida para os dias de hoje, um professor de ensino fundamental estaria ganhando em torno de R$ 2 mil, o que não seria mau negócio.Por fim, ainda que seja quase uma piada, surge uma curiosidade. Se o salário dos professores era pago por meio da tributação da cachaça, pode-se concluir que, quanto maior fosse o consumo desse produto, mais dinheiro existiria para a educação pública. Assim, pergunta-se: será que aumentou o número de bebedores no Brasil colonial por causa da boa educação do povo? Infelizmente, não nos épossível responder.De qualquer modo, o “subsídio literário”, assim como todos os outros impostos, foi cobrado no território até 1831, quando teve início a discussão que desaguou no Ato Adicional de 1834 – grande reforma político-administrativa do Período Regencial. A partir de então, o dinheiro usado na educação passou a sair do orçamento governamental.Retornando ao tema principal, pode-se perguntar se as matérias que foram escolhidas para as escolas da época eram as ideais; pode-se perguntar também, caso seja possível calcular, sobre o número de alunos que freqüentavam essas escolas no período e a população aproximada do Brasil dos setecentos; pode-se, enfim, discutir se a forma encontrada depois foi a ideal. Mas isso...isso...bom, isso já é uma outra história. Fica, portanto, para uma próxima vez.
Antonio Marcelo jackson F. da Silva é Bacharel em História Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ),Mestre e Doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ). Professor da Faculdade de Ciências Econômicas de Valença-RJ (FACEV/FAA).
Revista Desvendando a História

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