domingo, 1 de março de 2009

A mão invisível da CIA na União Européia

De 1949 a 1959, em plena Guerra Fria, a CIA despejou o equivalente a US$ 50 milhões em movimentos pró-europeus, dentre os quais o do britânico Winston Churchill e o do francês Henri Frenay. Seu objetivo? Conter o comunismo
por Rémi Kauffer
AGIP/RUE DES ARCHIVES

Truman e Churchill em 1952: a Cia financiou organizações criadas pelo líder britânico, que não queria tirar os recursos do seu próprio bolso

Em 1948, a Europa estava dividida em duas. Metade do continente havia aderido ao socialismo e a outra metade, que permanecia fiel ao capitalismo, vivia sob a ameaça de uma invasão total do Exército Vermelho. Um pequeno círculo de americanos lançou então as bases do Comitê para uma Europa Unida (American Committee for United Europe), o Acue, oficialmente criado em 5 de janeiro de 1949, na sede da Fundação Woodrow Wilson, em Nova York. Políticos, juristas, banqueiros e sindicalistas se misturavam no interior de seu conselho diretivo. Robert Paterson, o secretário da Guerra; Paul Hoffman, o chefe de administração do Plano Marshall (ver glossário); Lucius Clay, o administrador da zona de ocupação na Alemanha. Mas o principal do Acue eram os homens do serviço secreto e a outra sigla que estava por trás do comitê. A CIA, a Agência Central de Inteligência, criada em 15 de setembro de 1947 por uma lei de segurança nacional assinada pelo presidente Harry Truman, envolvida em uma história que revela como os americanos, no pós-guerra, apoiaram os movimentos que defendiam a unificação da Europa como antídoto contra Stalin.

Basta ver quem era seu presidente: William Donovan. Nascido em 1883 em Buffalo, o advogado irlando-americano conhecia bem a Europa. Em junho de 1942, criou o Office of Strategic Services (OSS), o serviço secreto americano da Segunda Guerra Mundial, que chefiaria até setembro de 1945, quando o órgão foi dissolvido. “Wild Bill” teceu relações privilegiadas com a CIA.

Outro importante membro do comitê era Allen Dulles, ex-membro do OSS e um dos redatores da lei que criou a CIA. Dulles acreditava que em matéria de ação clandestina, público e privado deveriam unir forças. Em 1950, reassumiria oficialmente uma posição no serviço secreto, e logo em seguida estava à frente da agência – de fevereiro de 1953 a setembro de 1961.
Surpreendente caldeirão, no comitê personalidades da alta sociedade e/ou do serviço secreto coabitavam com os dirigentes da poderosa central sindical American Federation of Labor, a AFL, com quem compartilhavam a aversão pelo comunismo.


AGIP/RUE DES ARCHIVES

Reunião do Conselho Europeu em 1952, com os chanceleres da Alemanha, Grã-Bretanha e França: integração da Europa seria "antídoto" contra Stalin

Para enfrentar a União Soviética, Washington desenvolveu dois conceitos-chave: a “contenção” e o Plano Marshall. A idéia da contenção foi desenvolvida por George Kennan, em julho de 1947: “O elemento maior da política dos Estados Unidos relativamente à União Soviética deve ser uma barreira, de longo prazo, paciente, mas firme, às tendências expansionistas russas”.

Quanto ao Plano Marshall, ele tem o nome de seu inventor, o general George Marshall, então ministro das Relações Exteriores do governo Truman. Ao oferecer ajuda na recuperação dos arruinados europeus, os Estados Unidos resolviam dois problemas. Puxar o tapete sob os pés dos partidos comunistas, através da melhora do nível de vida dos países atingidos e impedir sua própria indústria de mergulhar na decadência, abrindo as portas de novos mercados.

Para a dobradinha Marshall–Kennan, nada melhor como ferramenta do que a CIA. “Eles me chamam de pai da informação centralizada, mas eu preferia que eles se lembrassem de mim por causa de minha contribuição para a unificação da Europa”, suspirava Donovan, em outubro de 1952. Construir a Europa era preencher um vazio continental que tinha vantagens só para Stalin – em última instância, portanto, era proteger os Estados Unidos. Nos espírito dos homens da CIA, não havia nada de mais nobre do que uma ação clandestina a serviço da liberdade.

Enquanto isso, Winston Churchill, derrotado nas eleições legislativas de 1945, buscava a formação de um eixo anglo-franco-alemão, em uma “espécie de Estados Unidos da Europa”. Em maio de 1948, Duncan Sandys, seu genro, moldou o Congresso Europeanista de Haia sob medida para o sogro. E em outubro de 1948 Churchill criou o United European Movement – o Movimento Unido Europeu, do qual era o presidente de honra, ao lado de dois democratas-cristãos, o italiano Alcide de Gasperi e o alemão Konrad Adenauer, e de dois socialistas, o francês Léon Blum e o belga Paul-Henri Spaak.

