Clara Mafra
Clara Mafra é professora de antropologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. É autora de Na Posse da Palavra (Lisboa, Editora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, 2002) e Os Evangélicos (Rio de Janeiro, Editora Jorge Zahar, 2001) (E-mail: claramafra@uol.com.br).
Em 19 de março de 2004, um conhecido articulista do jornal de maior circulação em Rondônia, O Estadão, chamou atenção para o decreto do prefeito de Guajará-Mirim (RO), Cláudio Pilon, que estipulava no Artigo 62, § 1º: "Como ato profético, fica declarado Jesus Cristo como único Senhor e Salvador da cidade". O prefeito justificou seu ato: 1) na continuidade histórica do cristianismo na cidade; e 2) na suposta similaridade de seu decreto com o de prefeitos anteriores, ao instituir dias santos e feriados.
Como reação imediata, o articulista que assina com o codinome de Índio Tabajara da Tribo Cariri ridicularizou o decreto, descrevendo-o como "uma pérola" que "deve ficar guardada em um museu de imagem, som e grafia" ou na "caixa Forte da Casa da Moeda". O articulista julgou que o autor deveria estar "em parafuso", "lelé da cuca" ou, ainda, sofrer de "uma esquizofrenia incurável". A exposição jocosa do político não parou por aí: no dia seguinte, o jornalista apontou o aspecto inconstitucional do decreto, uma vez que este fere o direito da livre expressão religiosa e da separação entre Estado e religião. No terceiro dia, o jornalista previu os transtornos do decreto na atualização do sistema democrático local: além de este estabelecer que Jesus é o único senhor e salvador da cidade, auto-intitula-se, segundo o parágrafo VII, "ato profético irrevogável e eterno". Neste sentido, argumenta o Índio Cariri, não há como os outros cinco presumíveis candidatos à prefeitura pleitear o direito de salvar a cidade do "caos econômico, financeiro, administrativo, moral, educacional, da saúde, do transporte, da segurança". "Ninguém disputaria o posto com o Filho de Deus", completa o articulista (O Estadão, coluna Ponto Final, 19, 20 e 21/3/2004).
Nestes vários revides do jornalista da capital ao prefeito do interior, o primeiro procura desqualificar o segundo: porque o prefeito cometeu um ato desregrado, porque ele próprio é uma pessoa que age "fora da razão", e ainda porque o seu ato não está adequado às regras da democracia moderna. Nestas várias abordagens, o jornalista supõe o estabelecimento de uma cumplicidade entre ele e o leitor através do acionamento de uma distinção entre o lugar de onde o jornalista fala – a sociedade educada de Rondônia, que sabe quais são os princípios que ordenam o mundo e os constrangimentos que devem guiar as ações, distinguindo o racional do irracional e descartável. Outro é o lugar do prefeito Cláudio Pilon, que é o do mundo da fabulação, da fantasia. Com esta chave de leitura, o leitor dO Estadão pode chegar à conclusão que há uma diferença qualitativa entre os excessos jocosos e humorísticos do articulista, que exerce tais liberdades estilísticas sem ferir uma certa "percepção de realidade", e o ato do prefeito, que teria sido guiado pela "cegueira da crença", ou seja, por uma opinião de íntima convicção, mas cujo assentimento é objetivamente insuficiente1.
Na última década, vários pesquisadores se perguntam, com certa insistência, sobre o impacto da crescente presença pentecostal na política e no gerenciamento da coisa pública no Brasil. Em trabalho clássico de Paul Freston (1993), aposta-se em uma linha de continuidade entre noção de "missão" para o interior da denominação e o projeto político mais amplo. Assim, onde o projeto missionário se afirma no papel renovador e purificador do mundo secular através da instituição, como no caso da Igreja Universal do Reino de Deus, a atuação política estará pautada na afirmação institucional. Em muitas outras denominações, são os líderes que encarnam o projeto de renovação do "mundo", apresentando-se como personas morais. Estas denominações articulam a noção de missão à idéia de carisma, neste sentido, educam líderes que irão representar a "visão de mundo crente" aos de fora, inserindo-os e disputando espaço na carreira política secular2.
Machado (2003:302), ao acompanhar a atuação de políticos evangélicos na Câmara Municipal e na Assembléia Legislativa 2001-04, conclui que "mais que reforçar a forma tradicional de clientelismo brasileiro, a relação diádica entre patrão-cliente, a crescente presença dos evangélicos na política local tem promovido uma combinação de diversas expressões de clientelismo".
Oro (2003), recentemente, ao analisar a atuação da Igreja Universal do Reino de Deus na política brasileira, propõe uma renovação ampliada do campo da política, mas não necessariamente porque esta igreja acrescenta questões de cunho religioso na política, mas mais exatamente porque ela se apropria de instrumentos sociais como a mídia, para recriar, agilizar e facilitar a comunicação entre clero e multidões, população e elite. Neste sentido, Oro reitera a intensificação da formação de um tipo de República em função das alternativas sociais implementadas por uma instituição religiosa. Birman (2003) desenvolve um argumento semelhante observando o impacto da Igreja Universal na formação do espaço público tendo em vista a relação mídia, política e sociedade.
Diante deste esboço do debate sobre a inter-relação entre religião e política na academia brasileira, vale a pena perguntar se os encaminhamentos analíticos disponíveis não pressupõem uma correlação estreita demais entre os modelos republicano, democrata, neoliberal ou clientelista de fazer política e as tendências sociais minoritárias presentes nos movimentos religiosos. Recorrentemente, as análises partem de dois ou mais termos dissonantes, mas que se encaminham para alguma conjugação entre religião e política, desembocando, por fim, em uma ressonância ampliada. Será que neste exercício analítico não estamos silenciando sobre experimentos sociais mais instáveis, improvisados e dissonantes, e que são, nesta mesma medida, mais efetivos no cotidiano da população? Ou melhor, será que o silêncio dos pesquisadores da religião sobre experimentos sociais como os de Guajará-Mirim não ratifica a suposição do jornalista Índio Tabajara de que aquele experimento político nada mais é que a atualização de "mera crença"?
Neste artigo, pretendo investir no conhecimento das condições de produção desse imaginário ou imaginação mais polimorfa, sob o custo de, estrategicamente, silenciar sobre as questões mais clássicas da sociologia política. Em outras palavras, assumindo a incompletude de minha análise – pois não discutirei o "fazer político" de Cláudio Pilon no sentido estrito, a relação com seu eleitorado, com seus colegas e com seus opositores políticos, as suas estratégias de ratificação do seu lugar na elite política local –, deter-me-ei sobre o imaginário que mobiliza o prefeito e que se expressa no decreto. Suponho, portanto, que existe uma provável complementariedade entre a minha abordagem e as anteriores, já sistematizadas nos modelos analíticos republicano, democrático, neoliberal e clientelista. Falta, entretanto, ainda para uma possível solução complementar, um investimento mais sistemático no reconhecimento do valor simbólico e sociológico de eventos políticos que tenham esta aparência de "mera crença".
Neste artigo, adotarei o conceito de "imaginação" e "fronteira imaginativa" (Harris, 2004) para propor uma revisão e ampliação da discussão entre choques de visão de mundo moderna/racionalista ou intelectualista versus visão de mundo pré-moderna/encantada ou mítica. Na modernidade, haveria uma transformação cognitiva na visão de mundo: o encantado e fantástico seriam considerados ilusões e tenderiam a desaparecer na medida em que haveria uma subordinação das cosmologias às percepções mais pragmáticas e funcionais do mundo da vida.
Entre nós, esta dicotomia tem sido atualizada no compartilhamento de um certo mal-estar diante dos pentecostais, tema que já vem sendo discutido por alguns autores (cf. Mariz, 1995; 1999). Freston, por exemplo, faz citações de passagens na mídia nas quais os pentecostais são acusados de "incautos" e "incultos". Mafra (2001; 2002) e Giumbelli (2002) sublinham o preconceito que a Igreja Universal inspira na academia e na mídia. Embora esse mal-estar seja similar àquele que qualquer visão de mundo encantada gera no contraste com uma perspectiva racionalista, há distinções quanto ao referente religioso: algo que bem podemos perceber quando comparamos o mal-estar pentecostal com o provocado pelas religiões afro-brasileiras. Provavelmente, isto tem a ver com características sociológicas dos dois movimentos religiosos: enquanto os evangélicos disputam por visibilidade no mundo público, as religiosidades afro-brasileiras tendem a se afirmar como sociedade secreta e a postular um relacionamento cordial com os poderes já estabelecidos. É certo que os evangélicos não ameaçam o projeto de formação de um Estado secular estrito senso – não se busca a afirmação de um Estado religioso – mas, ao contrário da tradição religiosa cordial, pleiteiam lugares de direção, autoridade e poder no espaço público (Birman e Leite, 2004).
Central no desenvolvimento desta análise, que não pretende se refugiar nas dicotomias, é a noção de imaginação proposta por Ingold (2000) que, como se vê na seqüência, é bem distinta da proposta por Gaston Bachelard (2000; 2001). Isto porque a imaginação, segundo Ingold, não está lá, pronta, feito um esquema formal, para ser usada quando solicitada, mas só existe na medida em que é exercida:
a) em consonância com as atividades que as pessoas usualmente realizam, com o modo como elas se situam no mundo e se relacionam com o mundo e as outras pessoas, ou seja, suas habilidades. Neste sentido, a imaginação sustenta um certo grau de intencionalidade tanto quanto uma certa qualidade de atenção "encorporada" (embodiment) da pessoa;
b) o exercício da imaginação não supõe uma projeção sobre a realidade de uma forma anteriormente projetada, mas sim que a forma se revela (seja no plano, na estratégia, na representação) e ganha termo à medida que a atividade da imaginação se desenvolve. Neste sentido, não operarei com o pressuposto segundo o qual uma forma é controlada e testada pelo pensamento para depois se atualizar na ação, nem com a oposição entre pensamento e ação, mas partirei do princípio da reversibilidade da forma e do conteúdo (do pensamento e da ação) no processo de desenvolvimento da atividade;
c) a principal decorrência desta imbricação entre habilidade e imaginário é que a vida social – levando em conta que os vários atores utilizam, cada um a seu modo, os recursos de entorno para se situar e inter-relacionar –, dificilmente se desenvolverá como a atualização de uma "visão de mundo harmoniosa e sintonizada". Contudo, também não postulo o oposto: que os atores carregam mundos de representação distintos, sendo incapazes de reconhecer as "ideologias" e "crenças" uns dos outros. Convivência em um mundo compartilhado, neste sentido, significa, isto sim, um exercício de mútuo aprendizado de habilidades, crenças, visões de mundo, que tendem a se refinar conjuntamente, porém, sempre permanecendo um pouco deslocadas e dissonantes umas em relação às outras.
Um dos efeitos mais evidentes da aplicação desta noção de imaginário para a análise do caso Pilon é a perspectiva que toda vida política, desde a mais usual – seja ela orientada por uma atuação já conhecida republicana, democrática, populista ou clientelista, quanto o ato político de Pilon, ao instituir o seu decreto –, depende, em certo grau, de um exercício de imaginação. Sem a imaginação, nenhum homem ou mulher públicos conseguiria se afirmar no seu "novo lugar", uma vez que ele/a, no aprendizado da atuação política, é obrigado/a a improvisar um caminho para além do já conhecido. Este imaginário, contudo, vai além do convencional e instituído, não para estabelecer equivalência com o descontrolado e inefável, pois está no seu fundamento uma suposição de duplo agenciamento, do imaginário e da experiência "encorporada"3.
O aprofundamento do caso de Guajará-Mirim, especialmente porque se desenvolve em uma região de recente adensamento populacional, portanto, refere-se a um contexto no qual as habilidades se desenvolvem mais diretamente relacionadas com "elementos da natureza", ou seja, as habilidades não estão tão criticamente submetidas às transformações e evoluções tecnológicas, como nos universos mais industrializados e urbanizados. Com isto, ganhamos a possibilidade de uma apreciação mais detida da relação entre "encorporação" das habilidades, transformação sociopolítica do contexto e exercício da imaginação.
Na segunda parte do artigo, retomo o caso Pilon procurando estabelecer as possíveis correspondências entre o desenvolvimento das habilidades do seu grupo de pertencimento, a interface que cria com demais grupos sociais (inclusive o Estado), e o decreto. Haverá um ganho analítico se conseguirmos reler o decreto tendo em vista o leque de atividades constituintes do mundo em que Pilon se socializou, ou seja, encontrando certa organicidade entre pensamento (imaginação) e percepção de mundo4.
PAISAGEM REGIONAL
Há toda uma literatura sobre a Região Amazônica brasileira definindo-a como "área de fronteira", debatendo os termos da definição ou questionando a própria definição (cf. Velho, 1979). Uma definição provisória diria que fronteira é: a) uma área geográfica esparsamente habitada; b) uma área dotada de instituições sociais relativamente fracas e fragmentadas; c) uma área com estruturas sociais e populações imperfeitamente integradas.
Neste artigo, ainda que Rondônia, de um modo geral, e Guajará-Mirim, de um modo particular, corroborem várias destas características, inclusive, o paradoxo de amplo crescimento econômico nas décadas de 1980 e 1990, junto com o aumento da violência (Haller et alii, 2000), quero ir além deste limite temático. Parece-me que existem inúmeras similaridades entre a caracterização de área de fronteira e certas condições de vida na periferia das grandes cidades no Sudeste: são áreas socialmente vulneráveis, com equipamento urbano precário, receptoras de migrantes, com alta incidência de violência com uso de arma, com baixa presença do Estado e alta presença de evangélicos pentecostais. Mais adiante, voltarei ao ponto.
Como primeira aproximação de Rondônia, é bom lembrar que a região foi foco de projetos arriscados e aventureiros com um apelo desenvolvimentista desde fins do séculos XIX, já na "saga da construção da ferrovia Madeira-Marmoré", ou na expansão do Telégrafo por Rondon, nos meados dos anos 1940 (Oliveira, 2000; Padovan, 2004). Mas foi com a construção da BR 364, nas décadas de 1970 e 1980, que a paisagem do lugar mudou definitivamente. Se formos atrás dos números para calcular o impacto deste processo, devemos registrar que entre 1945 e 1977 Rondônia contava com apenas dois municípios: Porto Velho e Guajará-Mirim. Nos anos 1990, os municípios multiplicaram-se, alcançando o número de 52. Cresceu também a população residente, que em 1960 era de cerca de 70 mil, nos anos 1970, subiu para 110 mil e nos anos 1980 atingiu a faixa dos 500 mil. Na década seguinte, este número duplicou, ultrapassando o milhão de habitantes. Segundo o Censo 2000, o Estado conta atualmente com 1.296.856 habitantes.
Os números também podem crescer para indicar decréscimo: este é o caso da área ocupada pela floresta tropical. Em 1978, a área desmatada era de cerca de 420 mil hectares, ou seja, 1,76% do território. Em 1988, foram registrados 3 milhões de hectares desmatados, cerca de 12,57%, e, em 1999, esta área atingiu os 5.683.675 hectares, ou seja, 23,82% da área do Estado.
Estes dois conjuntos de números se encontram ao longo da BR 364, pois é nesta faixa que atravessa o Estado, ligando o Mato Grosso até Porto Velho e dali a Guajará-Mirim e à Bolívia, onde foi fundada boa parte das novas cidades e onde o desmatamento se ratificou. O verde que vemos ao longo da BR é das extensas fazendas pecuaristas, entremeadas do verde e cinza dos desmatamentos recentes. O mar verde da Floresta Amazônica com que sonhamos quando nos deslocamos para a Amazônia Legal está distante, boa parte das vezes localiza-se nos 20% do território que é área indígena legalizada.
O caso é que a topografia de transformação indicada pelos números é vaga, se nos voltarmos para o campo das relações sociais concretas. No dia-a-dia, estas muitas transformações significam e estão diferentemente marcadas, conforme se é seringueiro, índio, garimpeiro, madeireiro, agricultor, dona-de-casa, peão de fazenda, carpinteiro, profissional liberal, comerciante, prostituta, engenheiro, médico, representante do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra ou da Fundação Nacional do Índio – Funai; se se é de uma organização não-governamental – ONG representante dos sem-terra, dos índios surí ou cinta larga, ou de uma agência ecológica alemã; conforme se chegue como aventureiro solitário ou com a família no pau-de-arara; segundo se imigre do Paraná, São Paulo, Bahia ou do Ceará; se o indivíduo vem junto com a pastoral católica, com os pomeranos luteranos, ou se foi convertido por alguma igreja pentecostal em uma cruzada de estrada. São muitas as formas de se engajar nesta história. Esboçarei, na seqüência, alguns modos de pertencimento a partir de pares de interlocutores: os índios e trabalhadores manuais; os madeireiros e os garimpeiros; os médicos e os profissionais liberais.
