As multifaces de "Através do Brasil"1
Claudefranklin Monteiro SantosI, 2; Terezinha Alves de OlivaII, 3
IFIJAV–SE
IIUFS
RESUMO
Este artigo enfoca diferentes aspectos de Através do Brasil, livro de leitura que sintetizou um ideal da pedagogia do início do século XX, comprometida com a implementação de uma conduta cívica para assegurar o fortalecimento da identidade nacional. O livro formou gerações de brasileiros transmitindo uma imagem otimista do país, sem cair no ufanismo exagerado que se verifica em obras contemporâneas do gênero.
Palavras-chave: Livro didático; Nacionalismo; Cultura escolar.
Durante mais de quarenta anos, escolas brasileiras em todo o país adotaram a leitura de Através do Brasil. Esse livro, publicado em 1910, foi escrito em parceria por Olavo Bilac e Manoel Bomfim. Várias parcerias literárias foram constituídas no período que vai do final do século XIX à primeira década do século XX para a escrita de livros didáticos. Assim, em 1886 apareceu o livro Contos Infantis de Adelina Lopes Vieira e Julia Lopes de Almeida; em 1892, Fausto Barreto e Vicente Souza publicaram Seleção Literária; no ano seguinte foi a vez de Ventura Bóscoli e Pacheco da Silva Jr, com Análise gramatical; em 1895, Fausto Barreto e Carlos de Laet, com Antologia Nacional; no mesmo ano, Pacheco da Silva Jr. e Lameira de Andrade, com Gramática da língua portuguesa. Em 1906, foi a vez da parceria de Sílvio Romero e João Ribeiro para o Compêndio de história da literatura brasileira; em 1909, Coelho Neto e Olavo Bilac escreveram Pátria brasileira; em 1911, Costa Cunha e Santos Sabino fizeram o Segundo livro de leitura enquanto Arnaldo Barreto e Romão Puiggari também escreveram o Segundo e terceiro livros de leitura. Olavo Bilac e Manoel Bomfim escreveram juntos três obras: o Livro de composição em 1899, o Livro de Leitura em 1901 e Através do Brasil em 1910.
Tantas parcerias importantes contribuíram também para a afirmação e a aceitação mercadológica de uma literatura infantil tida como genuinamente nacional. Marisa Lajolo destaca Olavo Bilac como um dos iniciadores do gênero no país. Ele publicou, sozinho ou em parceria com Coelho Neto ou com Manoel Bomfim, nada menos que sete títulos infantis ou didáticos entre 1899 e 1911. Ao tempo da escrita do Através do Brasil Manoel Bomfim era diretor da Instrução Pública no Distrito Federal, tendo nomeado Bilac como inspetor escolar. Ligados por uma sólida amizade e comungando das mesmas preocupações sobre a situação da educação no país, encararam com entusiasmo o trabalho de escrever livros para a escola primária. Na avaliação de Lajolo esses escritores tinham "a faca e o queijo na mão: além de uma edificante tarefa patriótica, uma promissora fonte de renda, assegurada pela facilidade com que seus livros seriam adotados".4
A escolarização da literatura infantil se dava, de qualquer forma, na própria gênese da obra, visto que os autores escreviam seus livros com um olho no público infantil e outro nas autoridades educacionais que poderiam abrir-lhes as portas das escolas, ambiente privilegiado ou, freqüentemente, único em que tais obras seriam lidas.
Olavo Bilac, por seu temperamento extrovertido, foi dos intelectuais da época o que mais colecionou companheirismos e parcerias. Assim, em 1882, no Rio de Janeiro teve início sua amizade com Alberto de Oliveira, na Faculdade de Medicina; em 1884, em Niterói, na casa de Alberto de Oliveira, o poeta pôde alimentar o convívio com Aluísio Azevedo, Artur Azevedo, Guimarães Passos, Raimundo Correia e Raul Pompéia. Já em 1886, no Rio de Janeiro, aconteceram os primeiros contatos com Machado de Assis; entre 1888 e 1890, residiu no Rio de Janeiro com Coelho Netto; nos anos seguintes, em Paris (França), conviveu com Eduardo Prado e Eça de Queirós; e em Ouro Preto (MG), com Afonso Arinos, Magalhães de Azeredo e Raimundo Correia. Do círculo de amizades de Manoel Bomfim, por sua vez, faziam parte: Alcindo Guanabara, Francisco Alves, Pinheiro Machado, Guimarães Passos, Humberto de Campos e, principalmente, Olavo Bilac.
