domingo, 8 de março de 2009

O Brasil é o país da impunidade? - parte 4


"É impossível ter uma sociedade íntegra na miséria"
Cláudio Weber Abramo

Depende do que se entende por impunidade. Stricto sensu, impunidade significa que alguém é declarado culpado de algo, tem a sentença transitada em julgado, e não é punido. Essa impunidade não existe no Brasil, numa freqüência considerável.

O que as pessoas normalmente consideram impunidade é na verdade uma família de situações em que alguém é mal visto (às vezes com toda a razão) porque está sendo processado. Apesar de suspeitas e dos processos, esse indivíduo não é julgado em última instância e não se lavra contra ele uma sentença. Então não chega a ser impunidade. Mas por que as pessoas ficam indignadas? Pelas circunstâncias que cercam o funcionamento do poder judiciário — que envolve não só os tribunais, mas todo o sistema, Ministério Público, Polícia, etc. Tudo isso funciona muito mal. Uma das razões é de natureza doutrinária, interpretativa, por parte dos magistrados. É uma característica do regime jurídico romano-germânico, e isso não vai mudar. Na Itália o Judiciário sofre do mesmíssimo tipo de problema: as interpretações variam, o que leva as instâncias superiores a serem muito assediadas.

A tentativa de criar a chamada súmula vinculante, que determina que mesmo um assunto tem que ser julgado da mesma maneira nas várias instâncias, é exatamente o que os advogados não querem. E por que não querem? É um problema essencialmente econômico, não tem nada de cultural: esses meliantes profissionais que andam pela política têm grana para pagar advogado. E advogado que consegue levar um processo ao STF custa caro. Não precisa chegar longe: um funcionário público federal metido em algo bastante pesado, desde que seja de classe média-alta, não será condenado porque pode pagar um bom advogado.

Outro problema é nosso Código de Processo Penal. Ele propicia infindáveis oportunidades para que os réus interponham recursos de toda natureza, em geral meramente formais, fazendo com que o processo não ande. O jornal O Globo publicou uma estimativa de que um processo comum tem 82 oportunidades de ser contestado, em suas várias etapas e instâncias.

Em qualquer lugar do mundo, é muito improvável que um rico vá para a cadeia. Afinal vivemos em um regime que privilegia o econômico, que favorece o capital, e isso se reflete em qualquer esfera da vida. O que existe nos outros países são medidas compensatórias, como agilizar processos e propiciar mais acesso à assistência jurídica para as camadas menos abastadas. No Brasil o camarada que furta um copo de iogurte pode cumprir pena de dois anos de prisão. Não recorre, sequer sabe que pode recorrer. Claro que, neste caso, a decisão em primeira instância foi absurda. E isso é efeito da atitude do julgador perante o pobre, sabemos como são os juízes. Como combater esse problema? Com um sistema que permita a análise interna e a revisão das sentenças desses juízes: verificar como é o desempenho desse cara.

Grande parte das mazelas do setor público não diz respeito a aspectos formais, à institucionalidade dos poderes. Tem a ver, sim, com gerenciamento, gestão. O descumprimento de uma norma não é um problema legal, é gerencial. E a Justiça é extraordinariamente inadimplente nessa área.

Na sociedade existem organizações que abordam o funcionamento do poder público, de acordo com seus interesses. Algumas tentam interferir na área judicial. Há grupos de mulheres contra a violência doméstica que têm alguma eficácia, por exemplo. Quando o interesse está bem formulado, se o pessoal for organizado e minimamente informado, pode influenciar. Na Transparência Brasil, trabalhamos pelo aperfeiçoamento da integridade do Estado, para que cumpra seus objetivos. Uma Secretaria de Saúde precisa propiciar administração de saúde, gastar dinheiro de forma eficiente. Nisso entra uma parte importante de nossa missão: o combate à corrupção. Para isso, tentamos construir mecanismos de monitoramento do Estado e melhorar o acesso à informação.

A solução passa por desenvolvimento econômico, pela diminuição das disparidades de renda. À medida que a sociedade produz mais riqueza e grupos de interesse se tornam mais fortes, eles vão combater, ainda que parcialmente, a ineficiência do estado. A venda de sentenças, por exemplo, é um grave problema que preocupa setor privado. No caso de uma cláusula contratual rompida, quando leva o caso para a Justiça, o empresário fica com a dúvida: será que a outra parte vai comprar o juiz? Isso é razoavelmente comum. Então o setor privado tem todo o interesse em pressionar o Judiciário. Não pressiona porque tem receio de agastar esse poder e ter prejuízo lá na frente. O setor privado tem, tradicionalmente, uma atitude conservadora. Isto está nas raízes antropológicas do Brasil: sempre houve pouca competitividade no setor privado, oligarquias influenciando a constituição das corporações, etc.

Também depende da região do país: o setor privado no Rio é decadente e reacionário, o gaúcho ainda mais. Se pensarmos do Sudeste para cima, então chegamos à África. É um abismo econômico enorme. Somada a economia da região sul, da região sudeste e da Bahia, temos 80% do PIB brasileiro. É impossível ter uma sociedade íntegra na miséria. Não dá. Como pode um aparelho de estado funcionar direito em Rondônia, em Sergipe? As oligarquias dominam a imprensa e a política, e como não há produção econômica, todo mundo depende do Estado.

Quando dizem “O que falta é educação”, eu pergunto: para quem? Não há demanda de mão-de-obra no mercado de trabalho. Nenhuma sociedade aplica na educação se não tem mercado de trabalho. Por isso a reforma da educação depende da reforma da economia.


Revista Nossa Historia

2 comentários:

Luna disse...

Não é só no Brasil, infelizmente é uma infestação esta a propagar-se
a outros países pelo menos falo por Portugal, não esta fácil ser-se
pessoas de bem pois é quem rouba, mata e por aí fora
que esta protegido
Bj

João Jacob Buchala disse...

Gosto muito do seu blog...
Parabens