Enquanto os brasileiros redescobrem o encanto da História, muitas escolas tentam negar a necessidade e a importância desse conhecimento.
por Jaime Pinsky
por Jaime Pinsky
A História é a bola da vez. As melhores livrarias européias destinam algumas das melhores estantes e balcões a livros de história. Romances históricos estão entre os best-sellers no mundo todo. Revistas como História Viva têm cada vez mais sucesso. Até esportistas nos Jogos Olímpicos deixaram de "bater recordes" e passaram a "fazer história" na inadequada, mas sintomática expressão dos locutores esportivos.
O historiador está sendo cada vez mais valorizado, a informática e a internet facilitaram imensamente a parte mecânica do trabalho de investigação, profissionais são chamados para explicar o mundo na mídia. Já há historiadores trabalhando com planejamento urbano, com projetos turísticos, como consultores editoriais e empresariais. Ao mesmo tempo que isso ocorre, e de maneira contraditória, há um movimento em escolas, principalmente no ensino médio, que, no limite, tende a substituir o ensino de História por uma outra disciplina que eu chamaria de "realidade mundial".
Muitos professores têm abandonado tudo que aconteceu antes do século XIX, alegando não ser possível "dar tudo", daí terem de se concentrar no passado mais próximo, em detrimento do remoto. Claro que uma parte da responsabilidade disso cabe aos diretores (e, talvez, à própria sociedade), que a partir de um altamente discutível pragmatismo neoliberal diminuíram drasticamente o número de aulas de História. Eu não pouparia, contudo, muitos colegas que, em nome de um suposto "ensino crítico", acabam alienando seus próprios alunos ao não lhes dar oportunidade de adquirir uma visão mais abrangente de História.
Assim, nada de processo civilizatório, nada de monoteísmo ético dos hebreus (base do cristianismo), nada de filósofos gregos (base do pensamento ocidental), nada de direito romano (base do nosso), nada de Europa medieval, de Renascimento, de Mercantilismo e descobrimentos, nada de Bach e Mozart, de Dante e Camões. Eles acabam abrindo mão de conhecimentos fundamentais em troca de informações de importância duvidosa. E, mais grave, desistem de buscar uma aproximação dos alunos com o patrimônio cultural da humanidade. E qual é o papel do professor senão estabelecer uma articulação entre esse patrimônio e o universo cultural do aluno?
Ora, a presença do homem civilizado neste planeta tem poucos milhares de anos e tem causado terríveis males: destruímos sem dó a natureza, submetemos os mais fracos, matamos por atacado e a varejo, deixamos um terço da população mundial com fome, queimamos índios e por aí afora, mas não é só isso que fazemos.
Escrevemos poesia sublime, teatro envolvente e romances maravilhosos. Criamos deuses e categorias de pensamento complexos para compreender o que nos cerca. O professor de História não pode ficar preso apenas a modos de produção e de opressão (embora isso seja fundamental), mas pode e deve mostrar que tivemos o talento, graças à cultura que produzimos, de nos vestir melhor que os ursos, de construir casas melhores que o joão-de-barro, de combater melhor que o tigre, embora cada um de nós, seres humanos, tenha vindo ao mundo desprovido de pêlos espessos, asas ou garras. A aceleração do tempo histórico está deixando claro que devemos estar preparados para ocupar um espaço na sociedade globalizada.
A percepção do conjunto de movimentos que estão sendo executados no mundo exige, por parte dos nossos jovens, uma cultura que vai além da técnica. História neles.
Jaime Pinsky é historiador,editor, escritor e professor titular aposentado da Unicamp.
Revista Historia Viva
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