O companheirismo unia fortemente muito desses intelectuais, que tinham reforçado seus laços de amizade em situações embaraçosas e difíceis de suas vidas. Em 1894, por exemplo, Bilac foi solto da prisão por intermédio do amigo Coelho Netto, que não mediu esforços para libertá-lo das garras da ditadura de Floriano Peixoto. Quando Manoel Bomfim foi convidado pelo prefeito do Rio de Janeiro, Francisco Furquim Werneck de Almeida, para ser subdiretor do Pedagogium (1896), contou com a colaboração do amigo Alcindo Guanabara, que o apresentou ao prefeito. É sabido que a introdução de Bomfim no campo jornalístico, especialmente no jornal O Correio do Povo, e até mesmo no meio intelectual carioca, também se deve à interferência daquele jornalista.
Botelho afirma que a parceria entre Bilac e Bomfim coroou uma amizade nascida por volta de 1888, quando, vindo da Bahia, este chegara ao Rio de Janeiro para concluir seus estudos na Faculdade de Medicina. Os dois amigos descobriram afinidades ideológicas, especialmente no que diz respeito à capacidade transformadora da educação,5 e estiveram juntos em momentos importantes. Aguiar atribui a Bomfim, por exemplo, a idéia da composição do hino dedicado à Bandeira Nacional, com letra de Olavo Bilac, sugerida ao prefeito Pereira Passos em 1906. O hino foi composto por Francisco Braga, tendo sido executado pela primeira vez em 19 de novembro do mesmo ano.6
A parceria do poeta carioca com o escritor sergipano na produção de livros didáticos serviu, na opinião de Alves Filho,7 para conferir àquele um certo reconhecimento como prosador que defendia posições nacionalistas, uma vez que é comum a atribuição de "poeta alienado" a Bilac, dado o teor ufanista dos seus poemas. Divergem, entretanto, as avaliações quanto aos resultados dessa parceria. Segundo Aguiar, o que moveu Olavo Bilac e Manoel Bomfim à união no projeto de escrever livros didáticos foi o patriotismo: "o sentimento de amor pela pátria, argamassa que sustentaria a nação brasileira".8 Por sua vez, Dimas, ao apresentar Bilac como o mais preocupado e atuante escritor na tarefa de catequese cívica e valorização do aprendizado escolar, chega a afirmar que a qualidade das suas obras se deve às parcerias, em especial à que foi estabelecida com Bomfim, que em Através do Brasil veio temperar o seu patriotismo exagerado.9
Tal constatação está presente também na ótica de Oliva, para quem Bomfim e Bilac, apesar de freqüentarem os mesmos ambientes e de terem sido parceiros, guardavam diferenças importantes. O primeiro, por exemplo, não se enquadrava na classificação dos literatos desencantados com o país e com a política. Para a autora, os textos de Bomfim "fogem à literatura ornamental, voltada à celebração e descomprometida dos problemas do país. Ao contrário, a confiança no futuro do Brasil e o compromisso com um programa que prepara esse futuro, constitui a marca e a obsessão da vida do escritor".10
A preeminência de Bomfim sobre Bilac em Através do Brasil, tal como é atribuída por Aguiar, se faria notar na descrição de cenários e personagens. Para esse autor, distinguia-os a vivência.11 Na época em que escreveram o livro, Bomfim, além de ter vivido em quatro diferentes estados brasileiros, já estivera na França, onde escreveu a sua obra mais famosa, A América Latina. Bilac, por sua vez, também era uma pessoa "viajada", não só pelo país, tendo residido em pelo menos três estados, mas acumulando a experiência de viagens internacionais. Por isso mesmo, teria de ser dado igualmente a Bilac o mérito da vivência.
Em comum, evidentemente, a dupla tinha um incomensurável amor pelo Brasil e por tudo que lhe dizia respeito. Patriotas de primeira categoria, dedicaram-se à educação animados por um extraordinário otimismo pedagógico, por uma fé no poder do conhecimento, associada, por vezes, à fé no engrandecimento moral do indivíduo pela educação.