As descrições que seguem estão fundamentadas em dois conjuntos de entrevista (fitas e vídeo) realizadas em duas estadias em Rondônia: em janeiro e fevereiro de 2002, e em fevereiro de 20045. A sede dos trabalhos foi em Cacoal, onde se desenvolveu boa parte da observação participante e das entrevistas com 18 famílias de migrantes de baixa renda, um líder do Movimento dos Sem-Terra – MST, dois líderes de ONGs, três médicos, uma prefeita, dois madeireiros, dois empresários da agroindústria, uma professora universitária, um líder pentecostal de projeção nacional. Algumas destas pessoas são residentes de Guajará-Mirim e de Porto Velho. O contato com os índios foi esparso, com apenas uma visita a um acampamento na proximidade de Cacoal e a uma aldeia suruí. Algumas pessoas foram entrevistadas nos dois períodos, outras, não.
1. Índios e trabalhadores manuais
Certamente, os índios guardam as marcas mais profundas da transformação da paisagem de Rondônia. Em muitas nações, a população diminuiu de forma gritante nas últimas décadas (atualmente, temos notícia de algumas tribos que apresentam um crescimento demográfico, em um contra-efeito da alta taxa de mortalidade das décadas anteriores). Freqüentemente, esses povos tiveram suas terras invadidas, saqueadas e expropriadas. Para assimilar a catástrofe, muitas tribos têm hoje nos mitos um grande divisor: o antes e o depois da chegada do homem branco. Não se trata do apocalipse cristão, mas está perto dele, se estivermos atentos aos sinais de destruição e horror.
Na memória dos trabalhadores migrantes, daqueles que chegaram em pau-de-arara, sem recurso nenhum no bolso, os índios são referência marcante. Na memória agonística daqueles "primeiros anos", os índios impuseram respeito, pois agiam como "nação" – quando ludibriados, desrespeitados, ameaçados, sua resposta era coletiva e guerreira. Já os brancos, são muitos os testemunhos neste sentido, eram todos dispersos, divididos entre si, prontos para tirar vantagem um do outro, sempre com olho grande nos pertences do vizinho. Vizinho morto por índio, por febre, perdido em garimpo, podia bem facilitar o acréscimo de alguns hectares na fazenda ao lado, apenas com a mudança sorrateira da cerca de fronteira.
Na memória de muitos migrantes – destes que chegaram em pau-de-arara, que vieram na aventura e na coragem de um mundo urbano onde trabalhavam como peões de obra, serralheiros, carpinteiros, faz-tudo, para se arriscar no meio rural, trazendo mulher e filhos na cangalha –, os anos 1970 são os anos de "criação de mundo". A referência religiosa faz sentido, pois, como veremos adiante, boa parte destes trabalhadores manuais, que continuam ocupando os estratos mais baixos da sociedade rondonense, passam a ter uma clara adesão religiosa 30 anos depois: boa parte deles se converte ao pentecostalismo. Rondônia é hoje o estado brasileiro mais evangélico do país, com 24% da população6.
O colono que ganhasse seu pedaço de terra nos Projetos de Integração e Colonização (PICs) nos anos 1970, contaram os entrevistados, tinha que "lutar para não viver sem roupa no meio do mato", "feito índio", pois era para o meio do mato, literalmente, que muitos deles eram mandados, com sua esposa e muitos filhos7. Muitos relatos de memória daqueles tempos são amargos. Por pouco, os trabalhares brancos, ex-operários, ex-faxineiros, ex-ambulantes, ex-peões, continuavam "decentes" e não viravam "bicho" na empreitada. As doenças tropicais sempre estavam por perto, e sua habilidade para tirar a "cura" do mato era nenhuma. O contraste com os índios era grande: estes se moviam no entorno como se o mato e o descampando fosse a casa deles, tiravam da floresta a cura, sabiam encontrar naquela imensidão verde as árvores com a floração em curso, adivinhavam os passos dos animais em sua caçada. No contraste da habilidade indígena, os colonos sabiam lidar com as grandes cidades, fazer um serviço aqui, outro ali. A mata apresentava-se ao migrante trabalhador como um "imenso obstáculo".
Esta perspectiva da floresta como obstáculo, não decorreu apenas da inabilidade e do desconhecimento sobre como lidar com ela. Muitos dos grandes projetos desenvolvimentistas incentivaram a perspectiva. "A posse da terra", repetiram os representantes dos órgãos do governo durante anos, "só estaria garantida mediante a derrubada do mato". Daí a crença vigente ainda hoje que "mato bom é o mato no chão": só assim a riqueza entrava no do bolso do trabalhador, seja com a venda da madeira que cai, seja com a lavoura que cresce, muitas vezes abundante apenas na primeira ou segunda florada.
Alguns índios, como os suruí com quem conversei, não escondem o desprezo pelos "brancos". A seus olhos, os "brancos" têm os sentidos invertidos, se comportam como animais diante de normas básicas da vida na floresta. Contudo, o que é ato desprezível para uns é fonte de divertimento para outros. A história que segue, narrada por Lourdes Kemper, historiadora local autodidata, e registrada no meu diário de campo, ilustra o ponto.
"Lá nos idos dos anos 70, apareceu no coração de um destes povoamentos ao longo da BR 364, que depois se transformou em cidade, dois rapazes carregando uma tipóia. Pararam, descansaram no chão o que quer que estivesse na rede, e perguntaram aos outros que se encontravam no bar, se alguém queria comprar uma onça. Um dos rapazes tinha perdido seu cachorro, morto pela onça, e agora, morta a onça, queria vendê-la para comprar um outro cachorro.
Naquele tempo, cachorro era de grande valia para o colono, explicou Lourdes, pois o animal anunciava o perigo quando se estava perdido na mata ou na lida na roça. Além disso, muitos colonos não sabiam caçar sem cachorro, no que se chama caçada a curso, habilidade muito comum entre os índios e os seringueiros. Segundo a Encliclopédia da Floresta, a caçada a curso envolve uma busca, geralmente solitária, cujo sucesso depende muito da capacidade do caçador identificar pegadas, fezes e outros vestígios que os animais possam deixar pelo caminho e de conhecer os sons que emitem e seus horários de alimentação (Cunha e Almeida, 2002:318).
No bar, ninguém se interessou. Mais tarde, parada obrigatória de todo comerciante do lugar, apareceu no boteco o único fotógrafo da região. José Cardoso, olhando o animal, teve a brilhante idéia de ganhar alguns trocados fotografando os clientes ao seu lado. A onça morta se tornou, assim, o bibelô dos migrantes. Os clientes chegaram às pencas, ansiosos em se disporem em rodas no entorno do animal, ou então, posando como aventureiros e caçadores bem-sucedidos. Essas fotos, como outras ao lado dos índios, eram enviadas aos parentes que ficaram nas cidades de origem, nos outros Estados, como recordação das aventuras bem-sucedidas em Rondônia.
Lourdes conta que a onça morta foi objeto, durante três dias, dos flashes do fotógrafo. O comércio imagético em torno do animal morto só findou quando a putrefação avançou e o fedor se tornou insuportável".
Para os "povos da floresta", entenda-se índios e seringueiros, toda esta história da "onça de Cacoal" é um acinte. Na sua perspectiva, aquele povo brincou com algo que é sagrado. O princípio do caçador é respeitar a caça, tratando-a com uma etiqueta rigorosa: não se pode insultá-la, sob pena de "enrascar" o caçador. O caçador "enrascado" é aquele que repetidamente sai para a mata e não vê a caça, ou que é visto antes por ela, do que ela por ele, ou que erra o tiro. O caçador "enrascado" não tira caça da mata.
Língua diferente, habilidades diferentes, caminhos habituais diferentes, interesses diferentes, códigos de etiqueta diferentes. Outros mundos sagrados, outros horizontes de esperança, outras formas de projetar o mundo imaginado no mundo vivido. A mesma onça que fortalece a relação com parentes distantes ao referendar a idéia de lugar exótico de Rondônia é vida que entra no ciclo de troca entre floresta, índios e sua tribo. Uma "fronteira de imaginação" (Harris, 2004) coloca-se entre brancos e índios, não porque se manipule maquiavélica e intencionalmente planos e estratégias diferentes, mas porque o ato imaginado estabelece continuidade com o mundo percebido.
Descrevo aqui uma primeira "fronteira imaginativa" entre índios e brancos trabalhadores migrantes de baixa renda. Entre uns e outros, às vezes as fronteiras se mesclam, às vezes se intensificam; muitas vezes as habilidades de uns influenciam e são intercambiadas com as de outros; não é estranho que o medo de um se torne o horror de outro, ou que a esperança de um confirme a miséria de outro. No entanto, havendo bons ou maus encontros, índios e brancos continuam a se avistar quase cotidianamente pelas ruas e estradas no Estado de Rondônia. Estarão compartilhando um mesmo conjunto de referenciais, um agregado cultural suficientemente denso, capaz de gerar uma mesma imagem de espaço público?
2. Garimpeiros e Madeireiros
Neste primeiro contraste, entre índios e trabalhadores manuais de baixa renda, procurei evidenciar como naqueles primeiros anos de apropriação e reconhecimento do lugar a relação com as condições ecológicas locais promoveu uma série de nódulos de tensão e de compartilhamento entre pessoas de grupos étnicos distintos. Não foi coberta, por esta descrição, toda uma outra gama de relações sociais e ecológicas que dependem, mais intensamente, de uma interlocução mais central e direta com atores externos, federais e internacionais. Quando nos voltamos para um outro grupo ocupacional estreitamente ligado à história e folclore de Rondônia, o dos garimpeiros e dos madeireiros, este plano de relações não pode ser ignorado.
Estes trabalhadores, "brancos" ou "acaboclados", se orgulham de ter certa intimidade com a floresta, os rios, os hábitos dos animais, os costumes dos índios. Eles se distinguem dos migrantes que citei anteriormente, pois, tendo vindo em levas anteriores, já incorporaram um conhecimento da paisagem humana e ecológica do lugar. Boa parte de seu poder e prestígio é gerado exatamente por este vínculo com a "região": são reconhecidos como pessoas experientes, que sabem entrar, circular, examinar, conhecer, nomear, explorar "as riquezas do lugar". Cultivam usualmente um catolicismo de estrato popular, mantendo as festas e as relações de compadrio herdadas de outras gerações. Muitas vezes reconhecidos pelo olhar distante como "simples aventureiros" que se movimentam no território em busca "da riqueza fácil", eles são isto e muito mais. Podemos afirmar que eles são o símbolo da "fronteira em movimento" (Velho, 1979).
Foi um velho garimpeiro quem deu uma imagem viva do modus vivendi de seu grupo ocupacional: para ele, garimpeiro é como formiga, onde tem "açúcar", diga-se, riqueza mineral, eles localizam e se amontoam. Não adianta botar lei, montanha, polícia ou terra indígena como obstáculo. Os garimpeiros atravessam rios e pontes, florestas inexploradas e "tribos perigosas", tudo em busca do minério de aluvião ou da mina inexplorada.
Cultivando esta auto-imagem, não é estranho que os garimpeiros contem a história da região a partir de uma sucessão de explorações das riquezas: em 1960, descobriu-se cassiterita de altíssimo teor no centro-oeste do estado. Isto atraiu uma leva de nordestinos, uma mão-de-obra numerosa, trabalhando clandestinamente. Grupos mafiosos exploraram os garimpeiros de forma desumana, o que chamou a atenção das autoridades federais. Em 1962, esta exploração garantiu quase 50% da produção nacional de estanho. Com a diminuição das reservas de cassiterita e regulamentações federais que inibiam a exploração improvisada, no final dos anos 1970, os garimpeiros correram para outro lado, a exploração do ouro, que se descobriu ser, na região, abundante e formado na base do aluvião (especialmente no rio Madeira). Uma extração que dependia da exploração mecanizada, em dragas, fez com que boa parte do trabalho de garimpo ocorresse com base na contratação de garimpeiros, que eram subempregados por patrões com maior poder aquisitivo. Mais recentemente, no século XXI, a corrida se deslocou para o garimpo de diamante, em uma mina com grande potencial, segundo os técnicos e engenheiros, ainda que localizada na Reserva Roosevelt, dos índios cinta larga, em Espigão do Oeste, portanto, território de exploração do subsolo proibida. Tal como em situações similares no passado recente, a entrada dos garimpeiros nesta exploração envolveu acordos escusos, grupos mafiosos e uma chacina8.
Dificilmente, como usualmente acontece com os dramas vividos pelos migrantes mais humildes aqui descritos, os ciclos de riqueza e pobreza dos garimpeiros e madeireiros passa despercebido diante dos poderes nacionais e internacionais. Lidando com recursos naturais em uma lógica que não é de comedimento, madeireiros e garimpeiros atraem para si a atenção de "outros cidadãos do mundo". Uma opinião pública cosmopolita tende a reconhecer nas atividades destes "aventureiros" "risco" para o conjunto da humanidade. Entre os garimpeiros e os madeireiros, a palavra "risco" ganha outro significado: refere-se ao lado glamouroso de seu fazer, à incerteza que move o homem em uma direção ou outra, sem saber o destino certo, a um apelo que chama para o desconhecido, em um movimento heróico que é semelhante à vida. Isto não quer dizer que garimpeiros e madeireiros descrevam o seu fazer como "aventura", como freqüentemente faz o citadino distante. Trata-se antes de uma "habilidade", de um mundo em que cresceram e se fizeram gente, e que não os abandona mais.
O relato de um madeireiro de Cacoal é ilustrativo deste ethos ocupacional: neto de madeireiros, ele entrou na lida da madeira aos 10 anos. Não aprendeu a ler nem a escrever. Veio para Rondônia com outros três irmãos quando a exploração de madeira se tornou inviável no Paraná. Deixou lá o pai e a família ampliada. Em Cacoal, montou com os irmãos uma madeireira. Exploraram juntos o negócio até o começo dos anos 1990. A partir de então, como a legislação só "apertava", se desentenderam. No início, o abate proibido era apenas da castanheira, depois incluiu o mogno e a cerejeira. Mais tarde a legislação passou a seguir planos mais gerais, segundo o zoneamento socioeconômico-ecológico, que estabelece explorações diferenciais segundo a "vocação do lugar". O princípio da legislação é que áreas já desmatadas, com exploração intensa de pecuária e agricultura, devem preservar certa porcentagem de terra com mata virgem ou com reflorestamento. Já as áreas ainda inexploradas, que continuam verdes, devem preservar o máximo de sua mata nativa.
Na divisão da sociedade com os irmãos, enquanto Edevair, o nosso entrevistado, decidiu estabelecer sua nova madeireira recebendo apenas madeira com "nota fiscal", isto é, legalizada, o que significa mais cara, uma vez que já está incorporado no seu valor um custo de "negociação" com os órgãos competentes, os outros dois irmãos seguiram explorando a madeira "crua", sem nota. Neste último caso, são os madeireiros que devem procurar regularizar a situação do produto extraído. Os riscos são maiores, assim como os lucros.
A salvaguarda dos irmãos de Edevair, isto ele sublinhou no seu relato, é que um dos irmãos é muito "sagaz" em termos de legislação. Ele se movimenta bem entre os políticos locais, estaduais e federais, assim como, entre os funcionários do estado. Além de político, o irmão é proprietário de uma das poucas empresas que exploram o eco-turismo da região – um parque com lagos e piscinas, onde a classe média baixa citadina faz a festa no fim de semana9. Uma funcionária do parque garantiu para mim o que Edevair apenas sugeriu: se alguém na cidade quiser derrubar um mogno ou uma castanheira, sabe que deve procurar seu patrão. É ele quem conhece o caminho das pedras para regularizar o abate da árvore, transformando o ilegal em legal.
O madeireiro que se tornou ecólogo sabe bem como se preservar entre as idas e vindas de uma legislação que parece despencar sobre "a cabeça dos extrativistas do lugar". Edevair, com uma formação um tanto restrita em termos de conhecimento formal, ao contrário do irmão, se sente acossado e constrangido. Neto de madeireiros, ele desenvolveu um olhar preciso para as extensões verdes de floresta, sabendo diferenciar os tipos de madeira pela copa das árvores, a idade das árvores pelo tronco, os tipos de fornecedores e mateiros da região. No entanto, estas habilidades estão constantemente sob escrutínio, sendo questionadas por uma opinião pública distante e avessa. Acossado, Edevair se defende denunciando a banalidade do mal: "se a legislação sobre a exploração de recursos naturais fosse levada a sério", afirma, "não haveria um só cidadão do Estado de Rondônia que deixaria de ser considerado fora-da-lei".
