Medicina prodigiosa, interessante e popular
Assis Silva
Está cientificamente provado que a flora brasileira é riquíssima e varia pelas suas propriedades medicinais.
As virtudes terapêuticas das nossas plantas constituem, naturalmente, meio de cura certo para a maioria dos males que afligem a gente simples dos sertões.
Ninguém desconhece o valor que esses vegetais representam pelas suas essências aromáticas e utilíssimas, para a botica ou farmácia, na manipulação ou fabrico de diversos medicamentos. Uns, pelas suas raízes, outros, pela folhas, flores e frutos, são valiosos e insubstituíveis. Os remédios baseados no emprego das plantas medicinais hão conseguido verdadeiros milagres para muitos doentes.
Quem não conhece, ainda, pelas feiras do interior nordestino, o raizeiro, vendedor de saúde, médico ambulante, a oferecer a todos, os produtos de sua especialidade? Pega-pinto, jalapa, ipeca, sementes, cascas, urucu, pós de plantas, sendo, ao mesmo tempo, curandeiro e negociante?
A esse tipo popular, chamem-no Mané da Raiz, Chico da Raiz, Pedro, Tião, Joaquim da Raiz, quando o modesto negócio não lhe corre favorável, costuma o raizeiro, adicionar ao seu pequeno comércio, outros objetos de venda, como sejam: colher de pau, figas, rapé, corrimboque, rosário de catolé, etc. Nessas feiras, é muito comum observar o freguês aproximar-se do bazar do charlatão e deste solicitar: Bote ai um mercado de cabeça de negro...
Assim, usam inúmeras meizinhas, além de se utilizarem das plantas para outras aplicações. Por exemplo:
Raspa de juá: Lavar a cabeça, em virtude de seu alto teor de saponina. Elimina a caspa tonifica o bulbo capilar aumentando o crescimento do cabelo.
Quina do mato: anti-febril.
Seiva de jatobá: tônico, expectorante e estomacal.
Rescaldo de cinzas: decocto de olho de tamarindo, para bolso inflamado, dor de dentes.
Cataplasmos de farinha: para tumores.
Macela: para desarranjos gastrontestinais.
Angico: para catarro no peito.
Jurubeba: Males hepáticos e renais.
Eucalipto (chá de folhas): febre e gripe.
Sabugueiro: anti-febril.
Quebra-pedra: depurativo.
Casca de romã: doenças da garganta em gargarejos.
Raiz de vassourinha: refresco.
Chá de folha de laranjeira: calmante.
Borra de café: serve para estancar hemorragias. Não o recomendamos por anti-higiênico.
Leite de mamão: para impinges.
Para citar outras meizinhas, lembramos ainda, a carrapateira, o capim-santo, cidreira, cebola, alho, pimenta, chá de folhas de mamão, folhas de fumo (para emplastros), etc.
Agrião: digestivo, estimulante e anti-escroiuloso.
Alface: contra a insônia.
Limão: febrífugo. Café com limão corta os resfriados. Ele tem vários empregos.
Aproveito o ensejo para transcrever neste modesto trabalho, interessante notícia, a propósito das miraculosas virtudes terapêuticas do limão, publicada em O Comércio de Mossoró, de 07 de agosto de 1904, sob o título Só sofre de reumatismo quem quiser! - Diversas. "Em uma correspondência do Porto (Portugal), lemos que os limões curam radicalmente o reumatismo e a gota, e até muitas doenças do estômago, intestinos e fígado. O tratamento é simples e cômodo. Começa-se por beber o sumo de um limão; no segundo dia toma-se o sumo de dois limões, e assim sucessivamente, até 25 limões, no vigésimo quinto dia de tratamento. Depois, vai-se diminuindo a dose de um limão por dia. O tratamento não exige dietas nem cuidados e os limões bebem-se pelo dia adiante, sem horas, nem espaços marcados."
A conclusão que se pode tirar dessa verdadeira limonada é a seguinte: ou o individuo ficaria completamente "azedo" ou se tornaria um "eunuco", segundo alguém, pelo abuso do suco do limão. Tratamento que só dá certo para quem pode dispor de um limoeiro carregado.
Mastruço: Para contusões interna e externa, fraqueza pulmonar.
Vejamos agora a importância do cajueiro (anacardium occidentale), segundo a Revista da Flora Medicinal (nº 1-6, Rio de Janeiro, janeiro-junho de 1941).
Resina: goma de cajueiro, é empregada como expectorante, depurativa e hemostática.
Raízes: Nas Antilhas são utilizadas, principalmente como purgativas, em clisteres.
Cascas: São usadas sob a forma de gargarejo e bochechos contra o escorbuto, feridas da boca, anginas e certas afecções da garganta.
Folhas: o decocto das folhas novas, mesmo em doses mínimas passa por ser um embriagante.
Flores: sob a forma de infusão são usadas como adstringente e tônico, devido ao tanino que encerram; excitante e afrodisíaco devido à sua base anacárdica.
Cardol: o óleo fixo, cardol, fornecido pela matéria esponjosa e celular da castanha, é aplicado externamente como cáustico e vesicante contra a lepra, lupus, acne, verrugas, eczemas e outras moléstias cutâneas, podendo produzir, entretanto erisipelas mui perigosas e de difícil tratamento e cura.