O certo é que a afirmação dessa parceria possibilitou a produção de três livros, entre os quais um dos maiores sucessos editoriais entre os impressos destinados à escola, o Através do Brasil. Publicado em 1910 pela Editora Francisco Alves, trata-se de um livro de leitura, de caráter narrativo, destinado aos dois últimos anos das escolas primárias, o chamado "curso médio". Tal narrativa se desenvolve em torno de uma viagem, percorrendo todo o país, realizada por dois meninos gaúchos que estudavam num internato na cidade do Recife, Carlos e Alfredo, o primeiro de quinze e o segundo de dez anos. Sabedores de que seu pai, o engenheiro Meneses, a trabalho no interior do estado de Pernambuco, estava acometido de uma enfermidade, os garotos empreendem, em busca do pai, uma longa aventura que começa nesse estado e vai parar no Rio Grande do Sul.
Esse percurso pode ser dividido em sete momentos, todos eles repletos de aventura e muita emoção. A primeira parte cobre as cidades de Recife, Palmares e Garanhuns. A segunda e terceira partes se desenrolam entre os estados de Alagoas e Bahia, passando por cidades como Piranhas, Paulo Afonso, Jatobá, Boa Vista, Juazeiro e Petrolina. No transcurso da viagem, a notícia da morte de um engenheiro, confundido com o pai dos meninos, fez mudar os rumos da aventura, de tal forma que o quarto momento da narrativa segue em direção ao estado da Bahia, passando por Vila Nova, Serrinha, Alagoinhas e Salvador.
Notificados sobre a situação de orfandade dos meninos, os parentes do Rio Grande do Sul, dois tios e a avó paterna, providenciam a ida dos pequenos viajantes para aquela região. A quinta, sexta e sétima partes da viagem seguem por cidades como Vitória, Rio de Janeiro, Queluz, Lavrinhas, Cruzeiro, Cachoeira, Taubaté, São Paulo, Santos, Paranaguá, Rio Grande e Pelotas. No meio do trajeto, os meninos conhecem Juvêncio, um mulato da zona rural, típico mestiço, que tinha entre dezesseis e dezessete anos, órfão de pai e mãe. Inicia-se então uma amizade, concretizada em clima de muitas dificuldades e apertos. Essa personagem é responsável pelas peripécias mais instigantes da obra.
Enquanto os meninos seguiam em direção ao Sul, Bomfim e Bilac fazem Juvêncio encaminhar-se ao Norte do Brasil. A viagem do jovem sertanejo seguiu em direção a Manaus, passando por Aracaju, Maceió, Fortaleza, São Luís e Belém, a certa altura acompanhado por um marinheiro sergipano, de quem se tornara amigo. As várias peripécias encaminham os jovens para um grande final, em que se dá o reencontro do grupo no Rio Grande do Sul, quando Carlos e Alfredo tomam ciência de que seu pai estava vivo e se encaminhava, na companhia de Juvêncio, ao seu encontro.
Segundo estudiosos, dois livros didáticos europeus do século XIX teriam inspirado o Através do Brasil. O primeiro é um livro italiano cuja tradução foi adotada em escolas brasileiras: Cuore, de Edmundo de Amicis, jornalista, militar e escritor que nasceu e viveu em Oneglia (Itália) entre outubro de 1846 e março de 1908, considerado um dos escritores que mais decisivamente influenciaram as produções literárias infantis da Europa do século XIX. O segundo é Le Tour de La France par Deux Enfants, de G. Bruno, pseudônimo de Augustine Fouillé, escritora francesa, esposa do filósofo Alfred Fouillée. Para Lajolo, em comum, as duas obras teriam o propósito de discutir a idéia de identidade nacional em momentos de crise de suas respectivas sociedades, elemento que teria gerado em Bomfim e Bilac uma espécie de simpatia, levando a dupla a produzir, no início do século, um "similar nacional" daqueles livros.12
Cuore (Coração), é livro destinado particularmente aos meninos das escolas primárias com idades entre nove e treze anos. Apresenta dez capítulos, os quais são intitulados com os nomes dos meses do ano. Escrita na primeira e na terceira pessoas, destaca o aspecto descritivo sobre o narrativo, com a utilização de diálogos.
Trata-se da história do menino Enrico que, em forma de diário, vai escrevendo suas impressões sobre a vida e os fatos vividos no ambiente escolar. A obra investe maciçamente em princípios e valores morais: a amizade, a solidariedade, o respeito às tradições, o heroísmo, o perdão.