Para ficarmos dentro dos propósitos deste artigo, queremos chamar atenção para o limiar em que se encontram estes profissionais: ao mesmo tempo em que os trabalhadores extrativistas dominam uma habilidade intrinsecamente ligada à paisagem do lugar, central para a preservação de uma certa noção de ordem, riqueza e civilidade compartilhada regionalmente, eles estão no foco da observação de uma opinião pública e de legisladores distantes e avessos. Com isto, acabam se identificando com uma noção perversa de cidadania: cidadãos passivos ou fora-da-lei, vítimas de regras que não levam em conta o capital de conhecimento prático elaborada e lentamente acumulado ao longo de uma jornada de vida. Mais grave ainda, o garimpeiro ou madeireiro que se dá bem nesta relação esquizofrênica entre formuladores da lei, conluios e a sociedade local é exatamente aquele que desenvolve uma trajetória de vida favorável à perpetuação da cisão.
3. Médicos e Profissionais Liberais
Sem capital social previamente acumulado, dificilmente garimpeiros e madeireiros conseguem se afirmar como elite política do lugar. Na descrição anterior, devemos registrar a história do irmão de Edevair como exceção. Mais freqüentemente, a elite política e social local é formada por um outro grupo de migrantes, originalmente de família de classe média do Sul e Sudeste que, formados em cursos universitários e em início de carreira ainda nos anos 1970, viram na migração para o Centro-Oeste e Rondônia uma oportunidade para se estabelecerem como "homens de bem e de posses". Entre estes profissionais, os médicos tiveram destaque.
Nos vários ciclos de colonização da Amazônia, um dos grandes "obstáculos" para o avanço dos "pioneiros", os "soldados da borracha", os garimpeiros, os pequenos agricultores no avanço da exploração do território e da floresta, foram as febres tropicais, em especial, a febre amarela. Enfáticos, alguns entrevistados afirmam: "Morria-se às dúzias, naqueles tempos de origem, nos anos 70". Esta situação caótica de saúde pública atraiu alguns médicos, que, com um capital inicial maior ou menor, abriam seus consultórios nos povoados no "meio do nada". Em geral, todo e qualquer profissional era bem-vindo, encontrando apoio dos raros agentes do estado que estivessem nas cercanias, que ofereciam carros que funcionavam improvisadamente como ambulância, casas que funcionavam como ambulatório, aviões para buscar um ou outro remédio nos estados vizinhos, terrenos para a construção de hospitais. Esperava-se que estes privilégios e benesses seduzissem o profissional migrante, fixando a mão-de-obra qualificada no lugar.
Um dos efeitos perversos deste processo foi uma apropriação privada da calamidade da população e do apoio público. Em vários municípios ao longo da BR 364 encontramos dois ou três hospitais nas principais avenidas, e uma rede ampliada de consultórios médicos, oftalmológicos, de centros de saúde, de clínicas estéticas, disputando suas luminárias com o comércio de serviço local. Vários dos médicos das primeiras levas, alguns daqueles que não voltaram para o "sul", têm hoje as melhores casas da cidade, compraram terras, tornaram-se pecuaristas e agricultores, diversificando seus negócios, muitas vezes, atuando simultaneamente no campo da política.
A forma como estes profissionais disponibilizaram o seu conhecimento para a população local é o que vem garantindo uma certa má-fama entre os regionais. Contam alguns de nossos entrevistados que muitos destes senhores fizeram fortuna na base do "escambo": um pequeno agricultor, um garimpeiro, vendo sua vida em perigo, não hesitava em trocar seu terreno, sua vaca, sua "pedra mais preciosa", pela consulta. Alguns médicos somaram estes recursos com o de dois ou três colegas, fundando hospitais privados. Para dar um impulso à iniciativa empresarial, garantiam a consulta apenas ao paciente que se internasse no seu hospital, não no do concorrente. Algumas vezes, a estratégia era utilizar o ônibus da prefeitura para circular pelo interior, acolhendo os doentes que encontrassem, prometendo a cura se fossem internados nas suas instalações. Distantes de sua casa, os doentes se submetiam ao tratamento e aos custos abusivos dos serviços incluídos, como remédios, transporte, cama e comida para dois – o doente e seu acompanhante. Além disso, a concorrência entre os médicos pouco seguia uma ética profissional. Se houvesse na cidade um profissional especializado no tratamento de alguma moléstia, mas fora do círculo restrito dos "amigos", este era francamente ignorado – não se mandava "cliente" para o "inimigo".
A escassez do profissional de saúde na região permitiu a expansão deste "espírito aventureiro". Ao mesmo tempo, possibilitou que pessoas sem nenhuma ou pouca formação alçassem posições "nobres", como auxiliar de enfermagem, ajudante de dentista, secretário da administração – cargos que jamais poderiam sonhar em ocupar se estivessem nas cidades de origem no Sul, Sudeste e Nordeste. No caldo desta precariedade geral, brotaram algumas situações anedóticas, como a que segue, relatada por uma ex-enfermeira.
"Naqueles tempos, conta Edna, os médicos trabalhavam incansavelmente: dia e noite, noite e dia. Eram poucos os profissionais na região, e as doenças eram muitas. Os pacientes geralmente chegavam quando a moléstia já estava adiantada, quando alguma intervenção drástica era necessária. Praticamente inexistia medicina preventiva. Numa daquelas noites, quando Edna estava de plantão, baixou no hospital um senhor que sentia muitas dores na barriga. O médico diagnosticou problema na vesícula. Isto significava que tinha que operar. Como a luz do gerador da cidade acabava às 11 horas, a operação foi marcada para as 10 da noite. Mas não deu outra: no meio da operação, acabou a luz. As enfermeiras, um tanto transtornadas, improvisaram uma iluminação em torno da mesa de operação a base de velas. Assim, mal ou bem, a operação seguiu seu curso. O problema é que, com aquela multidão de velas, os movimentos do médico ficaram um tanto restritos: a cada novo gesto, ele tinha que desviar de uma ou outra chama. Num determinado momento, uma vela caiu, e o fogo correu solto nos pêlos do dorso do paciente. O paciente não viu nada, continuou dormindo profundamente, completamente narcotizado. Foi um corre-corre entre as enfermeiras e o médico. Por fim, conseguiram apagar o fogo e a operação completou-se com relativo sucesso. No dia seguinte, o paciente, feliz, dizia que estava se sentindo muito melhor, sem o pânico da pontada de dor. Mas, intrigado, perguntava para as enfermeiras se a queima dos pêlos fazia parte do tratamento".
Limitados pelas condições precárias locais a exercerem uma medicina, advocacia, engenharia gerais e improvisadas, muitos dos profissionais liberais compensam a perda do usufruto da "civilidade" das grandes metrópoles, inacessíveis na região, pelo acúmulo de riqueza e diversificação de atividades: comprando fazendas, criando gado, plantando café, entrando na política. Esta voracidade pela riqueza ganha um ímpeto e abrangência que a população semi-analfabeta pouco entende, uma vez que o conhecimento formal da lei, em vez de servir para fazer do profissional um "civilizador" do lugar, garante uma trajetória tortuosa na qual a lei pode ser "burlada", os amigos contemplados e o que era público, se tornar privado.
A "falácia republicana"
Fizemos até aqui uma descrição sobre as relações entre pares de profissionais que, de certo modo, compartilham um mesmo ambiente ecológico, mas não necessariamente as mesmas habilidades e, conseqüentemente cultivam expectativas e impressões diferentes sobre seu entorno. Através desta descrição – que os leitores mais familiarizados com o Estado de Rondônia devem considerar, com razão, um tanto breve e esquemática –, pretendi esboçar uma imagem de um feixe de relações possível naquele contexto. Sem a pretensão de desenvolver uma descrição densa e exaustiva do lugar, quis apenas demonstrar que, se estou me referindo a um contexto distante, margem do "exótico", do "estranho", de uma "natureza exuberante", desconhecido para a maioria dos leitores, mesmo ali, encontram-se evidências de uma modernidade experimentada nas áreas mais "desenvolvidas do país".
Tanto lá como cá, as pessoas estão em constante deslocamento. Índios e trabalhadores manuais, madeireiros, garimpeiros, representantes de ONGs nacionais e internacionais, profissionais liberais, doutores e leigos, boa parte destas pessoas está em constante trânsito: vieram de uma aldeia, vão para outra, visitam cidades, se estabelecem nelas, mudam de endereço, constituem novas famílias, aprendem novas profissões, tornam-se desconhecidos, viram celebridades, constituem novas redes de pertencimento. Rara é a história de vida da pessoa que nasceu e viveu na mesma casa, sem um tempo de fuga do familiar. Entre os entrevistados, por sinal, não encontrei nenhum caso de sedentarismo.
Nestes vários deslocamentos, as habilidades aprendidas em um contexto não são necessariamente abandonadas no outro. Leva-se junto a habilidade, simplesmente porque ela está no corpo e na mente da pessoa. A dificuldade da adaptação dos trabalhadores manuais das cidades do Nordeste, Sul e Sudeste, como pequenos agricultores rodeados por uma floresta abundante na Região Norte, citada anteriormente, descreve a impossibilidade a que estou me referindo: a de trocar de habilidade como se fosse uma roupa. Para continuar com o exemplo, a transferência de habilidades é mais parecida com o uso de um escafandro, que, quando vestido, não só permite mas exige que a pessoa circule e interaja em um ambiente de outra qualidade, trocando o ar pela água.
Outra proximidade: nos diversos centros urbanos, as diferenças entre os grupos sociais dificilmente são explicáveis em termos de classe ou de status, ainda que as diferenças de classe e status estejam presentes na constituição das relações sociais. A soma das várias trajetórias profissionais descritas anteriormente remete a certas tendências de pertencimento social – assim, na classe baixa, estão os trabalhadores manuais, em geral, de origem mais humilde e com baixa educação formal; os garimpeiros, os madeireiros e líderes de ONGs estão mais próximos de uma classe média; os empresários e profissionais liberais aproximam-se da idéia de elite local –, mas esta remissão a classes e estratos é sempre um pouco vaga e nebulosa. Nesta nossa modernidade, indivíduos, como Cláudio Pilon – de origem humilde, com formação educacional precária, socialização pentecostal –, podem simplesmente atravessar o conjunto das disposições usuais das relações sociais, conquistando, como fez, o lugar político de prefeito em uma das maiores e mais antigas cidades do estado.
Enfim, o que quero sublinhar nesta segunda aproximação com Rondônia é que a soma das desigualdades sociais não remete a um mapa organizado em centro e periferia de um conjunto maior chamado sociedade, mas antes descreve um feixe de possibilidades que sofrem reordenamentos, modificações, composições, perspectivas que diferem conforme as ressonâncias, os cortes, os fluxos.
Ora, esta percepção da modernidade vivida – com muitos fluxos, influências de diferentes calibres, excesso de informação de toda ordem, pessoas desinformadas utilizando suportes socialmente "nobres" – é muito diferente da concebida por teóricos da República, quando projetaram os modos de sua atualização social. Autores como T. H. Marshall, por exemplo, supunham um certo prolongamento da história, com um acúmulo em camadas de experiência, adensando a própria noção de cidadania. Para Marshall, a República seria o resultado de um processo longo e tumultuado, envolvendo uma certa cumplicidade entre história e lógica sociológica. Nas suas palavras:
"Estarei fazendo o papel de sociólogo típico se começar dizendo que pretendo dividir o conceito de cidadania em três partes. Mas a análise é, neste caso, ditada mais pela história que pela lógica. Chamarei estas três partes, ou elementos, de civil, política e social [...]. Nos velhos tempos, esses três direitos estavam fundidos num só. Os direitos se confundiam porque as instituições estavam amalgamadas (Marshall, 1967:63-64).
Para Marshall, a história e a sociologia se fazem cúmplices justamente porque já nas primeiras e ansiosas buscas de cidadania, ainda nas tensões e disputas do início do século XII, havia uma remissão, ainda que vaga, a componentes distintos: os direitos civis, os políticos e os sociais. A confusão de percepção das várias camadas de cidadania seria apenas um engano inicial, fruto da indistinção primordial, própria do começo de toda criação. Dito de outro modo, o artefato da cidadania, quando pressionado adequadamente, deve colocar para fora o plano de realização que já está dentro dela. Na seqüência, Marshall é mais explícito quanto a este potencial de artefato da cidadania:
"A cidadania é um status concedido àqueles que são membros integrais de uma comunidade. Todos aqueles que possuem o status são iguais com respeito aos direitos e obrigações pertinentes ao status. Não há nenhum princípio universal que determine que estes direitos e obrigações serão, mas as sociedades nas quais a cidadania é uma instituição em desenvolvimento criam uma imagem de uma cidadania ideal em relação à qual o sucesso pode ser medido e em relação à qual a aspiração pode ser dirigida [...]. A classe social, por outro lado, é um sistema de desigualdade. E esta também, como a cidadania, pode estar baseada num conjunto de ideais, crenças e valores. É, portanto, compreensível que se espere que o impacto da cidadania sobre a classe social tome a forma de um conflito entre princípios opostos"(idem:76).
Como uma alavanca, a cidadania de Marshall é um título de status que pode servir para projetar indivíduos de classes subalternas para condições de dignidade e respeito e indivíduos de classes privilegiadas para atitudes de submissão, freando aspirações de privilégios usuais entre as classes abastadas. Como uma alavanca, a cidadania de Marshall pode ter impacto sobre a sociedade, isto porque Marshall enxerga sua sociedade como uma totalidade com centro e periferia, com lugares desiguais razoavelmente estabilizados. Na formulação deste teórico, a cidadania é um artefato constituidor da República, porque é auto-explicativa em seu uso, ou seja, "as sociedades nas quais a cidadania é uma instituição em desenvolvimento criam uma imagem de uma cidadania ideal em relação à qual o sucesso pode ser medido e em relação à qual a aspiração pode ser dirigida" (idem).
Mas como fazer quando pessoas como Cláudio Pilon se apropriam de um artefato tão poderoso como a cidadania descrita por Marshall? Cláudio Pilon, ao fazer uso de seu direito político, como legislador, elaborou um decreto que dificilmente pode ser descrito como "alavanca cidadã". O prefeito parece não saber ler as instruções ou o plano de realização da cidadania, atualizando-a, quando o faz, não como artefato, mas como mero instrumento, ou seja, um adereço que ensina o que realiza quando acionado. Para se entender melhor esta diferença, vou retomar o decreto:
"Art. 1º – Como ato Profético, fica declarado Jesus Cristo como único Senhor e Salvador da cidade de Guajará-Mirim; I – Consagrar a cidade de Guajará-Mirim ao serviço do Senhor, para a glória, a honra, o louvor e o poder de Jesus Cristo; II – Renunciar toda aliança e obra realizada no passado, de prostituição, impureza, lascívia, feitiçarias, inimizades, pobreza, miséria, ciúmes, iras, discórdias, dissensões, facções, ruínas, homicídios, tráficos e drogas; III – Quebrar todas as maldições de Guajará-Mirim; IV – Declarar que Guajará-Mirim recebe hoje a unção do amor, prosperidade, riqueza, alegria, paz, longanimidade, unidade, bênção, multiplicação, frutificação e poder que emana de Jesus Cristo; V – Declarar que a cidade de Guajará-Mirim pertence a Jesus Cristo; VI – Revogar todas as disposições em contrário; VII – Tornar este Ato Profético irrevogável e eterno" (O Estadão, 19/3/2004).
A terminologia do decreto é pentecostal: a lei é descrita como "ato profético". Seu objetivo não é "dividir" bens ou "restaurar" desigualdades, como faria a alavanca cidadã ou um manifesto político, mas "declarar" Jesus Cristo como Senhor e Salvador da cidade. Sua vocação é moral: o decreto se apresenta como um cobertor que é lançado sobre a comunidade a fim de separar aqueles que praticam prostituição, impureza, lascívia, feitiçarias, inimizades, pobreza, miséria, ciúmes, iras, discórdias, dissensões, facções, ruínas, homicídios, tráficos e drogas e de atrair para a vida da cidade aqueles que buscam a unção do amor, prosperidade, riqueza, alegria, paz, longanimidade, unidade, bênção, multiplicação, frutificação e poder de Jesus Cristo.