Castanha - A sua amêndoa é nutritiva, dotada de propriedades afrodisíacas, atribuindo-lhes, alguns, a propriedade de exaltar as faculdades intelectuais e desenvolver a memória, sendo empregada como tônico excitante e útil no tratamento da impotência e da debilidade.
Planta nativa da América, existem em abundância por estas terras.
Formas farmacêuticas
Limonadas: do pedúnculo ou hipocarpo, chamadas "cajuadas". Infusos de flores, cascas e raízes.
Decoctos: de cascas e folhas novas.
Xaropes: de suco.
Vinhos: de suco, com variegadas composições.
Vinagre: de suco fermentado.
Poções: com gumoresina de caju.
Gargarejos: de cascas.
Banhos: de cascas.
Clisteres: de raízes.
Tinturas: de castanha de caju ao quinto e de cardol ao meio e ao décimo.
Aguardente: de suco fermentado, chamada cajuína.
Extratos fluídos: de cascas.
As verduras e as frutas são ricas em vitaminas. A couve tem muito enxofre e beneficia os pulmões. A cebola é diurético. O alho é diurético e faz baixar a tensão arterial. O limão alcaliniza as urinas. O mamão faz bem ao estômago e aos intestinos. A laranja corrige a prisão de ventre, faz bem a quem tiver vertigens, dor de cabeça, insônia, nevralgia.
Mais xaropadas:
Erva-cidreira: aroma agradável, estimula os rins, elimina os catarros dos brônquios e da garganta, o resfriado.
Quebra-pedra ou erva pombinha, poderoso diurético.
Imburana: excitante, aromático e peitoral.
Ipecacuanha: vomitiva. Para disenteria e bronquite aguda.
Melão de São Caetano: nas febres palustres, nas cólicas do ventre e na influenza.
Velame: anti-sifilítico.
Cabacinha: Nas doenças infecciosas, inflamatórias, sinusites, e até, dizem, na apendicite (chamada doença de rico).
Sal amargo: É o purgativo mais generalizado. A sua eficácia é balutal. O óleo de rícino também é muito usado como purgante.
Para erupções na pele recomendam banhos de cozimento de folhas de veleme, mussambê, mufumbo, malvariso, etc., além de uma garrafada, para limpar o sangue. Para dor de dentes, prescrevem-se, ainda, reza forte, dente de cravo e sarro de cachimbo.
Para "puxado", fazem um chá em segredo. A vítima não tem o direito de saber qual a beberagem que toma, sob pena do remédio não dar bom resultado. Há poucos dias ouvi de um asmático que lhe aconselharam tomar uma "droga" infalível na cura do terrível mal. Revoltou-se porém, com o "amigo da onça", ao descobrir que havia tomado chá de areia do cemitério. Apesar do chá de pó de defuntos, não ficou bom. Uma velhinha, não sei para que, procurou de certo padre uma meia suja para nela coar um chá. O sacerdote mandou às favas a supersticiosa velhota.
Rezas, feitas com fé, curam: engasgo, mau-olhado, ramo, inchações, trilhadura de nervos (vapor de panela com água a ferver também serve para trilhaduras), espinhela caída, etc.
Teia de aranha, para estancar o sangue. É perigoso pelo pó que encerra. Pode dar tétano.
Terçol (pequeno tumor no bordo das pálpebras), para evitá-lo, primeiramente, esfrega-se o indicador na palma da mão até esquentá-lo, Depois, toca-se com a ponta do mesmo dedo o terçol, por três vezes, ao sol nato. Diz a tradição oral que ele aparece, geralmente na vista da pessoa que negou algo a uma mulher em estado interessante. Querendo livrar-se do incômodo, dizem, ainda, bota-se o terçol para uma viúva.
Impingem: o remédio é saliva recitando: "Jesus, Maria e José, cuspo de manhã em jejum, meizinha é".
Para mordida de raposa doida, banhos de água salgada.
Para picada de cobra venenosa onde há o "curador", este cospe dentro da boca da vítima, pois, a sua saliva tem a propriedade de destruir a ação do veneno. É seboso mas pode salvar uma vida. Nos sertões existe quem cure bicheira de animais na porteira do curral e quem os castre pelo rastro.
Crupe: À falta do médico, o sertanejo lança mão de extravagante processo para debelar o espantoso mal. Quando a vítima está no auge da sufocação, arranjam um sapo, atam-lhes os pés, e esfregam o couro da barriga do asqueroso batráquio, de encontro ao pescoço do doente, à altura da garganta (como fizeram com certa criança acometida de garrotilho).
A reação é imediata. Vem forte acesso de tosse. A pessoa, num esforço supremo, expele, bruscamente, a gosma endurecida que obstrui a garganta, com grande sensação de alívio. A criatura fica boa, porém, o cururu, solto no pátio, com a barriga avermelhada, esmorece e trata de morrer.
Rapé inalado pelo nariz "afrouxa" o catarro da cabeça, provocando o espirro, alivia a dor de cabeça.
Para não me tornar apático aos modernos esculápios, rendo, minha homenagem de admiração e de reconhecimento, também, à penicilina, às sulfas, à estreptomicina e à aureomicina que, ultimamente, vêm revolucionando o mundo médico norte americano.
(Silva, Assis. "Medicina prodigiosa, interessante e popular". O Bando. Natal, 10/11 de fevereiro de 1950)
http://www.jangadabrasil.com.br/revista/outubro129/pn12910.asp
Jangada Brasil
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