O livro destaca três elementos como imprescindíveis para a concretização do processo educativo: o professor, o ato de estudar e a escola. A ênfase na importância do professor é flagrante na narrativa. Ele é mostrado, principalmente, como companheiro e disciplinador dos alunos. O estudo é destacado como ferramenta indispensável para a superação do estágio de brutalidade inicial do homem; é também visto como estratégia para retirar a criança da pobreza e da vadiagem, além de ser encarado como uma atividade quase que militar. Finalmente, a escola assume um papel decisivo e marcante; uma espécie de cordão umbilical liga o lar àquele que é o primeiro ambiente social da criança.
A família sobressai como elemento aglutinador. Por toda a obra, pais e filhos se põem a conversar, ora num tom mais duro, ora num tom de companheirismo. Várias vezes o autor evidencia o problema das crianças pobres e órfãs, deixando transparecer sua indignação e ao mesmo tempo sua preocupação com essa questão social.
O nacionalismo é a marca da obra italiana, fundamentado em lições de geografia e história da Itália. Nesse sentido uma passagem chama particularmente a atenção. Os amigos de Enrico - Derossi, Coretti, Nelli e Gobbino - vão à sua casa para estudar. Num certo momento, fecham os olhos e vêem toda a Itália, localizando lugares (prédios e paisagens) e personagens da história (heróis) do país.
Finalmente, merece destaque o tom épico e emotivo assumido pela obra em vários momentos, dos quais podem ser destacados três, em especial: um quando uma criança salva outra de um afogamento, sendo mais tarde condecorada; outro, por ocasião de um incêndio em que se destaca a bravura e a coragem dos bombeiros, exemplos de amor e dedicação pelos semelhantes; e finalmente, quando Enrico se despede da escola ao concluir os estudos.
Por sua vez, Le Tour de La France par Deux Enfants (Viagem ao redor da França por duas crianças), publicado em 1877 pelas edições Eugene Belin, é considerado um dos maiores sucessos da literatura educacional de todos os tempos. A prova disso são as várias centenas de edições (chegando a atingir um total de mais de seis milhões de cópias vendidas) sempre em fac-símile. É um livro de leitura, com 212 gravuras instrutivas para as lições de coisas e 19 cartões de geografia.
Seu objetivo não é apenas a utilização como meio para a prática de leitura entre as crianças do curso médio, mas quer também fornecer subsídios para outras disciplinas, como história, geografia, ciências e instrução moral e cívica. Todos os capítulos começam com uma máxima, um preceito de conduta, e se organizam ao redor de um tema principal relativo aos outros assuntos.
No contexto posterior à derrota sofrida pela França na Guerra Franco-Prussiana (1871), dois órfãos de 14 e 7 anos, André e Julien Volden, vivendo em Phalsbourg (nas proximidades da Alsácia e da Lorena, parcialmente anexadas pela Alemanha vitoriosa), partem em busca do tio Frantz, que vivia em Marselha, desejosos de ajuda para adquirir a nacionalidade francesa. É o pretexto para uma viagem que, como o título indica, será uma excursão pela França, passando por Epinal, Besançon, Lyon, Clermont-Ferrand, Marselha, Toulouse, Bordéus, Dunkerque, Lille, Reims e Paris. Usando cavalos, barco e trem, os dois heróis descobrem as paisagens e as atividades das regiões francesas, a história das grandes figuras do país e as qualidades de sua gente, exaltando o orgulho nacional na diversidade das províncias. Eles fazem da viagem um treinamento de coragem e de perseverança, cultivam e fortalecem as virtudes nacionais, o senso do dever e o do amor à pátria. De modo geral, a obra prega valores como ordem, senso do dever, economia, submissão à classe dominante e, especialmente, o gosto pelo trabalho consciencioso.
Consideradas em conjunto, a obra italiana e a francesa, no fundo, representaram paradigmas para a confecção dos livros de leitura das primeiras décadas do século XX no Brasil. Basicamente predominou neles e, necessariamente, em Através do Brasil, a estrutura do romance de formação, caracterizado geralmente pela narração da aprendizagem de um (ou uma) protagonista.