Menos que dividir ou acusar, como faria um manifesto político partidário, o decreto de Pilon se alimenta da utopia da conclamação dos cidadãos de Guajará-Mirim em torno de um pacto de "civilidade". Neste pacto, o legislador nomeia aquilo que seria embrutecedor, bárbaro e selvagem para a grande maioria dos seres humanos – prostituição, impureza, feitiçarias, miséria, tráfico –, males estes que partem da ação individual – ciúme, discórdia, lascívia, facções, ruínas –; mas que influenciam e denigrem o conjunto da cidade. Ainda que estes males estejam no homem individual, e permaneçam latentes no seu interior depois do pacto, o decreto demanda que, ativamente, cada indivíduo renuncie ao seu exercício e produção sem lançar mão, no mesmo movimento, de uma trajetória individual diferenciada. No sentido inverso, o indivíduo que adere ao pacto moral torna-se um cidadão da nova cidade, ou seja, de uma cidade destinada à prosperidade porque seus cidadãos tiveram uma postura ativa de renúncia à selvageria e ao mundo bárbaro. A civilidade, assim, é mantida não através da criação de uma equivalência geral entre os cidadãos, como supõe o pacto republicano, mas através da afirmação de uma dinâmica interna capaz de produzir e sustentar suas diferenças.
Para retomar nosso argumento, da continuidade entre desenvolvimento de habilidade e exercício da imaginação, é importante sublinhar que a ênfase moral está de acordo com o lugar social de Pilon: uma pessoa de origem humilde, com parca educação formal, socializado no meio pentecostal10. No universo dos trabalhadores manuais, tal como procuramos descrever anteriormente, a manutenção do laço de confiança é fundamental para o sucesso da empreitada. Vários dos migrantes trabalhadores de baixa renda que chegaram em Rondônia nos anos 1970 tiveram que enfrentar, na sua adaptação ao lugar, o problema de somar técnicas e habilidades de origem regional e cultural diferenciadas, integrando-as em diferentes atividades de cooperação. Nesta adaptação para a consecução de um ato cooperativo, é fundamental saber se o interlocutor erra por inabilidade, desatenção ou sagacidade. Dificilmente um grupo de trabalho encontra a sincronia de elaboração, algo que envolve imaginação, disposição, previsão de atos, kinestese, sem aderir a algum pacto moral que se refira à vida prática.
O decreto, além disso, não nomeia substantivamente o meio para a reforma ou transformação social que busca. Não há qualquer menção às desigualdades de raça, gênero, idade, riqueza, educação, poder político que se quer suplantar. Não há previsão do alcance de nenhuma das três etapas da cidadania de Marshall, seja a civil, a social ou a política. Nesta sua indefinição, o decreto salvaguarda o valor das trajetórias individuais. Diremos mais, no universo dos trabalhadores manuais de onde Pilon vem, em que as oportunidades de trabalho variam constantemente, conhecer e ser conhecido é fundamental. Neste sentido, preservar uma identidade diferenciada é um modo de ganhar visibilidade em uma rede de conhecidos com habilidades similares.
O decreto escrito por Pilon não atualiza, como uma alavanca, a cidadania que seria potencialmente aguardada como ideal dos cidadãos rondonenses. Nas mãos do prefeito, o que seria um artefato de cidadania se torna um instrumento desencarnado que ele preenche segundo sua imaginação. Pilon usa seu direito como homem político para realizar uma lei que é o homólogo de um manifesto pentecostal. Ou seja, ele ignora o conhecimento formal sobre as normas de desenvolvimento e atualização da República, mas preserva o que aprendeu no seu grupo de socialização como o mais importante: o pacto moral e a salvaguarda das diferenças individuais11.
Ainda que o decreto de Pilon não se tenha efetivado por ferir a Constituição – pois exclui da cidade as pessoas com outros credos que não o dele – esperamos que este, ao menos, tenha permitido que esclarecêssemos uma certa "falácia republicana". Na "falácia republicana" supõe-se, como fez Marshall, que existe uma continuidade entre desenvolvimento histórico e lógica sociológica, como se o andar do tempo cumprisse uma missão de diferenciação e de formação de um mundo em camadas. Mais que isto, neste encaminhamento de idéias espera-se que certas áreas geográficas do país, como Rondônia, estejam aguardando seu momento de subir na carruagem da história, quando, enfim, pessoas como Pilon não existam ou sejam contidas antes de cometer atos absurdos.
Neste artigo, argumento que talvez Pilon veja mais claramente a modernidade que nós, pois percebe que o seu direito político não vem com uma bula sobre como deve ser usado, que o modo mais plausível de usá-lo envolve o exercício da imaginação, algo que não supõe uma projeção sobre a realidade de uma forma anteriormente projetada, mas envolve uma forma que se revela (seja no plano, na estratégia, na representação) e ganha termo à medida que a atividade da imaginação se desenvolve. Neste desdobramento da imaginação, a habilidade "encorporada" guia a ação na mesma medida em que ensina uma certa qualidade de atenção.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo do artigo, argumentei que decretos como o do prefeito Cláudio Pilon escandalizam especialmente porque tendemos a perceber o movimento de ampliação e de maior acessibilidade do Estado e seus instrumentos em uma República, como se isto fosse resultado de um desdobramento lógico e coerente da história. Mais e mais pessoas usando a "alavanca da cidadania" implicaria em um uso mais cuidadoso e diferenciado de suas potencialidades, constituindo, ao fim de um processo com muitas pontas e rumando na mesma direção, uma República mais abrangente, consistente e íntegra. Este pressuposto falacioso permanece, mesmo com uma tradição historiográfica forte afirmando o contrário (cf. Carvalho, 1987).
Procurei destacar, ao longo do artigo, que o decreto de Pilon não é um "resquício" dos velhos tempos nem prova de uma posição residual e atrasada que nos liga a uma pré-modernidade que se perde no passado, como gostaria o seu opositor local, Índio Tabajara. Sugeri, pelo contrário, que o decreto faz parte de um uso contemporâneo e desencarnado dos instrumentos da República, por sujeitos capazes de habitar o mundo segundo habilidades determinadas. Algumas outras situações ajudarão a compreender melhor a pretensão de generalidade do argumento.
Não tenho muitas informações, mas é sintomático que, conforme levantamos no site CLIC-RO (http://www.portal364.com/m5.asp?cod_noticia=7549&cod_pagina=962), ainda em 2005, o vereador de Porto Velho, José Wildes (Partido dos Trabalhadores – PT), propôs na Câmara de Porto Velho um "ato profético declarando Jesus Cristo como único senhor e salvador da cidade". Os companheiro e vereadores evangélicos, Valter Araújo (Partido Progressista – PP) e Ted Wilson (Partido da Frente Liberal – PFL), apoiaram a proposta. Parece, portanto, que o ato de Pilon se multiplicou. Serão estes dois casos indicações suficientes de que o problema é da vida política regional de Rondônia, onde a República não estaria plenamente constituída?
A resposta será negativa se levarmos em conta as situações que encontramos no Rio de Janeiro e Volta Redonda. No início do ano 2000, alguns jornais em circulação no Rio de Janeiro noticiaram amplamente a inauguração de um monumento em homenagem à cultura negra. A obra dividiu a cidade. Evangélicos e católicos colocaram-se contra a decisão do prefeito, Paulo Conde, de colocar a escultura "Exu dos Ventos", do artista plástico baiano Mário Cravo, na confluência da Linha Amarela e Linha Vermelha. Declarações do arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Eugênio Salles, desaprovando a escultura foram publicadas por diversos jornais12. O protesto dos evangélicos, contudo, foi mais contundente, pois para eles este monumento seria "responsável por toda sorte de desgraça que viria a acontecer" na encruzilhada. Para diminuir os efeitos negativos, os evangélicos realizaram protestos com rituais de exorcismo no entorno do monumento. Alguns políticos evangélicos, vereadores e deputados, propuseram projetos contra a empresa que administrava a Linha Amarela, caso ela insistisse na colocação da obra. Na imaginação destes evangélicos, os argumentos do artista de que sua escultura era puramente artística ou os do prefeito, que assim queria homenagear os descendentes de cultura negra e não reverenciar uma entidade religiosa, não faziam nem fazem sentido algum.
Recentemente tive notícia de um outro protesto de evangélicos, desta vez em Volta Redonda, quando uma escultura em homenagem a Zumbi dos Palmares foi confundida com a de "Exu dos Ventos" por um pastor missionário. Entrevistado sobre o problema, o pastor Wilson dos Anjos, Presidente do Conselho de Pastores de Volta Redonda, teria afirmado, segundo o jornal local, Diário de Volta (site www.diarioonline.com.br), que não era correto colocar um monumento de uma religião específica em um espaço público. E completava dizendo: "É uma questão de espiritualidade". Quando, em um primeiro momento, Wilson defende a laicidade do espaço público, parece estar em sintonia com uma imaginação republicana, compartilhando seus pressupostos. Mas no momento seguinte, ao justificar sua posição pela "espiritualidade", demonstra estar em sintonia com uma imaginação não compartilhada pelo jornalista – que coloca a palavra entre aspas –, tampouco por políticos opositores locais.
O que temos nestes vários exemplos são embates similares ao de Pilon, que envolvem "fronteiras de imaginação" diferenciadas e que demandam um improviso na interação. Algumas pessoas redigem decretos, outras contestam as leis, umas homenageiam uma etnia com um símbolo religioso, outras se opõem ao símbolo, umas se candidatam a vereador, outras são objeto de investigação pública. Todas estas, e muitas outras, são ações possíveis dentro do escopo de possibilidades de uma República. O que é reprovável nestas ações ou tentativas de agência é que, estabelecida a legitimidade do sujeito político em propô-la, seja contestada sua atuação antes mesmo do ato, porque sua imaginação seria mais polimorfa que a admitida pela República.
Talvez a cultura política estabelecida no Brasil continue a identificar a República como uma donzela zelosa (Carvalho, 2005). Espera-se, contudo, que nestes tempos de uma modernidade marcada pelo fluxo, pela multiplicidade de atividades, pela profusão de códigos disponíveis, esta mesma República se submeta aos "experimentos um pouco sem jeito" que cidadãos implementam a partir dos instrumentos que oferece. Até onde tenho notícia, os atores políticos dos exemplos anteriores sempre se aproximaram da República com uma postura propositiva, não para contestá-la13, mas para usá-la. No entanto, o conhecimento das possibilidades e da lógica dos instrumentos de cidadania que conseguem acessar é sempre um tanto vago e indeterminado. Para ir um pouco além desta nebulosidade, eles têm que utilizar os instrumentos e, ao fazer isto, modificam, reduzem, estendem e até mesmo recriam a si mesmos e a própria República.
NOTAS
1. Sigo aqui a definição de "crença" do dicionário Aurélio (Ferreira, 1986), que diz o seguinte: "[do lat. medieval credentia] s.f. 1. ato ou efeito de crer. 2. fé religiosa. 3. aquilo que se crê, que é objeto de crença. 4. convicção íntima. 5.opinião adotada com fé e convicção: crenças políticas. 6. Filos. Forma de assentimento que se dá às verdades de fé, que é objetivamente insuficiente, embora subjetivamente se imponha com grande evidência".
2. Esta posição talvez se reproduza em todas as religiões éticas. Observamos isto na proposta católica da Democracia Cristã e mesmo na Teologia da Libertação, ao procurar "educar" os seus líderes, propondo que compartilhem uma "nova ética".
3. Ao estabelecer esta clara correlação entre imaginário e "encorporação" (embodiment), Ingold sugere que mesmo o lúdico tem seu reconhecimento estabelecido por certos perceptos formados na e com a experiência localizada. No limite, a bruxa vista pelo camponês escocês é diferente daquela vislumbrada pelo português residente em Salvador. O imaginado leva em conta a capacidade de atenção e de relação de mundo que aquela pessoa desenvolveu ao longo de sua jornada de vida. Mais especificamente, enquanto outros autores sublinham o aspecto ideológico ou representacional deste processo, Ingold acentua o aspecto de conhecimento "encorporado".
4. Em O Queijo e os Vermes, Carlo Ginzburg (1987) explora as idiossincrasias de uma cosmogonia exuberante e prolífera criada por um herege do século XVI, Menocchio. O estudo de caso parece similar com o trabalhado aqui. A aproximação que Ginzburg faz ao imaginário, porém, envolve a reconstrução da articulação entre subjetividade do moleiro, as fontes populares e eruditas da cultura da época e os registros da Inquisição. Minha perspectiva analítica é outra, basicamente porque não reconheço "o decreto" como uma expressão da singularidade subjetiva de Cláudio Pilon. Como veremos adiante, o decreto segue de um modo muito preciso os pressupostos de uma cosmologia pentecostal e um campo de habilidades determinado. Por isso, darei pouca atenção à reconstrução da trajetória pessoal de Pilon, privilegiando a reconstrução de certas tendências coletivas no contexto e sua articulação em feixe.
5. O Pronex/CNPq "Movimentos Religiosos no Mundo Contemporâneo" financiou as duas viagens e estadias.
6. É interessante notar que, ainda segundo o censo de 2000, os municípios de Guajará-Mirim e Porto Velho, exatamente os municípios mais antigos da região, eram relativamente menos evangélicos (constituíam l8,83% e 23,34% da população de cada um, respectivamente).
7. Havia um incentivo de formação de famílias grandes entre os pequenos agricultores. Nos critérios de distribuição de terras pelo INCRA, um deles era o homem casado, com 5 a 10 filhos. Implicitamente, o programa de Reforma Agrária dos anos 1970 e 1980 incentivava o casamento e a formação de famílias numerosas.
8. Em abril de 2004, foram mortos 29 garimpeiros que trabalhavam de maneira irregular na Reserva Roosevelt por golpes de bordunas, flechadas e tiros. Em 9 de outubro do mesmo ano, Apoema Meirelles, o sertanista que fez o primeiro contato com os índios cinta larga nos anos 1960, e que era contrário à exploração de diamantes na Reserva Roosevelt, foi morto com dois tiros ao sair de um caixa eletrônico em Porto Velho, por um adolescente de classe média. Os dois casos são expressões do alto índice de criminalidade e violência da região (O Globo, 11/10/2004:5).
9. A classe média e média alta possui, em geral, sítios nas cercanias da cidade, onde familiares e amigos se reúnem em torno da piscina e do açude. Menos acessíveis, estas famílias procuram não se misturar com os inúmeros visitantes que invadem o parque no fim de semana.
10. Sintoma desta posição marginal de Pilon na arena política local foi sua cassação em março de 2005, após reeleição. Quem tomou o assento da prefeitura, na seqüência, foi Dedé de Melo, segundo colocado no pleito, e não a vice e o presidente da Câmara de vereadores, como rege a legislação. Os dois últimos eram aliados políticos de Pilon. A cassação se baseou em prática de "abuso econômico", pois Pilon incluiu na lista de funcionários públicos da prefeitura um advogado e um radialista não concursados. Os dois trabalharam na campanha que reelegeu o prefeito. Esta prática é irregular mas rotineira na política brasileira, pois significa uma retribuição "de favor" e demonstração de prestígio (Bezerra, 1999). Enquanto este "crime" era exemplarmente disciplinado em Guajará-Mirim, a imprensa nacional divulgava as fitas que o governador de Rondônia, Ivo Cassol (Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB), gravou com imagens dos deputados estaduais pedindo "mesada em dinheiro" e favores ao governador (maio de 2005).
11. Vale lembrar, novamente, que o Estado de Rondônia é aquele com maior porcentagem de evangélicos em sua população, com 24%, sendo que a maioria destes evangélicos é pentecostal, das denominações Assembléia de Deus e Igreja Congregacional (Censo 2000).
12. Em sua monografia de conclusão de curso de Ciências Sociais da UERJ, intitulada "Exu dos Ventos: religião afro-brasileira na mídia", Maria Clara F. Baltar (2004) mapeia este debate a partir de notícias do Jornal do Brasil, O Globo, Extra e O Dia.
13. São várias as indicações de que o temor do avanço do fundamentalismo no interior das várias tendências evangélicas no Brasil tem pouco fundamento. Mais especificamente, não se tem indício de qualquer tendência da proposta de formação de um Estado Religioso por parte deste segmento (cf. Burity e Machado, 2006).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Clara Mafra é professora de antropologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. É autora de Na Posse da Palavra (Lisboa, Editora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, 2002) e Os Evangélicos (Rio de Janeiro, Editora Jorge Zahar, 2001) (E-mail: claramafra@uol.com.br).