Infelizmente para os “amigos americanos”, Churchill propôs objetivos europeus bastante limitados.


TAL/RUE DES ARCHIVES

O Exército Vermelho ocupa Berlim em 1945. O medo de uma invasão soviética assombrava a Europa Ocidental e seus aliados nos Estados Unidos

O Comitê e a tendência “federalista” de Henri Frenay queriam ir muito mais longe. Nos piores momentos da Segunda Guerra Mundial, Frenay, fundador do movimento da Resistência francesa Combat (ver glossário), concebeu a idéia de um continente unificado, com uma base supranacional. Em novembro de 1942, escreveu para De Gaulle que era preciso ir além da idéia de estado-nação: reconciliar-se com a Alemanha do pós-guerra e construir uma Europa federativa.

Com orientação de esquerda, a União Européia dos Federalistas, a UEF, foi criada em 1946. Frenay tornou-se o presidente do escritório executivo, secundado pelo ex-comunista italiano Altiero Spinelli e pelo austríaco Eugen Kogon. A CIA teria de optar então entre o velho leão inglês e o pioneiro da Resistência francesa.

A favor de Churchill contavam sua natureza de estadista, de aliado de guerra e sua preferência declarada pelos Estados Unidos; contra ele falavam sua recusa obstinada do modelo federalista, tão caro aos europeanistas americanos. Em março de 1949, Churchill se encontrou com Donovan, em Washington. Em junho, escreveu pedindo um aporte emergencial de recursos (pessoalmente muito rico, Churchill não tinha a menor intenção de recorrer ao próprio bolso). Comitê e CIA, a principal fornecedora de fundos, desbloquearam então uma primeira fatia, equivalente a pouco menos de 2 milhões de euros em valores atuais-, que permitiram “preparar” as primeiras reuniões do Conselho da Europa de Estrasburgo.

Para apoiar seus parceiros do Velho Continente, o Acue e a CIA montaram complexos circuitos financeiros. Os dólares do Tio Sam – equivalentes a 5 milhões de euros, entre 1949 e 1951, e depois o mesmo montante anualmente, na seqüência – vinham essencialmente de fundos alocados à CIA pelo Departamento de Estado americano. Em outubro de 1951, a volta de Churchill ao poder não interromperia o fluxo de dinheiro: entre 1949 e 1953 a CIA deu ao seu movimento o equivalente a mais de 15 milhões de euros, deixando a seus parceiros europeus a tarefa de redistribuir uma parte desse dinheiro a seus rivais da UEF.

Para Frenay, estava claro: a Europa federativa constituía então o único escudo eficaz contra o expansionismo comunista. A UEF não era rica. A saúde financeira viria do aliado americano? Sim, garantiam desde meados de 1950 os homens do Acue a um representante francês da UEF em visita a Nova York. De acordo com a posição oficial do governo americano, favorável à integração européia, sua ajuda não exigiria nenhuma contrapartida, política ou de outro tipo, condição sine qua non aos olhos de Frenay. A partir de novembro de 1950 o Acue financiaria com cerca de 600 mil euros uma das iniciativas mais significativas de Frenay e dos federalistas de esquerda: a criação, em Estrasburgo, de um Congresso dos Povos Europeus, também chamado de Comitê Europeu de Vigilância – em paralelo ao oficialíssimo Conselho da Europa de Churchill.

Para a CIA não eram os meios conservadores que precisavam ser convencidos, mas a esquerda anti-stalinista européia, da qual Frenay era um dos maiores representantes. Em 1952, o Acue financiou o efêmero Comitê de Iniciativa para a Assembléia Constituinte Européia, do qual Spaak seria presidente e Frenay secretário-geral. Por meio de fundações privadas mais ou menos fictícias, começou um procedimento de pagamentos aos federalistas de esquerda, por contatos paragovernamentais americanos.

Em 1958 a volta ao poder do general De Gaulle, radicalmente hostil às teses federalistas, aniquilou as últimas esperanças da UEF e de seus amigos americanos. À dissolução do Acue em maio de 1960, seguiu-se o fim dos financiamentos ocultos. Em 12 anos, a CIA pagou o equivalente a 50 milhões de euros. Sem jamais suas ações terem sido pegas em flagrante!

Rémi Kauffer é professor do Instituto de Estudos Políticos de Paris e membro do comitê editorial da revista Historia

Revista Historia Viva

Um comentário:

Café da Madrugada® Lipp & Van. disse...

Intenções e planos, por baixo do pano. Típica ação dessas organizações e autoridades.