quinta-feira, 8 de julho de 2010

MUITOS AFRICANOS AINDA SONHAM COM A CIDADE COLONIAL

Jean-Pierre Elong-Mbassi
22/01/2010

Geógrafo e urbanista, nascido na República dos Camarões. Secretário Geral da CGLUA – Cités et Gouvernements Locaux Unis d'Afrique – e Consultor Especial da UVA – Union des Villes Africaines. Ex-Secretário Executivo da PDM – Partenariat pour le Développement Municipal –, agência africana de assistência técnica e institucional a governos locais, fundada pelo Banco Mundial e com sede em Cotonou, Benin. Ex-Secretário Geral da CAMVAL – Coordination des Associations de Villes et Autorités Locales –, sediada em Genebra.

Publicado originalmente em Le Monde, edição de 21 de setembro de 2009, sob o título "Trop d'africains ont comme ideal la ville coloniale". Acessível em www.lemonde.fr e reproduzido online em www.habitants.org/news/local_autorithies.

Tradução: Letícia Ligneul Cotrim

Revisão técnica: Mauro Almada

* * *

O processo de urbanização mais violento do mundo se desenrola, hoje, na África. Sob os efeitos do êxodo rural, e de uma taxa de natalidade muito elevada, suas cidades saltarão de 350 milhões de habitantes em 2005, para 1,2 bilhões em 2050: uma explosão urbana que se propaga sem planejamento, sem recursos e sem regras. Apenas na África Subsaariana, 165 milhões de cidadãos já vivem em favelas.

África: entre a vida tribal e a cidade informal.
Crédito: webcarta.net.

Alinhar ao centro
Como explicar que o desenvolvimento urbano na África se realize de modo tão anárquico ?

O fato é que ninguém sabe como gerir cidades que dobram sua população a cada dez anos. Sobretudo, quando tal desafio foi agravado por um pensamento antiurbano, segundo o qual as pessoas deveriam retornar a seu torrão natal, isto é, à vida rural [a leurs campagnes d'origine]. E esta corrente de pensamento foi encorajada, na África, pelo Banco Mundial – mas também pela França –, com duas consequências:

De um lado, não nos demos conta da dimensão [on n'a pas pris la mesure] desse crescimento das cidades, que os Estados nacionais tendem hoje a minorar, entre outras razões, para agradar seus financiadores [bailleurs de fonds] que insistem em dizer-lhes que os africanos não podem assumir e sustentar [assumer de] tais metrópoles.

Em seguida, impusemos limites [frontières] muito estritos às cidades, na esperança vã de impedir seu crescimento, ainda que daí resultassem [et donc créé de] ilegalidades e assentamentos informais. Ressalte-se que, na África, menos de um quinto da população urbana vive na cidade 'formal [officielle]' !

Kibera, em Nairobi, Quênia, é a maior favela da África, com cerca de um milhão de pessoas.
Crédito:
http://formaementis.wordpress.com.

Alinhar ao centro
Será que essas cidades dispõem de competências e recursos para administrar [gérer] seu próprio desenvolvimento ?

Nelas, as comunidades [collectivités] locais se constituiriam [se sont mises em place] nos anos 90, em plena crise econômica e política, num momento em que os Estados nacionais ainda não haviam cumprido as promessas de modernidade oriundas do processo de descolonização, senão em uma ou duas cidades apenas. Os políticos eleitos a nível local foram então desafiados a encontrar soluções, mas sem dispor dos meios para o fornecimento de [les moyens de mettre de] luz, água corrente, e estradas asfaltadas para todos.

Não existe descentralização efetiva no continente africano. Tanto os administradores eleitos quanto o pessoal local carecem de capacitação [formation]. E ainda há um problema de repartição dos recursos públicos, sobretudo os fiscais, já que os governos nacionais capturam a maior parte dessas verbas. Na Europa, 40% da despesa pública são controlados pelas municipalidades [collectivités]; na África, apenas 5%. E isto estimula as relações clientelistas com os Chefes de Estado.