Em 19 de março de 2004, um conhecido articulista do jornal de maior circulação em Rondônia, O Estadão, chamou atenção para o decreto do prefeito de Guajará-Mirim (RO), Cláudio Pilon, que estipulava no Artigo 62, § 1º: "Como ato profético, fica declarado Jesus Cristo como único Senhor e Salvador da cidade". O prefeito justificou seu ato: 1) na continuidade histórica do cristianismo na cidade; e 2) na suposta similaridade de seu decreto com o de prefeitos anteriores, ao instituir dias santos e feriados.
Como reação imediata, o articulista que assina com o codinome de Índio Tabajara da Tribo Cariri ridicularizou o decreto, descrevendo-o como "uma pérola" que "deve ficar guardada em um museu de imagem, som e grafia" ou na "caixa Forte da Casa da Moeda". O articulista julgou que o autor deveria estar "em parafuso", "lelé da cuca" ou, ainda, sofrer de "uma esquizofrenia incurável". A exposição jocosa do político não parou por aí: no dia seguinte, o jornalista apontou o aspecto inconstitucional do decreto, uma vez que este fere o direito da livre expressão religiosa e da separação entre Estado e religião. No terceiro dia, o jornalista previu os transtornos do decreto na atualização do sistema democrático local: além de este estabelecer que Jesus é o único senhor e salvador da cidade, auto-intitula-se, segundo o parágrafo VII, "ato profético irrevogável e eterno". Neste sentido, argumenta o Índio Cariri, não há como os outros cinco presumíveis candidatos à prefeitura pleitear o direito de salvar a cidade do "caos econômico, financeiro, administrativo, moral, educacional, da saúde, do transporte, da segurança". "Ninguém disputaria o posto com o Filho de Deus", completa o articulista (O Estadão, coluna Ponto Final, 19, 20 e 21/3/2004).
Nestes vários revides do jornalista da capital ao prefeito do interior, o primeiro procura desqualificar o segundo: porque o prefeito cometeu um ato desregrado, porque ele próprio é uma pessoa que age "fora da razão", e ainda porque o seu ato não está adequado às regras da democracia moderna. Nestas várias abordagens, o jornalista supõe o estabelecimento de uma cumplicidade entre ele e o leitor através do acionamento de uma distinção entre o lugar de onde o jornalista fala – a sociedade educada de Rondônia, que sabe quais são os princípios que ordenam o mundo e os constrangimentos que devem guiar as ações, distinguindo o racional do irracional e descartável. Outro é o lugar do prefeito Cláudio Pilon, que é o do mundo da fabulação, da fantasia. Com esta chave de leitura, o leitor dO Estadão pode chegar à conclusão que há uma diferença qualitativa entre os excessos jocosos e humorísticos do articulista, que exerce tais liberdades estilísticas sem ferir uma certa "percepção de realidade", e o ato do prefeito, que teria sido guiado pela "cegueira da crença", ou seja, por uma opinião de íntima convicção, mas cujo assentimento é objetivamente insuficiente1.
Na última década, vários pesquisadores se perguntam, com certa insistência, sobre o impacto da crescente presença pentecostal na política e no gerenciamento da coisa pública no Brasil. Em trabalho clássico de Paul Freston (1993), aposta-se em uma linha de continuidade entre noção de "missão" para o interior da denominação e o projeto político mais amplo. Assim, onde o projeto missionário se afirma no papel renovador e purificador do mundo secular através da instituição, como no caso da Igreja Universal do Reino de Deus, a atuação política estará pautada na afirmação institucional. Em muitas outras denominações, são os líderes que encarnam o projeto de renovação do "mundo", apresentando-se como personas morais. Estas denominações articulam a noção de missão à idéia de carisma, neste sentido, educam líderes que irão representar a "visão de mundo crente" aos de fora, inserindo-os e disputando espaço na carreira política secular2.
Machado (2003:302), ao acompanhar a atuação de políticos evangélicos na Câmara Municipal e na Assembléia Legislativa 2001-04, conclui que "mais que reforçar a forma tradicional de clientelismo brasileiro, a relação diádica entre patrão-cliente, a crescente presença dos evangélicos na política local tem promovido uma combinação de diversas expressões de clientelismo".
Oro (2003), recentemente, ao analisar a atuação da Igreja Universal do Reino de Deus na política brasileira, propõe uma renovação ampliada do campo da política, mas não necessariamente porque esta igreja acrescenta questões de cunho religioso na política, mas mais exatamente porque ela se apropria de instrumentos sociais como a mídia, para recriar, agilizar e facilitar a comunicação entre clero e multidões, população e elite. Neste sentido, Oro reitera a intensificação da formação de um tipo de República em função das alternativas sociais implementadas por uma instituição religiosa. Birman (2003) desenvolve um argumento semelhante observando o impacto da Igreja Universal na formação do espaço público tendo em vista a relação mídia, política e sociedade.
Diante deste esboço do debate sobre a inter-relação entre religião e política na academia brasileira, vale a pena perguntar se os encaminhamentos analíticos disponíveis não pressupõem uma correlação estreita demais entre os modelos republicano, democrata, neoliberal ou clientelista de fazer política e as tendências sociais minoritárias presentes nos movimentos religiosos. Recorrentemente, as análises partem de dois ou mais termos dissonantes, mas que se encaminham para alguma conjugação entre religião e política, desembocando, por fim, em uma ressonância ampliada. Será que neste exercício analítico não estamos silenciando sobre experimentos sociais mais instáveis, improvisados e dissonantes, e que são, nesta mesma medida, mais efetivos no cotidiano da população? Ou melhor, será que o silêncio dos pesquisadores da religião sobre experimentos sociais como os de Guajará-Mirim não ratifica a suposição do jornalista Índio Tabajara de que aquele experimento político nada mais é que a atualização de "mera crença"?
Neste artigo, pretendo investir no conhecimento das condições de produção desse imaginário ou imaginação mais polimorfa, sob o custo de, estrategicamente, silenciar sobre as questões mais clássicas da sociologia política. Em outras palavras, assumindo a incompletude de minha análise – pois não discutirei o "fazer político" de Cláudio Pilon no sentido estrito, a relação com seu eleitorado, com seus colegas e com seus opositores políticos, as suas estratégias de ratificação do seu lugar na elite política local –, deter-me-ei sobre o imaginário que mobiliza o prefeito e que se expressa no decreto. Suponho, portanto, que existe uma provável complementariedade entre a minha abordagem e as anteriores, já sistematizadas nos modelos analíticos republicano, democrático, neoliberal e clientelista. Falta, entretanto, ainda para uma possível solução complementar, um investimento mais sistemático no reconhecimento do valor simbólico e sociológico de eventos políticos que tenham esta aparência de "mera crença".
Neste artigo, adotarei o conceito de "imaginação" e "fronteira imaginativa" (Harris, 2004) para propor uma revisão e ampliação da discussão entre choques de visão de mundo moderna/racionalista ou intelectualista versus visão de mundo pré-moderna/encantada ou mítica. Na modernidade, haveria uma transformação cognitiva na visão de mundo: o encantado e fantástico seriam considerados ilusões e tenderiam a desaparecer na medida em que haveria uma subordinação das cosmologias às percepções mais pragmáticas e funcionais do mundo da vida.
Entre nós, esta dicotomia tem sido atualizada no compartilhamento de um certo mal-estar diante dos pentecostais, tema que já vem sendo discutido por alguns autores (cf. Mariz, 1995; 1999). Freston, por exemplo, faz citações de passagens na mídia nas quais os pentecostais são acusados de "incautos" e "incultos". Mafra (2001; 2002) e Giumbelli (2002) sublinham o preconceito que a Igreja Universal inspira na academia e na mídia. Embora esse mal-estar seja similar àquele que qualquer visão de mundo encantada gera no contraste com uma perspectiva racionalista, há distinções quanto ao referente religioso: algo que bem podemos perceber quando comparamos o mal-estar pentecostal com o provocado pelas religiões afro-brasileiras. Provavelmente, isto tem a ver com características sociológicas dos dois movimentos religiosos: enquanto os evangélicos disputam por visibilidade no mundo público, as religiosidades afro-brasileiras tendem a se afirmar como sociedade secreta e a postular um relacionamento cordial com os poderes já estabelecidos. É certo que os evangélicos não ameaçam o projeto de formação de um Estado secular estrito senso – não se busca a afirmação de um Estado religioso – mas, ao contrário da tradição religiosa cordial, pleiteiam lugares de direção, autoridade e poder no espaço público (Birman e Leite, 2004).
Central no desenvolvimento desta análise, que não pretende se refugiar nas dicotomias, é a noção de imaginação proposta por Ingold (2000) que, como se vê na seqüência, é bem distinta da proposta por Gaston Bachelard (2000; 2001). Isto porque a imaginação, segundo Ingold, não está lá, pronta, feito um esquema formal, para ser usada quando solicitada, mas só existe na medida em que é exercida:
a) em consonância com as atividades que as pessoas usualmente realizam, com o modo como elas se situam no mundo e se relacionam com o mundo e as outras pessoas, ou seja, suas habilidades. Neste sentido, a imaginação sustenta um certo grau de intencionalidade tanto quanto uma certa qualidade de atenção "encorporada" (embodiment) da pessoa;
b) o exercício da imaginação não supõe uma projeção sobre a realidade de uma forma anteriormente projetada, mas sim que a forma se revela (seja no plano, na estratégia, na representação) e ganha termo à medida que a atividade da imaginação se desenvolve. Neste sentido, não operarei com o pressuposto segundo o qual uma forma é controlada e testada pelo pensamento para depois se atualizar na ação, nem com a oposição entre pensamento e ação, mas partirei do princípio da reversibilidade da forma e do conteúdo (do pensamento e da ação) no processo de desenvolvimento da atividade;
c) a principal decorrência desta imbricação entre habilidade e imaginário é que a vida social – levando em conta que os vários atores utilizam, cada um a seu modo, os recursos de entorno para se situar e inter-relacionar –, dificilmente se desenvolverá como a atualização de uma "visão de mundo harmoniosa e sintonizada". Contudo, também não postulo o oposto: que os atores carregam mundos de representação distintos, sendo incapazes de reconhecer as "ideologias" e "crenças" uns dos outros. Convivência em um mundo compartilhado, neste sentido, significa, isto sim, um exercício de mútuo aprendizado de habilidades, crenças, visões de mundo, que tendem a se refinar conjuntamente, porém, sempre permanecendo um pouco deslocadas e dissonantes umas em relação às outras.
Um dos efeitos mais evidentes da aplicação desta noção de imaginário para a análise do caso Pilon é a perspectiva que toda vida política, desde a mais usual – seja ela orientada por uma atuação já conhecida republicana, democrática, populista ou clientelista, quanto o ato político de Pilon, ao instituir o seu decreto –, depende, em certo grau, de um exercício de imaginação. Sem a imaginação, nenhum homem ou mulher públicos conseguiria se afirmar no seu "novo lugar", uma vez que ele/a, no aprendizado da atuação política, é obrigado/a a improvisar um caminho para além do já conhecido. Este imaginário, contudo, vai além do convencional e instituído, não para estabelecer equivalência com o descontrolado e inefável, pois está no seu fundamento uma suposição de duplo agenciamento, do imaginário e da experiência "encorporada"3.
O aprofundamento do caso de Guajará-Mirim, especialmente porque se desenvolve em uma região de recente adensamento populacional, portanto, refere-se a um contexto no qual as habilidades se desenvolvem mais diretamente relacionadas com "elementos da natureza", ou seja, as habilidades não estão tão criticamente submetidas às transformações e evoluções tecnológicas, como nos universos mais industrializados e urbanizados. Com isto, ganhamos a possibilidade de uma apreciação mais detida da relação entre "encorporação" das habilidades, transformação sociopolítica do contexto e exercício da imaginação.
Na segunda parte do artigo, retomo o caso Pilon procurando estabelecer as possíveis correspondências entre o desenvolvimento das habilidades do seu grupo de pertencimento, a interface que cria com demais grupos sociais (inclusive o Estado), e o decreto. Haverá um ganho analítico se conseguirmos reler o decreto tendo em vista o leque de atividades constituintes do mundo em que Pilon se socializou, ou seja, encontrando certa organicidade entre pensamento (imaginação) e percepção de mundo4.
PAISAGEM REGIONAL
Há toda uma literatura sobre a Região Amazônica brasileira definindo-a como "área de fronteira", debatendo os termos da definição ou questionando a própria definição (cf. Velho, 1979). Uma definição provisória diria que fronteira é: a) uma área geográfica esparsamente habitada; b) uma área dotada de instituições sociais relativamente fracas e fragmentadas; c) uma área com estruturas sociais e populações imperfeitamente integradas.
Neste artigo, ainda que Rondônia, de um modo geral, e Guajará-Mirim, de um modo particular, corroborem várias destas características, inclusive, o paradoxo de amplo crescimento econômico nas décadas de 1980 e 1990, junto com o aumento da violência (Haller et alii, 2000), quero ir além deste limite temático. Parece-me que existem inúmeras similaridades entre a caracterização de área de fronteira e certas condições de vida na periferia das grandes cidades no Sudeste: são áreas socialmente vulneráveis, com equipamento urbano precário, receptoras de migrantes, com alta incidência de violência com uso de arma, com baixa presença do Estado e alta presença de evangélicos pentecostais. Mais adiante, voltarei ao ponto.
Como primeira aproximação de Rondônia, é bom lembrar que a região foi foco de projetos arriscados e aventureiros com um apelo desenvolvimentista desde fins do séculos XIX, já na "saga da construção da ferrovia Madeira-Marmoré", ou na expansão do Telégrafo por Rondon, nos meados dos anos 1940 (Oliveira, 2000; Padovan, 2004). Mas foi com a construção da BR 364, nas décadas de 1970 e 1980, que a paisagem do lugar mudou definitivamente. Se formos atrás dos números para calcular o impacto deste processo, devemos registrar que entre 1945 e 1977 Rondônia contava com apenas dois municípios: Porto Velho e Guajará-Mirim. Nos anos 1990, os municípios multiplicaram-se, alcançando o número de 52. Cresceu também a população residente, que em 1960 era de cerca de 70 mil, nos anos 1970, subiu para 110 mil e nos anos 1980 atingiu a faixa dos 500 mil. Na década seguinte, este número duplicou, ultrapassando o milhão de habitantes. Segundo o Censo 2000, o Estado conta atualmente com 1.296.856 habitantes.
Os números também podem crescer para indicar decréscimo: este é o caso da área ocupada pela floresta tropical. Em 1978, a área desmatada era de cerca de 420 mil hectares, ou seja, 1,76% do território. Em 1988, foram registrados 3 milhões de hectares desmatados, cerca de 12,57%, e, em 1999, esta área atingiu os 5.683.675 hectares, ou seja, 23,82% da área do Estado.
Estes dois conjuntos de números se encontram ao longo da BR 364, pois é nesta faixa que atravessa o Estado, ligando o Mato Grosso até Porto Velho e dali a Guajará-Mirim e à Bolívia, onde foi fundada boa parte das novas cidades e onde o desmatamento se ratificou. O verde que vemos ao longo da BR é das extensas fazendas pecuaristas, entremeadas do verde e cinza dos desmatamentos recentes. O mar verde da Floresta Amazônica com que sonhamos quando nos deslocamos para a Amazônia Legal está distante, boa parte das vezes localiza-se nos 20% do território que é área indígena legalizada.
O caso é que a topografia de transformação indicada pelos números é vaga, se nos voltarmos para o campo das relações sociais concretas. No dia-a-dia, estas muitas transformações significam e estão diferentemente marcadas, conforme se é seringueiro, índio, garimpeiro, madeireiro, agricultor, dona-de-casa, peão de fazenda, carpinteiro, profissional liberal, comerciante, prostituta, engenheiro, médico, representante do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra ou da Fundação Nacional do Índio – Funai; se se é de uma organização não-governamental – ONG representante dos sem-terra, dos índios surí ou cinta larga, ou de uma agência ecológica alemã; conforme se chegue como aventureiro solitário ou com a família no pau-de-arara; segundo se imigre do Paraná, São Paulo, Bahia ou do Ceará; se o indivíduo vem junto com a pastoral católica, com os pomeranos luteranos, ou se foi convertido por alguma igreja pentecostal em uma cruzada de estrada. São muitas as formas de se engajar nesta história. Esboçarei, na seqüência, alguns modos de pertencimento a partir de pares de interlocutores: os índios e trabalhadores manuais; os madeireiros e os garimpeiros; os médicos e os profissionais liberais.
