por João Ferreira
As princesas Romanov, em 1906: (da esq. para a dir.) Olga, Tatiana, Marie e a famosa AnastásiaK.E. HAHN
Visitando uma exposição das jóias da coroa de Portugal no Palácio da Ajuda, em Lisboa, minha filha Teresa, então com 4 anos, puxou-me o braço e apontou um quadro que retratava, garboso, d. Miguel I (o irmão-inimigo de d. Pedro I do Brasil): “Olha, pai, o príncipe da Cinderela!”.
Recordo o fascínio da menina, resultado do filme da Disney, a propósito do deslumbramento pela monarquia que se nota hoje em várias Repúblicas. Reis, rainhas, príncipes e princesas enchem filmes e livros, e suas cabeças coroadas se tornam êxitos literários e de bilheteira.
A nostalgia da realeza perdida é uma moda alimentada pela reação às agruras do presente e por uma visão idealizada do passado. Uma espécie de memória coletiva seletiva, que privilegia o glamour dos bailes da corte e esquece a miséria, o atraso e até a tirania de algumas dessas monarquias que se prolongaram pelo século XX.
Não é por acaso que o “revivalismo” se faz sentir mais no antigo Bloco de Leste. Na Rússia, a “democracia musculada” dos herdeiros do comunismo ajuda a branquear a memória das iniqüidades dos czares e assistese à reabilitação formal de Nicolau II, acompanhada pelo sucesso do que faça lembrar o fausto dos Romanov. Os búlgaros foram além: em 2001, elegeram premiê o ex-rei Simeão, que tinham expulsado em 1946.
Já o destino trágico de Maria Antonieta é um exemplo da globalização da onda – mas a transformação da infeliz mulher de Luís XVI num ícone “pop” acaba por ficar a dever-se mais ao rosto de Kirsten Dunst e ao guarda-roupa do filme de Sofia Coppola do que à vontade de restaurar os Bourbon no trono de França.
O tempo dos reis foi muito lembrado no ano passado, no Brasil e em Portugal. No Brasil, comemorou-se o bicentenário da chegada da família real. A profusão de publicações e debates permitiu corrigir uma certa imagem caricatural de d. João VI, chamando a atenção para a faceta de estadista que lhe permitiu, num mundo “virado do avesso” por Napoleão, manter a coroa, garantir a independência de Portugal e criar condições para a viabilidade de um Brasil independente e unido.
O imperador d. Pedro II foi apresentado como uma figura acima da política, esquecendo-se que seu reinado foi algo impopular. Convém, no entanto, não esquecer que parte dessa impopularidade resultou da persistência que conduziu à abolição da escravatura.
Em Portugal, o centenário do Regicídio de 1908 foi assinalado pela edição de dezenas de livros e artigos sobre o assassinato do rei d. Carlos e do príncipe d. Luís Filipe, por debates na mídia e até por uma série televisiva. A opinião pública acompanhou, mas não se excitou, exceto um deputado esquerdista que, no Parlamento, protestou contra a presença de militares na homenagem ao rei assassinado.
Moral da história? Apenas a necessidade de alertar ainda e sempre contra o anacronismo. A memória descasada da história faz lembrar a canção de Sivuca e Chico Buarque.
João Ferreira é editor da revista portuguesa Notícias Sábado e pesquisador do Centro de História da Cultura da Universidade Nova de Lisboa. É autor de O jornalismo na emigração e Ideologia e política no correio braziliense
Revista Historia Viva
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