Alguns observadores temem [craignent] que a descentralização multiplique a corrupção...

Ao contrário, a experiência prova que o controle da corrupção é bem mais fácil no nível local do que no plano nacional. A descentralização, sobretudo, permite aos cidadãos ter opiniões próprias [leur mot à dire] sobre os assuntos locais, o que lhes motiva, inclusive, a pagar os impostos. Afinal, por que razão os africanos pagariam hoje esses tributos, se quando uma escola é construída lhes informam tratar-se de um 'presente' [cadeau] do Presidente...

Favela em Angola.
Crédito: macharla in
http://picasaweb.google.com.

E por que as cidades africanas não conseguem captar seus próprios recursos ?

O principal desafio, para elas, é conseguir criar um mercado fundiário, produtor de mais-valia, de onde se possa extrair renda fundiária, a única capaz de [seuls à même] financiar o desenvolvimento urbano. Apenas 5% do território das cidades são medianamente bem servidos de infraestrutura urbana. E para melhorar tais serviços e acompanhar o ritmo do crescimento urbano, seria necessário investir 10.000 francos CFA¹/ano por habitante, não mais que míseros € 15. O problema é que estes 15 euros não existem.

O único país do continente onde as cidades se autofinanciam é o Marrocos. Em todas as demais nações, as municipalidades não possuem qualquer autoridade sobre o uso do solo nem dele auferem qualquer rendimento. Ou o Estado nacional mantém todo o controle ou, como ocorre com frequência, são os próprios governantes que detêm o poder [ont la maîtrise] sobre as terras, impedindo a criação de um mercado fundiário e precipitando a formação de assentamentos informais.

Agadir, no Marrocos.
Crédito:
http://www.morocco-trekking.com/morocco.htm.

Será que ainda poderemos ver emergir um modelo de cidade africana que não seja um assentamento informal [bidonville] ?

A grande questão é saber que tipo de cidade desejam [veulent] os africanos, conscientizando-se previamente que são eles mesmos que deverão custeá-la. E com que qualidade de serviços urbanos, em que prazos, e com que formas de financiamento ? Geralmente, só começamos a pensar de maneira realista quando nos damos conta que somos nós mesmos que devemos pagar a conta. Infelizmente, na África, este importante debate democrático nunca encontrou espaço e os cidadãos ainda não estão preparados para as verdades deste discurso. É mais fácil, para os políticos, prometer a todos um pedaço de Paris. Por isso, muitos africanos ainda têm como ideal a cidade colonial, a cidade herdada.

Favela em Cotonou, Benin.
Crédito:
http://fellowsblog.kiva.org.

NOTAS ADICIONAIS SOBRE O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO NA ÁFRICA
1. Crescimento: Em 2050, metade dos africanos viverá em cidades, contra 38% hoje. Uma única cidade africana, o Cairo, ultrapassou os 10 milhões de habitantes em 2007. Em 2025, Kinshasa e Lagos se reunirão ao clube das megalópoles com, respectivamente, 17 e 16 milhões de habitantes.

2. Favelas: 62% dos cidadãos da África Subsaariana vivem em favelas, contra 15% na África do Norte e 36%, em média, nos países em desenvolvimento. A população urbana que vive em barracos [taudis], na Etiópia e no Chade, ultrapassa os 99%. A favela de Kibera, em Nairobi, abriga 1 milhão de habitantes.

3. Clima: As cidades africanas estão entre as mais expostas ao aquecimento global. Em Alexandria, uma elevação de 50 cm no nível do mar desalojará mais de 2 milhões de pessoas. Em Lagos, 10 milhões de habitantes vivem a menos de 2 m acima do nível do mar; e em Abdijan, os centros de atividade econômica estão menos de 1 m acima d'água.

Revista Vivercidades

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