Segundo Botelho, vários teóricos buscaram estabelecer passos do enredo necessários para a escritura de um Bildungsroman,13 buscando uma caracterização que lhe conferisse não somente o estatuto de obra literária, como também o de obra didática. Para isso, determinou-se o estabelecimento dos seguintes critérios: um romance de formação deve iniciar ou girar em torno de um ou mais protagonistas; deve contar com uma viagem, um deslocamento de espaço como estratégia pedagógica; o protagonista deve entrar em conflito com o pai ou outro elemento de parentesco ou não, configurando um conflito de gerações que, pelo contraste, ajuda a estabelecer a identidade do jovem; no mínimo, ele deve passar por duas situações, uma de revés e outra benéfica, que garanta um aprendizado profissional que deve conduzir o protagonista à descoberta de sua verdadeira vocação.
Vê-se que na maioria dos elementos apontados o livro de Bomfim e Bilac ajusta-se à categoria do "romance de formação", nele não tendo ênfase, porém, o elemento do conflito. Afinal, quando este é anunciado, resolve-se quase sempre pela fuga, tal como a fuga dos meninos do Colégio ou a fuga de Juvêncio das garras de um padrasto mau e cruel.
O texto é dividido em 82 capítulos. A expressão lingüística da narrativa é homogênea. O narrador, os protagonistas e o restante das personagens falam a mesma linguagem. Nesse sentido, percebe-se claramente o toque de Bilac e sua preocupação com a unidade lingüística do Brasil.
Quanto à redação da narrativa, faz parte da preocupação dos autores escrever de tal forma que o texto possa se tornar acessível ao pequeno leitor. Ainda assim, têm o cuidado de colocar no final do livro um vocabulário com algumas expressões que porventura pudessem trazer dificuldades. O livro está escrito na terceira pessoa, com utilização de diálogos. Evidentemente, a linguagem é clara e acessível, considerando que foi escrita para desenvolver o hábito da leitura. A narrativa desenrola-se tranqüilamente e sem sobressaltos, mantendo um elo coerente por toda sua extensão, procurando prender a atenção do leitor e despertar, a todo momento, a sua curiosidade.
Um elemento que chama a atenção é o conteúdo iconográfico de Através do Brasil. Para analisá-lo, é necessário fazer algumas considerações. Tendo em vista a difícil definição do termo, visto estar ligado também à idéia de representação social, a imagem é considerada, neste texto, como forma visual e não-verbal de representação e como configuração final de um produto dado a ver ou ler. O termo abarca, também, diversas formas de ilustração, quais sejam, o desenho, a fotografia e a reprodução de recursos pictográficos, entre outros, além da idéia de que um texto também pode constituir-se como imagem.
Do ponto de vista de alguns processos de significação, os estudos históricos sobre a utilização de diversos tipos de impressos, entre os séculos XV e XIX, tais como livros religiosos, cartazes, panfletos e literatura de cordel, entre outros, demonstram diferentes funções que podem cumprir as imagens, assim como as várias ligações que estas podem estabelecer com o texto escrito. Relatando posições conceituais e metodológicas do conjunto de estudos sobre as utilizações dos objetos impressos que circularam naquele período, Roger Chartier ressalta que a imagem é, muitas vezes, uma proposta de protocolo de leitura, sugerindo ao leitor uma completa compreensão do texto, o seu justo significado.
Bittencourt destaca a importância que a imagem adquiriu nos últimos anos como instrumento pedagógico e propõe a reflexão sobre as ilustrações dos livros didáticos, levantando duas questões norteadoras do estudo: 1) como se realiza a leitura de imagens nos livros didáticos? 2) as imagens nos livros complementam os textos ou servem apenas como ilustrações que visam tornar as páginas mais atrativas para os jovens?14 A autora ainda propõe um método para a análise das imagens em livros didáticos que compreende quatro passos: separar a ilustração do texto; fazer uma leitura interna (especificando seu conteúdo); fazer uma leitura externa (vendo como ele se apresenta) e, finalmente, fazer uma comparação com outras imagens.
Cavalcanti lembra que o ato de ver imagens não deve ser encarado como algo solto. Para esta autora, a imagem antecipa a aprendizagem pela leitura, através de uma espécie de "alfabetização visual". Desse modo, a ilustração nos livros didáticos quer mostrar mais do que se vê.15 Esta afirmativa também está presente em Fraifeld & Azevedo, para os quais a imagem é dotada de um poder mágico, capaz de despertar emoções antes mesmo que se compreenda racionalmente o que a retina consegue captar.16
De modo geral, os autores chamam a atenção para o fato de que qualquer leitura de ilustrações usadas em livros didáticos deve levar em consideração a sua utilidade como peça ilustrativa ou como objeto que visa atender a um fim pedagógico. Por isso é importante levar em consideração a evolução das técnicas gráficas e as transformações e caracterização dos tipos de iconografia.