As descrições que seguem estão fundamentadas em dois conjuntos de entrevista (fitas e vídeo) realizadas em duas estadias em Rondônia: em janeiro e fevereiro de 2002, e em fevereiro de 20045. A sede dos trabalhos foi em Cacoal, onde se desenvolveu boa parte da observação participante e das entrevistas com 18 famílias de migrantes de baixa renda, um líder do Movimento dos Sem-Terra – MST, dois líderes de ONGs, três médicos, uma prefeita, dois madeireiros, dois empresários da agroindústria, uma professora universitária, um líder pentecostal de projeção nacional. Algumas destas pessoas são residentes de Guajará-Mirim e de Porto Velho. O contato com os índios foi esparso, com apenas uma visita a um acampamento na proximidade de Cacoal e a uma aldeia suruí. Algumas pessoas foram entrevistadas nos dois períodos, outras, não.
1. Índios e trabalhadores manuais
Certamente, os índios guardam as marcas mais profundas da transformação da paisagem de Rondônia. Em muitas nações, a população diminuiu de forma gritante nas últimas décadas (atualmente, temos notícia de algumas tribos que apresentam um crescimento demográfico, em um contra-efeito da alta taxa de mortalidade das décadas anteriores). Freqüentemente, esses povos tiveram suas terras invadidas, saqueadas e expropriadas. Para assimilar a catástrofe, muitas tribos têm hoje nos mitos um grande divisor: o antes e o depois da chegada do homem branco. Não se trata do apocalipse cristão, mas está perto dele, se estivermos atentos aos sinais de destruição e horror.
Na memória dos trabalhadores migrantes, daqueles que chegaram em pau-de-arara, sem recurso nenhum no bolso, os índios são referência marcante. Na memória agonística daqueles "primeiros anos", os índios impuseram respeito, pois agiam como "nação" – quando ludibriados, desrespeitados, ameaçados, sua resposta era coletiva e guerreira. Já os brancos, são muitos os testemunhos neste sentido, eram todos dispersos, divididos entre si, prontos para tirar vantagem um do outro, sempre com olho grande nos pertences do vizinho. Vizinho morto por índio, por febre, perdido em garimpo, podia bem facilitar o acréscimo de alguns hectares na fazenda ao lado, apenas com a mudança sorrateira da cerca de fronteira.
Na memória de muitos migrantes – destes que chegaram em pau-de-arara, que vieram na aventura e na coragem de um mundo urbano onde trabalhavam como peões de obra, serralheiros, carpinteiros, faz-tudo, para se arriscar no meio rural, trazendo mulher e filhos na cangalha –, os anos 1970 são os anos de "criação de mundo". A referência religiosa faz sentido, pois, como veremos adiante, boa parte destes trabalhadores manuais, que continuam ocupando os estratos mais baixos da sociedade rondonense, passam a ter uma clara adesão religiosa 30 anos depois: boa parte deles se converte ao pentecostalismo. Rondônia é hoje o estado brasileiro mais evangélico do país, com 24% da população6.
O colono que ganhasse seu pedaço de terra nos Projetos de Integração e Colonização (PICs) nos anos 1970, contaram os entrevistados, tinha que "lutar para não viver sem roupa no meio do mato", "feito índio", pois era para o meio do mato, literalmente, que muitos deles eram mandados, com sua esposa e muitos filhos7. Muitos relatos de memória daqueles tempos são amargos. Por pouco, os trabalhares brancos, ex-operários, ex-faxineiros, ex-ambulantes, ex-peões, continuavam "decentes" e não viravam "bicho" na empreitada. As doenças tropicais sempre estavam por perto, e sua habilidade para tirar a "cura" do mato era nenhuma. O contraste com os índios era grande: estes se moviam no entorno como se o mato e o descampando fosse a casa deles, tiravam da floresta a cura, sabiam encontrar naquela imensidão verde as árvores com a floração em curso, adivinhavam os passos dos animais em sua caçada. No contraste da habilidade indígena, os colonos sabiam lidar com as grandes cidades, fazer um serviço aqui, outro ali. A mata apresentava-se ao migrante trabalhador como um "imenso obstáculo".
Esta perspectiva da floresta como obstáculo, não decorreu apenas da inabilidade e do desconhecimento sobre como lidar com ela. Muitos dos grandes projetos desenvolvimentistas incentivaram a perspectiva. "A posse da terra", repetiram os representantes dos órgãos do governo durante anos, "só estaria garantida mediante a derrubada do mato". Daí a crença vigente ainda hoje que "mato bom é o mato no chão": só assim a riqueza entrava no do bolso do trabalhador, seja com a venda da madeira que cai, seja com a lavoura que cresce, muitas vezes abundante apenas na primeira ou segunda florada.
Alguns índios, como os suruí com quem conversei, não escondem o desprezo pelos "brancos". A seus olhos, os "brancos" têm os sentidos invertidos, se comportam como animais diante de normas básicas da vida na floresta. Contudo, o que é ato desprezível para uns é fonte de divertimento para outros. A história que segue, narrada por Lourdes Kemper, historiadora local autodidata, e registrada no meu diário de campo, ilustra o ponto.
"Lá nos idos dos anos 70, apareceu no coração de um destes povoamentos ao longo da BR 364, que depois se transformou em cidade, dois rapazes carregando uma tipóia. Pararam, descansaram no chão o que quer que estivesse na rede, e perguntaram aos outros que se encontravam no bar, se alguém queria comprar uma onça. Um dos rapazes tinha perdido seu cachorro, morto pela onça, e agora, morta a onça, queria vendê-la para comprar um outro cachorro.
Naquele tempo, cachorro era de grande valia para o colono, explicou Lourdes, pois o animal anunciava o perigo quando se estava perdido na mata ou na lida na roça. Além disso, muitos colonos não sabiam caçar sem cachorro, no que se chama caçada a curso, habilidade muito comum entre os índios e os seringueiros. Segundo a Encliclopédia da Floresta, a caçada a curso envolve uma busca, geralmente solitária, cujo sucesso depende muito da capacidade do caçador identificar pegadas, fezes e outros vestígios que os animais possam deixar pelo caminho e de conhecer os sons que emitem e seus horários de alimentação (Cunha e Almeida, 2002:318).
No bar, ninguém se interessou. Mais tarde, parada obrigatória de todo comerciante do lugar, apareceu no boteco o único fotógrafo da região. José Cardoso, olhando o animal, teve a brilhante idéia de ganhar alguns trocados fotografando os clientes ao seu lado. A onça morta se tornou, assim, o bibelô dos migrantes. Os clientes chegaram às pencas, ansiosos em se disporem em rodas no entorno do animal, ou então, posando como aventureiros e caçadores bem-sucedidos. Essas fotos, como outras ao lado dos índios, eram enviadas aos parentes que ficaram nas cidades de origem, nos outros Estados, como recordação das aventuras bem-sucedidas em Rondônia.
Lourdes conta que a onça morta foi objeto, durante três dias, dos flashes do fotógrafo. O comércio imagético em torno do animal morto só findou quando a putrefação avançou e o fedor se tornou insuportável".
Para os "povos da floresta", entenda-se índios e seringueiros, toda esta história da "onça de Cacoal" é um acinte. Na sua perspectiva, aquele povo brincou com algo que é sagrado. O princípio do caçador é respeitar a caça, tratando-a com uma etiqueta rigorosa: não se pode insultá-la, sob pena de "enrascar" o caçador. O caçador "enrascado" é aquele que repetidamente sai para a mata e não vê a caça, ou que é visto antes por ela, do que ela por ele, ou que erra o tiro. O caçador "enrascado" não tira caça da mata.
Língua diferente, habilidades diferentes, caminhos habituais diferentes, interesses diferentes, códigos de etiqueta diferentes. Outros mundos sagrados, outros horizontes de esperança, outras formas de projetar o mundo imaginado no mundo vivido. A mesma onça que fortalece a relação com parentes distantes ao referendar a idéia de lugar exótico de Rondônia é vida que entra no ciclo de troca entre floresta, índios e sua tribo. Uma "fronteira de imaginação" (Harris, 2004) coloca-se entre brancos e índios, não porque se manipule maquiavélica e intencionalmente planos e estratégias diferentes, mas porque o ato imaginado estabelece continuidade com o mundo percebido.
Descrevo aqui uma primeira "fronteira imaginativa" entre índios e brancos trabalhadores migrantes de baixa renda. Entre uns e outros, às vezes as fronteiras se mesclam, às vezes se intensificam; muitas vezes as habilidades de uns influenciam e são intercambiadas com as de outros; não é estranho que o medo de um se torne o horror de outro, ou que a esperança de um confirme a miséria de outro. No entanto, havendo bons ou maus encontros, índios e brancos continuam a se avistar quase cotidianamente pelas ruas e estradas no Estado de Rondônia. Estarão compartilhando um mesmo conjunto de referenciais, um agregado cultural suficientemente denso, capaz de gerar uma mesma imagem de espaço público?
2. Garimpeiros e Madeireiros
Neste primeiro contraste, entre índios e trabalhadores manuais de baixa renda, procurei evidenciar como naqueles primeiros anos de apropriação e reconhecimento do lugar a relação com as condições ecológicas locais promoveu uma série de nódulos de tensão e de compartilhamento entre pessoas de grupos étnicos distintos. Não foi coberta, por esta descrição, toda uma outra gama de relações sociais e ecológicas que dependem, mais intensamente, de uma interlocução mais central e direta com atores externos, federais e internacionais. Quando nos voltamos para um outro grupo ocupacional estreitamente ligado à história e folclore de Rondônia, o dos garimpeiros e dos madeireiros, este plano de relações não pode ser ignorado.
Estes trabalhadores, "brancos" ou "acaboclados", se orgulham de ter certa intimidade com a floresta, os rios, os hábitos dos animais, os costumes dos índios. Eles se distinguem dos migrantes que citei anteriormente, pois, tendo vindo em levas anteriores, já incorporaram um conhecimento da paisagem humana e ecológica do lugar. Boa parte de seu poder e prestígio é gerado exatamente por este vínculo com a "região": são reconhecidos como pessoas experientes, que sabem entrar, circular, examinar, conhecer, nomear, explorar "as riquezas do lugar". Cultivam usualmente um catolicismo de estrato popular, mantendo as festas e as relações de compadrio herdadas de outras gerações. Muitas vezes reconhecidos pelo olhar distante como "simples aventureiros" que se movimentam no território em busca "da riqueza fácil", eles são isto e muito mais. Podemos afirmar que eles são o símbolo da "fronteira em movimento" (Velho, 1979).
Foi um velho garimpeiro quem deu uma imagem viva do modus vivendi de seu grupo ocupacional: para ele, garimpeiro é como formiga, onde tem "açúcar", diga-se, riqueza mineral, eles localizam e se amontoam. Não adianta botar lei, montanha, polícia ou terra indígena como obstáculo. Os garimpeiros atravessam rios e pontes, florestas inexploradas e "tribos perigosas", tudo em busca do minério de aluvião ou da mina inexplorada.
Cultivando esta auto-imagem, não é estranho que os garimpeiros contem a história da região a partir de uma sucessão de explorações das riquezas: em 1960, descobriu-se cassiterita de altíssimo teor no centro-oeste do estado. Isto atraiu uma leva de nordestinos, uma mão-de-obra numerosa, trabalhando clandestinamente. Grupos mafiosos exploraram os garimpeiros de forma desumana, o que chamou a atenção das autoridades federais. Em 1962, esta exploração garantiu quase 50% da produção nacional de estanho. Com a diminuição das reservas de cassiterita e regulamentações federais que inibiam a exploração improvisada, no final dos anos 1970, os garimpeiros correram para outro lado, a exploração do ouro, que se descobriu ser, na região, abundante e formado na base do aluvião (especialmente no rio Madeira). Uma extração que dependia da exploração mecanizada, em dragas, fez com que boa parte do trabalho de garimpo ocorresse com base na contratação de garimpeiros, que eram subempregados por patrões com maior poder aquisitivo. Mais recentemente, no século XXI, a corrida se deslocou para o garimpo de diamante, em uma mina com grande potencial, segundo os técnicos e engenheiros, ainda que localizada na Reserva Roosevelt, dos índios cinta larga, em Espigão do Oeste, portanto, território de exploração do subsolo proibida. Tal como em situações similares no passado recente, a entrada dos garimpeiros nesta exploração envolveu acordos escusos, grupos mafiosos e uma chacina8.
Dificilmente, como usualmente acontece com os dramas vividos pelos migrantes mais humildes aqui descritos, os ciclos de riqueza e pobreza dos garimpeiros e madeireiros passa despercebido diante dos poderes nacionais e internacionais. Lidando com recursos naturais em uma lógica que não é de comedimento, madeireiros e garimpeiros atraem para si a atenção de "outros cidadãos do mundo". Uma opinião pública cosmopolita tende a reconhecer nas atividades destes "aventureiros" "risco" para o conjunto da humanidade. Entre os garimpeiros e os madeireiros, a palavra "risco" ganha outro significado: refere-se ao lado glamouroso de seu fazer, à incerteza que move o homem em uma direção ou outra, sem saber o destino certo, a um apelo que chama para o desconhecido, em um movimento heróico que é semelhante à vida. Isto não quer dizer que garimpeiros e madeireiros descrevam o seu fazer como "aventura", como freqüentemente faz o citadino distante. Trata-se antes de uma "habilidade", de um mundo em que cresceram e se fizeram gente, e que não os abandona mais.
O relato de um madeireiro de Cacoal é ilustrativo deste ethos ocupacional: neto de madeireiros, ele entrou na lida da madeira aos 10 anos. Não aprendeu a ler nem a escrever. Veio para Rondônia com outros três irmãos quando a exploração de madeira se tornou inviável no Paraná. Deixou lá o pai e a família ampliada. Em Cacoal, montou com os irmãos uma madeireira. Exploraram juntos o negócio até o começo dos anos 1990. A partir de então, como a legislação só "apertava", se desentenderam. No início, o abate proibido era apenas da castanheira, depois incluiu o mogno e a cerejeira. Mais tarde a legislação passou a seguir planos mais gerais, segundo o zoneamento socioeconômico-ecológico, que estabelece explorações diferenciais segundo a "vocação do lugar". O princípio da legislação é que áreas já desmatadas, com exploração intensa de pecuária e agricultura, devem preservar certa porcentagem de terra com mata virgem ou com reflorestamento. Já as áreas ainda inexploradas, que continuam verdes, devem preservar o máximo de sua mata nativa.
Na divisão da sociedade com os irmãos, enquanto Edevair, o nosso entrevistado, decidiu estabelecer sua nova madeireira recebendo apenas madeira com "nota fiscal", isto é, legalizada, o que significa mais cara, uma vez que já está incorporado no seu valor um custo de "negociação" com os órgãos competentes, os outros dois irmãos seguiram explorando a madeira "crua", sem nota. Neste último caso, são os madeireiros que devem procurar regularizar a situação do produto extraído. Os riscos são maiores, assim como os lucros.
A salvaguarda dos irmãos de Edevair, isto ele sublinhou no seu relato, é que um dos irmãos é muito "sagaz" em termos de legislação. Ele se movimenta bem entre os políticos locais, estaduais e federais, assim como, entre os funcionários do estado. Além de político, o irmão é proprietário de uma das poucas empresas que exploram o eco-turismo da região – um parque com lagos e piscinas, onde a classe média baixa citadina faz a festa no fim de semana9. Uma funcionária do parque garantiu para mim o que Edevair apenas sugeriu: se alguém na cidade quiser derrubar um mogno ou uma castanheira, sabe que deve procurar seu patrão. É ele quem conhece o caminho das pedras para regularizar o abate da árvore, transformando o ilegal em legal.
O madeireiro que se tornou ecólogo sabe bem como se preservar entre as idas e vindas de uma legislação que parece despencar sobre "a cabeça dos extrativistas do lugar". Edevair, com uma formação um tanto restrita em termos de conhecimento formal, ao contrário do irmão, se sente acossado e constrangido. Neto de madeireiros, ele desenvolveu um olhar preciso para as extensões verdes de floresta, sabendo diferenciar os tipos de madeira pela copa das árvores, a idade das árvores pelo tronco, os tipos de fornecedores e mateiros da região. No entanto, estas habilidades estão constantemente sob escrutínio, sendo questionadas por uma opinião pública distante e avessa. Acossado, Edevair se defende denunciando a banalidade do mal: "se a legislação sobre a exploração de recursos naturais fosse levada a sério", afirma, "não haveria um só cidadão do Estado de Rondônia que deixaria de ser considerado fora-da-lei".
