o Congresso Pan-Africanista agrava a crise sul-africana. Agora
na clandestinidade, as duas agremiações têm destino incerto
Uma só causa, dois métodos distintos: manifestação antipasse do CPA realizada neste mês, na Cidade do Cabo
No pano de fundo dos episódios que geraram a rematada estupidez de Shaperville, levada a cabo pelas autoridades policiais com a complacência do governo, desenha-se um conflito com alto nível de tensão entre dois lados de uma mesma moeda. Com objetivos semelhantes, mas pensamento e modus operandi nem tanto, o Congresso Nacional Africano (CNA) e sua dissidência, o Congresso Pan-Africanista (CPA), concorrem acirradamente pela arregimentação de membros na custosa luta contra o apartheid. Tradicionalmente o maior bastião da resistência negra na África do Sul, o CNA está perdendo considerável terreno para o recém-fundado CPA, formado há um ano por membros africanistas descontentes com a falta de resultado dos protestos organizados pelo Congresso Nacional Africano.
Liderados por Robert Sobukwe, os africanistas – seguidores da ideologia de Tiyo Siga, África para os Africanos, segundo a qual o povo negro deveria determinar seu próprio futuro – reuniram-se sob uma nova associação visando realizar um maior número de ações em massa contra a discriminação. Além disso, no que talvez seja a principal diferença em relação à antiga tradição, os integrantes do Congresso Pan-Africanista opõem-se diametralmente à política do multirracialismo do CNA, que pressupõe uma agremiação composta por diferentes grupos. Nas palavras de Sobukwe: “O multirrracialismo é na verdade um salvo-conduto para a intolerância e a arrogância dos europeus. Trata-se de um método para preservar os interesses brancos, presumindo representação proporcional sem levar em conta os números da população. Nesse sentido, trata-se de uma completa negação da democracia”, sentencia o líder africanista. Para ele, aqueles que juntam-se ao CPA deveriam fazê-lo de forma individual, não-racial, unidos só pelo apoio ao movimento africano.
Não à toa, para angariar mais simpatizantes à causa, o Congresso Pan-Africanista decidiu anunciar sua manifestação contra os passes assim que a data da marcha do Congresso Nacional Africano foi definida. Para realizar o protesto com dez dias de antecedência em relação à ação do CNA, os africanistas tiveram um prazo curtíssimo de preparação: três dias, nos quais a idéia de convocar os negros a deixar os passes em casa e apresentar-se voluntariamente para a prisão foi espalhada por panfletos e no boca-a-boca. Agora, porém, pelo menos uma coisa une os dois grupos. Depois do massacre do dia 21 de março e o estado de emergência decretado pelo governo de Hendrik Verwoerd, tanto o Congresso Nacional Africano quanto o Congresso Pan-Africanista, ambos banidos e jogados na clandestinidade, encontram-se em uma encruzilhada.
O CPA, organizador do movimento que acabou em tragédia, se vê completamente acéfalo: toda a liderança da organização foi presa nos últimos dias, e seus seguidores ainda não sabem que rumo tomar. Sempre atuante desde sua formação oficial, em 1912, o CNA já vinha passando por momentos delicados, como o Julgamento da Traição, iniciado em dezembro de 1956, em que mais de 150 pessoas – negros, brancos, índios – foram presos e acusados de alta traição pelo governo da África do Sul. Nomes importantes do CNA como Nelson Mandela, inclusive, seguem encarcerados à espera de uma decisão da Justiça. O atual presidente do Congresso Nacional Africano, Albert Luthuli, mantém-se oposto à luta armada – mas seus seguidores já não mais acreditam que a não-violência os levará a conquistar seus objetivos. Os líderes negros ouvirão a voz do povo?
Revista Veja na História
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