Segundo Fonseca, a importância das ilustrações nos livros didáticos produzidos nas primeiras décadas do século XX no Brasil estava ligada à idéia de que dariam aos textos um grau de "veracidade"; serviriam assim, de "registros visuais" das narrativas, especialmente as de cunho histórico.17
Na nota introdutória ao livro Através do Brasil, Bomfim e Bilac afirmam que as ilustrações servem como pretexto para mostrar a realidade. Nesse sentido, procuram construir uma coerência entre o mostrado (imagem) e o dito (texto). A primeira edição do livro apresenta um conteúdo iconográfico vasto e variado, distribuído por seus 82 capítulos. Dispõe de 68 ilustrações, divididas entre fotografias, cartões postais e desenhos. Sem a pretensão de uma análise mais profunda das ilustrações, faz-se delas, aqui, uma descrição e observações.
Os cartões somam um total de 26 unidades, correspondendo a 38,2% das ilustrações. No geral, destacam aspectos das mais distintas regiões do Brasil, variando entre paisagens naturais e urbanas, trazendo raramente a presença humana. Vê-se aí uma espécie de preocupação com o aspecto monumental; a idéia de grandeza, de esplendor até, domina as cenas, cultivando a idéia de um país majestoso. Nesse sentido, o leitor é levado a fazer associações, aprendendo a captar a realidade pela força da imagem.
As fotografias correspondem a 36,8% das ilustrações. As 25 imagens priorizam cenas do cotidiano brasileiro, mostrando várias facetas do Brasil: tipos humanos, dos índios guaranis à figura do gaúcho; momentos da economia brasileira e cenas pitorescas. Aqui, uma outra idéia está claramente presente: a do homem brasileiro como um ser trabalhador, capaz de superar desafios por meio de suas próprias forças. Além disso, mostra e evidencia as possibilidades do território brasileiro, centradas necessariamente nas riquezas naturais e na sua gente.
Os desenhos correspondem a um total de 17 unidades, equivalendo a exatos 25% do total. Eles são identificados com uma certa facilidade, embora algumas vezes possam ser confundidos com as fotografias e com os postais. Muito bem elaborados, os temas são variados.
Quanto ao tamanho e à forma, as 68 ilustrações não seguem nenhum padrão. A forma retangular, tanto horizontal como vertical, é quase absoluta, seguida da quadrada e de apenas um exemplo de forma arredondada: a imagem de uma jangada, à página 225. As medidas variam entre 3,9 x 9,4 cm e 10,1 x 6 cm. A largura de 8,9 cm é a mais freqüente, ocorrendo treze vezes.
As ilustrações são posicionadas no transcorrer da narrativa, normalmente intercalando o relato. Percebe-se, à medida que vão aparecendo, uma efetiva coerência entre o texto escrito e o texto iconográfico. Como já foi visto, o aspecto lúdico é deixado de lado. Todas as imagens são de cenas reais do Brasil, conforme o proposto pelos autores na introdução. As imagens são austeras, com um certo excesso de realismo em se tratando de uma obra dirigida para crianças, férteis em imaginação e criatividade.
Nenhuma das ilustrações é atribuída a um autor determinado, mesmo os desenhos. Embora haja, entre os estudiosos de Manoel Bomfim, referências à sua habilidade com o desenho, nada se diz sobre quem teria feito os desenhos de Através do Brasil. Essa ausência (não se sabe se intencional ou não) faz que se perca a noção de quem os fez, em que época, com que detalhes técnicos, mesmo porque eles não aparecem como construção de um acontecimento, mas como fragmentos da realidade.
No que diz respeito à apresentação e aos aspectos tipográficos da obra, aqui foram utilizadas instruções presentes nas observações de Munakata,18 especialmente quanto à análise de recursos gráficos como caracteres e espaçamentos.
