Reunião em Casablanca decide próximos passos dos ocidentais - Rendição incondicional do Eixo é uma unanimidade - A abertura de um segundo front na Europa, velho sonho de Stalin, deverá ser postergada
'Como um casamento na polícia': o aperto de mão dos franceses diante de FDR e Churchill
A estada janeireira de "Mister P." e "Almirante Q." no Hotel Anfa, em Casablanca, no Marrocos francês, foi absolutamente tranqüila. Do dia 14 ao dia 23, nenhum deles foi importunado pela imprensa ou por curiosos em geral. Certamente as coisas teriam sido diferentes caso o forte e discreto esquema de segurança que isolou Winston Churchill e Franklin Delano Roosevelt - respectivamente "P." e "Q." - na citada hospedaria tivesse falhado de alguma forma. Como a camuflagem foi eficiente, os dois líderes aliados, ao lado de suas equipes militares e dos franceses Charles de Gaulle e Henri Giraud, puderam discutir calmamente durante nove dias o futuro dos Aliados nesta guerra que já entra em seu quarto ano. A balbúrdia se fez apenas no último dia, com a convocação de uma entrevista coletiva para anunciar os resultados e as conclusões do encontro; somente nessa oportunidade é que os jornalistas, embasbacados, tomaram conhecimento da presença de Churchill e Roosevelt.
Três pontos principais emergiram da reunião - da qual Stalin, envolvido com os acontecimentos em Stalingrado, não pôde comparecer. O primeiro deles foi o anúncio de que os Aliados fecharam questão em torno de uma "rendição incondicional" das forças do Eixo - o que significa que não haverá, no momento da rendição, nenhum pacto ou obrigação por parte dos Aliados. O inimigo será desarmado e os responsáveis por atrocidades e crimes de guerra serão levados a julgamento. "A política de não-comprometimento após a rendição não significa que faremos mal aos cidadãos comuns das nações do Eixo. Mas iremos, sim, punir seus líderes bárbaros, de acordo com sua culpa", explicou o presidente americano.
O segundo ponto diz respeito à abertura de um segundo front na Europa - mais precisamente, no Noroeste europeu -, idéia que vem sendo defendida há tempos por Stalin (e que Roosevelt e Churchill haviam lhe prometido tirar do papel antes do outono de 1943). Entretanto, ao que parece, o chefe soviético terá de esperar mais um pouco para vê-la em ação. Ainda que os Aliados reconheçam "o enorme peso da guerra que a Rússia carrega", tudo indica que Estados Unidos e Grã-Bretanha decidiram pela chamada Estratégia do Mediterrâneo, sustentada pelos ingleses. Aproveitando as vitórias conquistadas no fim de 1942 naquela região, o plano britânico consiste em aumentar a pressão no elo mais fraco dos inimigos - a Itália -, forçando os alemães a retirar forças do front oriental e das defesas do Noroeste da França para ajudar os italianos. Por esse esquema, uma invasão à Itália seria iminente. "O principal objetivo é tirar o máximo de peso possível das costas do Exército Vermelho, ao fazer o inimigo engajar-se maciçamente em árduas batalhas em pontos estrategicamente escolhidos", conclui o comunicado de Casablanca....
Casamento compulsório - Por último, a reunião ficará marcada pela primeira tentativa exitosa de aproximar os dois generais que têm falado em nome da França nos últimos anos. Charles de Gaulle, líder da França Livre, sediada em Londres, e Henri Giraud, baseado em Argel, finalmente se encontraram no Marrocos.
De Gaulle, maior símbolo da resistência francesa desde o colapso de 1940, detesta o conservador e anti-republicano Giraud. Só topou se encontrar com o conterrâneo depois de intensa pressão de Churchill. Já Giraud, que escapou de um campo de concentração alemão em abril de 1942 e tornou-se um herói em seu país - e um alvo prioritário da Gestapo desde então -, renega De Gaulle e sua auto-proclamação como líder único da França Livre, recusando-se a participar de operações militares conjuntas. O encontro de duas horas entre ambos não produziu uma conciliação imediata, mas ambos comprometeram-se ao menos a "se manter em contato".
Raposas velhas, Churchill e Roosevelt forçaram os desafetos a trocar um aperto de mão em público, diante de todos os jornalistas e fotógrafos. "Um casamento compulsório, ou 'na polícia', entre noivo e noiva", como definiu o primeiro-ministro britânico, com sua tradicional verve cômica. Mas que certamente ajudará a fortalecer a Grande Aliança, na saúde e na doença.
Revista Veja na História
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