Para ficarmos dentro dos propósitos deste artigo, queremos chamar atenção para o limiar em que se encontram estes profissionais: ao mesmo tempo em que os trabalhadores extrativistas dominam uma habilidade intrinsecamente ligada à paisagem do lugar, central para a preservação de uma certa noção de ordem, riqueza e civilidade compartilhada regionalmente, eles estão no foco da observação de uma opinião pública e de legisladores distantes e avessos. Com isto, acabam se identificando com uma noção perversa de cidadania: cidadãos passivos ou fora-da-lei, vítimas de regras que não levam em conta o capital de conhecimento prático elaborada e lentamente acumulado ao longo de uma jornada de vida. Mais grave ainda, o garimpeiro ou madeireiro que se dá bem nesta relação esquizofrênica entre formuladores da lei, conluios e a sociedade local é exatamente aquele que desenvolve uma trajetória de vida favorável à perpetuação da cisão.
3. Médicos e Profissionais Liberais
Sem capital social previamente acumulado, dificilmente garimpeiros e madeireiros conseguem se afirmar como elite política do lugar. Na descrição anterior, devemos registrar a história do irmão de Edevair como exceção. Mais freqüentemente, a elite política e social local é formada por um outro grupo de migrantes, originalmente de família de classe média do Sul e Sudeste que, formados em cursos universitários e em início de carreira ainda nos anos 1970, viram na migração para o Centro-Oeste e Rondônia uma oportunidade para se estabelecerem como "homens de bem e de posses". Entre estes profissionais, os médicos tiveram destaque.
Nos vários ciclos de colonização da Amazônia, um dos grandes "obstáculos" para o avanço dos "pioneiros", os "soldados da borracha", os garimpeiros, os pequenos agricultores no avanço da exploração do território e da floresta, foram as febres tropicais, em especial, a febre amarela. Enfáticos, alguns entrevistados afirmam: "Morria-se às dúzias, naqueles tempos de origem, nos anos 70". Esta situação caótica de saúde pública atraiu alguns médicos, que, com um capital inicial maior ou menor, abriam seus consultórios nos povoados no "meio do nada". Em geral, todo e qualquer profissional era bem-vindo, encontrando apoio dos raros agentes do estado que estivessem nas cercanias, que ofereciam carros que funcionavam improvisadamente como ambulância, casas que funcionavam como ambulatório, aviões para buscar um ou outro remédio nos estados vizinhos, terrenos para a construção de hospitais. Esperava-se que estes privilégios e benesses seduzissem o profissional migrante, fixando a mão-de-obra qualificada no lugar.
Um dos efeitos perversos deste processo foi uma apropriação privada da calamidade da população e do apoio público. Em vários municípios ao longo da BR 364 encontramos dois ou três hospitais nas principais avenidas, e uma rede ampliada de consultórios médicos, oftalmológicos, de centros de saúde, de clínicas estéticas, disputando suas luminárias com o comércio de serviço local. Vários dos médicos das primeiras levas, alguns daqueles que não voltaram para o "sul", têm hoje as melhores casas da cidade, compraram terras, tornaram-se pecuaristas e agricultores, diversificando seus negócios, muitas vezes, atuando simultaneamente no campo da política.
A forma como estes profissionais disponibilizaram o seu conhecimento para a população local é o que vem garantindo uma certa má-fama entre os regionais. Contam alguns de nossos entrevistados que muitos destes senhores fizeram fortuna na base do "escambo": um pequeno agricultor, um garimpeiro, vendo sua vida em perigo, não hesitava em trocar seu terreno, sua vaca, sua "pedra mais preciosa", pela consulta. Alguns médicos somaram estes recursos com o de dois ou três colegas, fundando hospitais privados. Para dar um impulso à iniciativa empresarial, garantiam a consulta apenas ao paciente que se internasse no seu hospital, não no do concorrente. Algumas vezes, a estratégia era utilizar o ônibus da prefeitura para circular pelo interior, acolhendo os doentes que encontrassem, prometendo a cura se fossem internados nas suas instalações. Distantes de sua casa, os doentes se submetiam ao tratamento e aos custos abusivos dos serviços incluídos, como remédios, transporte, cama e comida para dois – o doente e seu acompanhante. Além disso, a concorrência entre os médicos pouco seguia uma ética profissional. Se houvesse na cidade um profissional especializado no tratamento de alguma moléstia, mas fora do círculo restrito dos "amigos", este era francamente ignorado – não se mandava "cliente" para o "inimigo".
A escassez do profissional de saúde na região permitiu a expansão deste "espírito aventureiro". Ao mesmo tempo, possibilitou que pessoas sem nenhuma ou pouca formação alçassem posições "nobres", como auxiliar de enfermagem, ajudante de dentista, secretário da administração – cargos que jamais poderiam sonhar em ocupar se estivessem nas cidades de origem no Sul, Sudeste e Nordeste. No caldo desta precariedade geral, brotaram algumas situações anedóticas, como a que segue, relatada por uma ex-enfermeira.
"Naqueles tempos, conta Edna, os médicos trabalhavam incansavelmente: dia e noite, noite e dia. Eram poucos os profissionais na região, e as doenças eram muitas. Os pacientes geralmente chegavam quando a moléstia já estava adiantada, quando alguma intervenção drástica era necessária. Praticamente inexistia medicina preventiva. Numa daquelas noites, quando Edna estava de plantão, baixou no hospital um senhor que sentia muitas dores na barriga. O médico diagnosticou problema na vesícula. Isto significava que tinha que operar. Como a luz do gerador da cidade acabava às 11 horas, a operação foi marcada para as 10 da noite. Mas não deu outra: no meio da operação, acabou a luz. As enfermeiras, um tanto transtornadas, improvisaram uma iluminação em torno da mesa de operação a base de velas. Assim, mal ou bem, a operação seguiu seu curso. O problema é que, com aquela multidão de velas, os movimentos do médico ficaram um tanto restritos: a cada novo gesto, ele tinha que desviar de uma ou outra chama. Num determinado momento, uma vela caiu, e o fogo correu solto nos pêlos do dorso do paciente. O paciente não viu nada, continuou dormindo profundamente, completamente narcotizado. Foi um corre-corre entre as enfermeiras e o médico. Por fim, conseguiram apagar o fogo e a operação completou-se com relativo sucesso. No dia seguinte, o paciente, feliz, dizia que estava se sentindo muito melhor, sem o pânico da pontada de dor. Mas, intrigado, perguntava para as enfermeiras se a queima dos pêlos fazia parte do tratamento".
Limitados pelas condições precárias locais a exercerem uma medicina, advocacia, engenharia gerais e improvisadas, muitos dos profissionais liberais compensam a perda do usufruto da "civilidade" das grandes metrópoles, inacessíveis na região, pelo acúmulo de riqueza e diversificação de atividades: comprando fazendas, criando gado, plantando café, entrando na política. Esta voracidade pela riqueza ganha um ímpeto e abrangência que a população semi-analfabeta pouco entende, uma vez que o conhecimento formal da lei, em vez de servir para fazer do profissional um "civilizador" do lugar, garante uma trajetória tortuosa na qual a lei pode ser "burlada", os amigos contemplados e o que era público, se tornar privado.
A "falácia republicana"
Fizemos até aqui uma descrição sobre as relações entre pares de profissionais que, de certo modo, compartilham um mesmo ambiente ecológico, mas não necessariamente as mesmas habilidades e, conseqüentemente cultivam expectativas e impressões diferentes sobre seu entorno. Através desta descrição – que os leitores mais familiarizados com o Estado de Rondônia devem considerar, com razão, um tanto breve e esquemática –, pretendi esboçar uma imagem de um feixe de relações possível naquele contexto. Sem a pretensão de desenvolver uma descrição densa e exaustiva do lugar, quis apenas demonstrar que, se estou me referindo a um contexto distante, margem do "exótico", do "estranho", de uma "natureza exuberante", desconhecido para a maioria dos leitores, mesmo ali, encontram-se evidências de uma modernidade experimentada nas áreas mais "desenvolvidas do país".
Tanto lá como cá, as pessoas estão em constante deslocamento. Índios e trabalhadores manuais, madeireiros, garimpeiros, representantes de ONGs nacionais e internacionais, profissionais liberais, doutores e leigos, boa parte destas pessoas está em constante trânsito: vieram de uma aldeia, vão para outra, visitam cidades, se estabelecem nelas, mudam de endereço, constituem novas famílias, aprendem novas profissões, tornam-se desconhecidos, viram celebridades, constituem novas redes de pertencimento. Rara é a história de vida da pessoa que nasceu e viveu na mesma casa, sem um tempo de fuga do familiar. Entre os entrevistados, por sinal, não encontrei nenhum caso de sedentarismo.
Nestes vários deslocamentos, as habilidades aprendidas em um contexto não são necessariamente abandonadas no outro. Leva-se junto a habilidade, simplesmente porque ela está no corpo e na mente da pessoa. A dificuldade da adaptação dos trabalhadores manuais das cidades do Nordeste, Sul e Sudeste, como pequenos agricultores rodeados por uma floresta abundante na Região Norte, citada anteriormente, descreve a impossibilidade a que estou me referindo: a de trocar de habilidade como se fosse uma roupa. Para continuar com o exemplo, a transferência de habilidades é mais parecida com o uso de um escafandro, que, quando vestido, não só permite mas exige que a pessoa circule e interaja em um ambiente de outra qualidade, trocando o ar pela água.
Outra proximidade: nos diversos centros urbanos, as diferenças entre os grupos sociais dificilmente são explicáveis em termos de classe ou de status, ainda que as diferenças de classe e status estejam presentes na constituição das relações sociais. A soma das várias trajetórias profissionais descritas anteriormente remete a certas tendências de pertencimento social – assim, na classe baixa, estão os trabalhadores manuais, em geral, de origem mais humilde e com baixa educação formal; os garimpeiros, os madeireiros e líderes de ONGs estão mais próximos de uma classe média; os empresários e profissionais liberais aproximam-se da idéia de elite local –, mas esta remissão a classes e estratos é sempre um pouco vaga e nebulosa. Nesta nossa modernidade, indivíduos, como Cláudio Pilon – de origem humilde, com formação educacional precária, socialização pentecostal –, podem simplesmente atravessar o conjunto das disposições usuais das relações sociais, conquistando, como fez, o lugar político de prefeito em uma das maiores e mais antigas cidades do estado.
Enfim, o que quero sublinhar nesta segunda aproximação com Rondônia é que a soma das desigualdades sociais não remete a um mapa organizado em centro e periferia de um conjunto maior chamado sociedade, mas antes descreve um feixe de possibilidades que sofrem reordenamentos, modificações, composições, perspectivas que diferem conforme as ressonâncias, os cortes, os fluxos.
Ora, esta percepção da modernidade vivida – com muitos fluxos, influências de diferentes calibres, excesso de informação de toda ordem, pessoas desinformadas utilizando suportes socialmente "nobres" – é muito diferente da concebida por teóricos da República, quando projetaram os modos de sua atualização social. Autores como T. H. Marshall, por exemplo, supunham um certo prolongamento da história, com um acúmulo em camadas de experiência, adensando a própria noção de cidadania. Para Marshall, a República seria o resultado de um processo longo e tumultuado, envolvendo uma certa cumplicidade entre história e lógica sociológica. Nas suas palavras:
"Estarei fazendo o papel de sociólogo típico se começar dizendo que pretendo dividir o conceito de cidadania em três partes. Mas a análise é, neste caso, ditada mais pela história que pela lógica. Chamarei estas três partes, ou elementos, de civil, política e social [...]. Nos velhos tempos, esses três direitos estavam fundidos num só. Os direitos se confundiam porque as instituições estavam amalgamadas (Marshall, 1967:63-64).
Para Marshall, a história e a sociologia se fazem cúmplices justamente porque já nas primeiras e ansiosas buscas de cidadania, ainda nas tensões e disputas do início do século XII, havia uma remissão, ainda que vaga, a componentes distintos: os direitos civis, os políticos e os sociais. A confusão de percepção das várias camadas de cidadania seria apenas um engano inicial, fruto da indistinção primordial, própria do começo de toda criação. Dito de outro modo, o artefato da cidadania, quando pressionado adequadamente, deve colocar para fora o plano de realização que já está dentro dela. Na seqüência, Marshall é mais explícito quanto a este potencial de artefato da cidadania:
"A cidadania é um status concedido àqueles que são membros integrais de uma comunidade. Todos aqueles que possuem o status são iguais com respeito aos direitos e obrigações pertinentes ao status. Não há nenhum princípio universal que determine que estes direitos e obrigações serão, mas as sociedades nas quais a cidadania é uma instituição em desenvolvimento criam uma imagem de uma cidadania ideal em relação à qual o sucesso pode ser medido e em relação à qual a aspiração pode ser dirigida [...]. A classe social, por outro lado, é um sistema de desigualdade. E esta também, como a cidadania, pode estar baseada num conjunto de ideais, crenças e valores. É, portanto, compreensível que se espere que o impacto da cidadania sobre a classe social tome a forma de um conflito entre princípios opostos"(idem:76).
Como uma alavanca, a cidadania de Marshall é um título de status que pode servir para projetar indivíduos de classes subalternas para condições de dignidade e respeito e indivíduos de classes privilegiadas para atitudes de submissão, freando aspirações de privilégios usuais entre as classes abastadas. Como uma alavanca, a cidadania de Marshall pode ter impacto sobre a sociedade, isto porque Marshall enxerga sua sociedade como uma totalidade com centro e periferia, com lugares desiguais razoavelmente estabilizados. Na formulação deste teórico, a cidadania é um artefato constituidor da República, porque é auto-explicativa em seu uso, ou seja, "as sociedades nas quais a cidadania é uma instituição em desenvolvimento criam uma imagem de uma cidadania ideal em relação à qual o sucesso pode ser medido e em relação à qual a aspiração pode ser dirigida" (idem).
Mas como fazer quando pessoas como Cláudio Pilon se apropriam de um artefato tão poderoso como a cidadania descrita por Marshall? Cláudio Pilon, ao fazer uso de seu direito político, como legislador, elaborou um decreto que dificilmente pode ser descrito como "alavanca cidadã". O prefeito parece não saber ler as instruções ou o plano de realização da cidadania, atualizando-a, quando o faz, não como artefato, mas como mero instrumento, ou seja, um adereço que ensina o que realiza quando acionado. Para se entender melhor esta diferença, vou retomar o decreto:
"Art. 1º – Como ato Profético, fica declarado Jesus Cristo como único Senhor e Salvador da cidade de Guajará-Mirim; I – Consagrar a cidade de Guajará-Mirim ao serviço do Senhor, para a glória, a honra, o louvor e o poder de Jesus Cristo; II – Renunciar toda aliança e obra realizada no passado, de prostituição, impureza, lascívia, feitiçarias, inimizades, pobreza, miséria, ciúmes, iras, discórdias, dissensões, facções, ruínas, homicídios, tráficos e drogas; III – Quebrar todas as maldições de Guajará-Mirim; IV – Declarar que Guajará-Mirim recebe hoje a unção do amor, prosperidade, riqueza, alegria, paz, longanimidade, unidade, bênção, multiplicação, frutificação e poder que emana de Jesus Cristo; V – Declarar que a cidade de Guajará-Mirim pertence a Jesus Cristo; VI – Revogar todas as disposições em contrário; VII – Tornar este Ato Profético irrevogável e eterno" (O Estadão, 19/3/2004).
A terminologia do decreto é pentecostal: a lei é descrita como "ato profético". Seu objetivo não é "dividir" bens ou "restaurar" desigualdades, como faria a alavanca cidadã ou um manifesto político, mas "declarar" Jesus Cristo como Senhor e Salvador da cidade. Sua vocação é moral: o decreto se apresenta como um cobertor que é lançado sobre a comunidade a fim de separar aqueles que praticam prostituição, impureza, lascívia, feitiçarias, inimizades, pobreza, miséria, ciúmes, iras, discórdias, dissensões, facções, ruínas, homicídios, tráficos e drogas e de atrair para a vida da cidade aqueles que buscam a unção do amor, prosperidade, riqueza, alegria, paz, longanimidade, unidade, bênção, multiplicação, frutificação e poder de Jesus Cristo.
Menos que dividir ou acusar, como faria um manifesto político partidário, o decreto de Pilon se alimenta da utopia da conclamação dos cidadãos de Guajará-Mirim em torno de um pacto de "civilidade". Neste pacto, o legislador nomeia aquilo que seria embrutecedor, bárbaro e selvagem para a grande maioria dos seres humanos – prostituição, impureza, feitiçarias, miséria, tráfico –, males estes que partem da ação individual – ciúme, discórdia, lascívia, facções, ruínas –; mas que influenciam e denigrem o conjunto da cidade. Ainda que estes males estejam no homem individual, e permaneçam latentes no seu interior depois do pacto, o decreto demanda que, ativamente, cada indivíduo renuncie ao seu exercício e produção sem lançar mão, no mesmo movimento, de uma trajetória individual diferenciada. No sentido inverso, o indivíduo que adere ao pacto moral torna-se um cidadão da nova cidade, ou seja, de uma cidade destinada à prosperidade porque seus cidadãos tiveram uma postura ativa de renúncia à selvageria e ao mundo bárbaro. A civilidade, assim, é mantida não através da criação de uma equivalência geral entre os cidadãos, como supõe o pacto republicano, mas através da afirmação de uma dinâmica interna capaz de produzir e sustentar suas diferenças.
Para retomar nosso argumento, da continuidade entre desenvolvimento de habilidade e exercício da imaginação, é importante sublinhar que a ênfase moral está de acordo com o lugar social de Pilon: uma pessoa de origem humilde, com parca educação formal, socializado no meio pentecostal10. No universo dos trabalhadores manuais, tal como procuramos descrever anteriormente, a manutenção do laço de confiança é fundamental para o sucesso da empreitada. Vários dos migrantes trabalhadores de baixa renda que chegaram em Rondônia nos anos 1970 tiveram que enfrentar, na sua adaptação ao lugar, o problema de somar técnicas e habilidades de origem regional e cultural diferenciadas, integrando-as em diferentes atividades de cooperação. Nesta adaptação para a consecução de um ato cooperativo, é fundamental saber se o interlocutor erra por inabilidade, desatenção ou sagacidade. Dificilmente um grupo de trabalho encontra a sincronia de elaboração, algo que envolve imaginação, disposição, previsão de atos, kinestese, sem aderir a algum pacto moral que se refira à vida prática.
O decreto, além disso, não nomeia substantivamente o meio para a reforma ou transformação social que busca. Não há qualquer menção às desigualdades de raça, gênero, idade, riqueza, educação, poder político que se quer suplantar. Não há previsão do alcance de nenhuma das três etapas da cidadania de Marshall, seja a civil, a social ou a política. Nesta sua indefinição, o decreto salvaguarda o valor das trajetórias individuais. Diremos mais, no universo dos trabalhadores manuais de onde Pilon vem, em que as oportunidades de trabalho variam constantemente, conhecer e ser conhecido é fundamental. Neste sentido, preservar uma identidade diferenciada é um modo de ganhar visibilidade em uma rede de conhecidos com habilidades similares.
O decreto escrito por Pilon não atualiza, como uma alavanca, a cidadania que seria potencialmente aguardada como ideal dos cidadãos rondonenses. Nas mãos do prefeito, o que seria um artefato de cidadania se torna um instrumento desencarnado que ele preenche segundo sua imaginação. Pilon usa seu direito como homem político para realizar uma lei que é o homólogo de um manifesto pentecostal. Ou seja, ele ignora o conhecimento formal sobre as normas de desenvolvimento e atualização da República, mas preserva o que aprendeu no seu grupo de socialização como o mais importante: o pacto moral e a salvaguarda das diferenças individuais11.
Ainda que o decreto de Pilon não se tenha efetivado por ferir a Constituição – pois exclui da cidade as pessoas com outros credos que não o dele – esperamos que este, ao menos, tenha permitido que esclarecêssemos uma certa "falácia republicana". Na "falácia republicana" supõe-se, como fez Marshall, que existe uma continuidade entre desenvolvimento histórico e lógica sociológica, como se o andar do tempo cumprisse uma missão de diferenciação e de formação de um mundo em camadas. Mais que isto, neste encaminhamento de idéias espera-se que certas áreas geográficas do país, como Rondônia, estejam aguardando seu momento de subir na carruagem da história, quando, enfim, pessoas como Pilon não existam ou sejam contidas antes de cometer atos absurdos.
Neste artigo, argumento que talvez Pilon veja mais claramente a modernidade que nós, pois percebe que o seu direito político não vem com uma bula sobre como deve ser usado, que o modo mais plausível de usá-lo envolve o exercício da imaginação, algo que não supõe uma projeção sobre a realidade de uma forma anteriormente projetada, mas envolve uma forma que se revela (seja no plano, na estratégia, na representação) e ganha termo à medida que a atividade da imaginação se desenvolve. Neste desdobramento da imaginação, a habilidade "encorporada" guia a ação na mesma medida em que ensina uma certa qualidade de atenção.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo do artigo, argumentei que decretos como o do prefeito Cláudio Pilon escandalizam especialmente porque tendemos a perceber o movimento de ampliação e de maior acessibilidade do Estado e seus instrumentos em uma República, como se isto fosse resultado de um desdobramento lógico e coerente da história. Mais e mais pessoas usando a "alavanca da cidadania" implicaria em um uso mais cuidadoso e diferenciado de suas potencialidades, constituindo, ao fim de um processo com muitas pontas e rumando na mesma direção, uma República mais abrangente, consistente e íntegra. Este pressuposto falacioso permanece, mesmo com uma tradição historiográfica forte afirmando o contrário (cf. Carvalho, 1987).
Procurei destacar, ao longo do artigo, que o decreto de Pilon não é um "resquício" dos velhos tempos nem prova de uma posição residual e atrasada que nos liga a uma pré-modernidade que se perde no passado, como gostaria o seu opositor local, Índio Tabajara. Sugeri, pelo contrário, que o decreto faz parte de um uso contemporâneo e desencarnado dos instrumentos da República, por sujeitos capazes de habitar o mundo segundo habilidades determinadas. Algumas outras situações ajudarão a compreender melhor a pretensão de generalidade do argumento.
Não tenho muitas informações, mas é sintomático que, conforme levantamos no site CLIC-RO (http://www.portal364.com/m5.asp?cod_noticia=7549&cod_pagina=962), ainda em 2005, o vereador de Porto Velho, José Wildes (Partido dos Trabalhadores – PT), propôs na Câmara de Porto Velho um "ato profético declarando Jesus Cristo como único senhor e salvador da cidade". Os companheiro e vereadores evangélicos, Valter Araújo (Partido Progressista – PP) e Ted Wilson (Partido da Frente Liberal – PFL), apoiaram a proposta. Parece, portanto, que o ato de Pilon se multiplicou. Serão estes dois casos indicações suficientes de que o problema é da vida política regional de Rondônia, onde a República não estaria plenamente constituída?
A resposta será negativa se levarmos em conta as situações que encontramos no Rio de Janeiro e Volta Redonda. No início do ano 2000, alguns jornais em circulação no Rio de Janeiro noticiaram amplamente a inauguração de um monumento em homenagem à cultura negra. A obra dividiu a cidade. Evangélicos e católicos colocaram-se contra a decisão do prefeito, Paulo Conde, de colocar a escultura "Exu dos Ventos", do artista plástico baiano Mário Cravo, na confluência da Linha Amarela e Linha Vermelha. Declarações do arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Eugênio Salles, desaprovando a escultura foram publicadas por diversos jornais12. O protesto dos evangélicos, contudo, foi mais contundente, pois para eles este monumento seria "responsável por toda sorte de desgraça que viria a acontecer" na encruzilhada. Para diminuir os efeitos negativos, os evangélicos realizaram protestos com rituais de exorcismo no entorno do monumento. Alguns políticos evangélicos, vereadores e deputados, propuseram projetos contra a empresa que administrava a Linha Amarela, caso ela insistisse na colocação da obra. Na imaginação destes evangélicos, os argumentos do artista de que sua escultura era puramente artística ou os do prefeito, que assim queria homenagear os descendentes de cultura negra e não reverenciar uma entidade religiosa, não faziam nem fazem sentido algum.
Recentemente tive notícia de um outro protesto de evangélicos, desta vez em Volta Redonda, quando uma escultura em homenagem a Zumbi dos Palmares foi confundida com a de "Exu dos Ventos" por um pastor missionário. Entrevistado sobre o problema, o pastor Wilson dos Anjos, Presidente do Conselho de Pastores de Volta Redonda, teria afirmado, segundo o jornal local, Diário de Volta (site www.diarioonline.com.br), que não era correto colocar um monumento de uma religião específica em um espaço público. E completava dizendo: "É uma questão de espiritualidade". Quando, em um primeiro momento, Wilson defende a laicidade do espaço público, parece estar em sintonia com uma imaginação republicana, compartilhando seus pressupostos. Mas no momento seguinte, ao justificar sua posição pela "espiritualidade", demonstra estar em sintonia com uma imaginação não compartilhada pelo jornalista – que coloca a palavra entre aspas –, tampouco por políticos opositores locais.
O que temos nestes vários exemplos são embates similares ao de Pilon, que envolvem "fronteiras de imaginação" diferenciadas e que demandam um improviso na interação. Algumas pessoas redigem decretos, outras contestam as leis, umas homenageiam uma etnia com um símbolo religioso, outras se opõem ao símbolo, umas se candidatam a vereador, outras são objeto de investigação pública. Todas estas, e muitas outras, são ações possíveis dentro do escopo de possibilidades de uma República. O que é reprovável nestas ações ou tentativas de agência é que, estabelecida a legitimidade do sujeito político em propô-la, seja contestada sua atuação antes mesmo do ato, porque sua imaginação seria mais polimorfa que a admitida pela República.
Talvez a cultura política estabelecida no Brasil continue a identificar a República como uma donzela zelosa (Carvalho, 2005). Espera-se, contudo, que nestes tempos de uma modernidade marcada pelo fluxo, pela multiplicidade de atividades, pela profusão de códigos disponíveis, esta mesma República se submeta aos "experimentos um pouco sem jeito" que cidadãos implementam a partir dos instrumentos que oferece. Até onde tenho notícia, os atores políticos dos exemplos anteriores sempre se aproximaram da República com uma postura propositiva, não para contestá-la13, mas para usá-la. No entanto, o conhecimento das possibilidades e da lógica dos instrumentos de cidadania que conseguem acessar é sempre um tanto vago e indeterminado. Para ir um pouco além desta nebulosidade, eles têm que utilizar os instrumentos e, ao fazer isto, modificam, reduzem, estendem e até mesmo recriam a si mesmos e a própria República.
NOTAS
1. Sigo aqui a definição de "crença" do dicionário Aurélio (Ferreira, 1986), que diz o seguinte: "[do lat. medieval credentia] s.f. 1. ato ou efeito de crer. 2. fé religiosa. 3. aquilo que se crê, que é objeto de crença. 4. convicção íntima. 5.opinião adotada com fé e convicção: crenças políticas. 6. Filos. Forma de assentimento que se dá às verdades de fé, que é objetivamente insuficiente, embora subjetivamente se imponha com grande evidência".
2. Esta posição talvez se reproduza em todas as religiões éticas. Observamos isto na proposta católica da Democracia Cristã e mesmo na Teologia da Libertação, ao procurar "educar" os seus líderes, propondo que compartilhem uma "nova ética".
3. Ao estabelecer esta clara correlação entre imaginário e "encorporação" (embodiment), Ingold sugere que mesmo o lúdico tem seu reconhecimento estabelecido por certos perceptos formados na e com a experiência localizada. No limite, a bruxa vista pelo camponês escocês é diferente daquela vislumbrada pelo português residente em Salvador. O imaginado leva em conta a capacidade de atenção e de relação de mundo que aquela pessoa desenvolveu ao longo de sua jornada de vida. Mais especificamente, enquanto outros autores sublinham o aspecto ideológico ou representacional deste processo, Ingold acentua o aspecto de conhecimento "encorporado".
4. Em O Queijo e os Vermes, Carlo Ginzburg (1987) explora as idiossincrasias de uma cosmogonia exuberante e prolífera criada por um herege do século XVI, Menocchio. O estudo de caso parece similar com o trabalhado aqui. A aproximação que Ginzburg faz ao imaginário, porém, envolve a reconstrução da articulação entre subjetividade do moleiro, as fontes populares e eruditas da cultura da época e os registros da Inquisição. Minha perspectiva analítica é outra, basicamente porque não reconheço "o decreto" como uma expressão da singularidade subjetiva de Cláudio Pilon. Como veremos adiante, o decreto segue de um modo muito preciso os pressupostos de uma cosmologia pentecostal e um campo de habilidades determinado. Por isso, darei pouca atenção à reconstrução da trajetória pessoal de Pilon, privilegiando a reconstrução de certas tendências coletivas no contexto e sua articulação em feixe.
5. O Pronex/CNPq "Movimentos Religiosos no Mundo Contemporâneo" financiou as duas viagens e estadias.
6. É interessante notar que, ainda segundo o censo de 2000, os municípios de Guajará-Mirim e Porto Velho, exatamente os municípios mais antigos da região, eram relativamente menos evangélicos (constituíam l8,83% e 23,34% da população de cada um, respectivamente).
7. Havia um incentivo de formação de famílias grandes entre os pequenos agricultores. Nos critérios de distribuição de terras pelo INCRA, um deles era o homem casado, com 5 a 10 filhos. Implicitamente, o programa de Reforma Agrária dos anos 1970 e 1980 incentivava o casamento e a formação de famílias numerosas.
8. Em abril de 2004, foram mortos 29 garimpeiros que trabalhavam de maneira irregular na Reserva Roosevelt por golpes de bordunas, flechadas e tiros. Em 9 de outubro do mesmo ano, Apoema Meirelles, o sertanista que fez o primeiro contato com os índios cinta larga nos anos 1960, e que era contrário à exploração de diamantes na Reserva Roosevelt, foi morto com dois tiros ao sair de um caixa eletrônico em Porto Velho, por um adolescente de classe média. Os dois casos são expressões do alto índice de criminalidade e violência da região (O Globo, 11/10/2004:5).
9. A classe média e média alta possui, em geral, sítios nas cercanias da cidade, onde familiares e amigos se reúnem em torno da piscina e do açude. Menos acessíveis, estas famílias procuram não se misturar com os inúmeros visitantes que invadem o parque no fim de semana.
10. Sintoma desta posição marginal de Pilon na arena política local foi sua cassação em março de 2005, após reeleição. Quem tomou o assento da prefeitura, na seqüência, foi Dedé de Melo, segundo colocado no pleito, e não a vice e o presidente da Câmara de vereadores, como rege a legislação. Os dois últimos eram aliados políticos de Pilon. A cassação se baseou em prática de "abuso econômico", pois Pilon incluiu na lista de funcionários públicos da prefeitura um advogado e um radialista não concursados. Os dois trabalharam na campanha que reelegeu o prefeito. Esta prática é irregular mas rotineira na política brasileira, pois significa uma retribuição "de favor" e demonstração de prestígio (Bezerra, 1999). Enquanto este "crime" era exemplarmente disciplinado em Guajará-Mirim, a imprensa nacional divulgava as fitas que o governador de Rondônia, Ivo Cassol (Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB), gravou com imagens dos deputados estaduais pedindo "mesada em dinheiro" e favores ao governador (maio de 2005).
11. Vale lembrar, novamente, que o Estado de Rondônia é aquele com maior porcentagem de evangélicos em sua população, com 24%, sendo que a maioria destes evangélicos é pentecostal, das denominações Assembléia de Deus e Igreja Congregacional (Censo 2000).
12. Em sua monografia de conclusão de curso de Ciências Sociais da UERJ, intitulada "Exu dos Ventos: religião afro-brasileira na mídia", Maria Clara F. Baltar (2004) mapeia este debate a partir de notícias do Jornal do Brasil, O Globo, Extra e O Dia.
13. São várias as indicações de que o temor do avanço do fundamentalismo no interior das várias tendências evangélicas no Brasil tem pouco fundamento. Mais especificamente, não se tem indício de qualquer tendência da proposta de formação de um Estado Religioso por parte deste segmento (cf. Burity e Machado, 2006).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Revista DADOS
Um comentário:
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A Salvação individual exige esforços conscientes e padecimentos voluntários.
O caminho foi dito por Jesus Cristo diversas vezes. E em uma de suas frases está muito bem resumido e sinalizado o nosso trabalho de transformação íntima que temos que realizar urgentemente.
Jesus, resume os 3 fatores na seguinte frase, em (Marcos, 8:34) "Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome sua cruz, e siga-me".
Esta é a doutrina síntese contida em todas as religiões.
Essa doutrina crística são os três fatores de revolução da consciência.
A fé sem obra é uma fé morta. (Tiago, 2:26).
Cabe agora a cada um de nós levar a sério esta doutrina, e sermos perseverantes, e pacientes neste trabalho de transformação íntima.
O caminho é este: trabalhar intensamente com os três fatores de revolução da consciência, citado pelo Grande Avatar Jesus Cristo.
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