Inicialmente percebe-se que a capa da primeira edição do livro é rígida, medindo 28 cm de altura por 12 cm de largura, seguindo um padrão típico da época. Apresenta 328 páginas para a narrativa e 12 para o vocabulário. Traz as informações básicas - título, gênero, a quem se dirige, os nomes dos autores, da editora e ano de edição. Apenas o título, Atravez do Brazil, se destaca dos demais caracteres, com letras graúdas, medindo 0,8 cm, ao passo que suas maiúsculas atingem 1 cm. Os demais caracteres variam entre 0,3 cm (as minúsculas) e 0,5 cm (as maiúsculas), com espaçamentos de 1 a 2,5 cm entre as linhas.
Na parte superior, do lado direito, aparece o número da página, medindo 0,3 cm, e o título do livro, com letras maiúsculas de mesma dimensão - separados por uma linha horizontal; do lado esquerdo, o título do capítulo e o número da página, com as mesmas medidas e características.
Os títulos dos capítulos são numerados com algarismos romanos e se apresentam com letras maiúsculas em negrito, medindo 0,3 cm. O número do capítulo é separado do título em 0,8 cm e do alto da folha em 2,8 cm. Por sua vez, o título é separado do texto, também, em 0,8 cm. Ambos estão centralizados na página.
Quanto ao texto, este se apresenta disposto no centro da página, com margens de 1,5 cm tanto do lado esquerdo como do direito, e com 2 cm na parte inferior e na superior. Os parágrafos são compactos, com espaçamento de 0,1 cm e recuados da margem em 0,5 cm. O espaçamento das linhas é semelhante ao dos parágrafos: 0,1 cm. As letras apresentam o corpo médio entre 0,4 cm e 0,25 cm, medidas correspondentes hoje à fonte tamanho 14, tanto maiúscula quanto minúscula, da família romana.
De modo geral, graficamente o livro oferece um bom impacto visual, passando a idéia de organização e sobriedade, não se distanciando muito do padrão da época para aquele tipo de literatura.
A obra foi editada e publicada em 1910 pela Editora Francisco Alves, numa época em que parte significativa da edição dos livros brasileiros era impressa na França. Circulou durante mais de meio século no ambiente escolar. Numa população de 20.215.000 pessoas, seu público específico correspondia a 3,15%, num total de 638.378 alunos matriculados no curso Médio das Escolas Primárias.19
Tais números, considerando que quase 80% da população era analfabeta, demonstram o peso que esse público consumidor passou a ter para os editores da época. Segundo dados da Editora Francisco Alves, em sua primeira edição o Através do Brasil teve uma tiragem de quatro mil exemplares, seguida de uma segunda edição em 1913, com a mesma quantidade. Considerando as duas primeiras tiragens, chega-se à conclusão de que o livro atendeu a 1,25% do público escolar daquela época, o que não deixa de ser uma significativa fatia do mercado consumidor, dado não ser ele o único produto daquela natureza.
Com 66 edições, Através do Brasil perdurou como texto adotado nas escolas por mais de seis décadas. Algumas dessas edições puderam ser identificadas e são aqui enumeradas: 1913 (2ª edição); 1921 (7ª); 1937 (30ª); 1948 (36ª); 1953 (40ª); 1958 (43ª) e 1959 (44ª edição). Em 1965 o livro deixou de editado. A considerar os dados aqui apresentados, calcula-se, por alto, uma quantidade de mais de meio milhão de exemplares vendidos. A dificuldade no acesso a todas as edições impossibilitou um paralelo analítico entre elas.
A obra foi reeditada em 2000, pela Companhia das Letras, tornando-se então especificamente um objeto de memória. Mas essa edição privilegiou apenas o texto escrito, eliminando inteiramente a iconografia e as características gráficas anteriores. Suprimiu capítulos, modificou títulos, acrescentou outros e suprimiu partes do texto da primeira edição. Tais modificações ocorreram em função de a organizadora ter tomado como base a 43ª edição. Por isso, Moura aconselha que se procure, em qualquer análise sobre o livro Através do Brasil, recorrer à primeira edição (como o que neste texto se faz), pelo fato de muita coisa ter sido alterada entre aquela e a mais recente edição.20 Entretanto, é justo destacar a preocupação da organizadora em reavivar a obra, despertando na atualidade o interesse por conhecê-la e estudá-la, como um importante e imprescindível documento da história da educação brasileira e da história do livro didático.
Restam, agora, observações sobre os aspectos internos da obra. Para tanto é preciso partir da nota introdutória intitulada "Advertência e Explicação", em que Bomfim e Bilac expõem algumas das razões da confecção do livro destinado às primeiras séries das escolas primárias, enfatizando elementos que constituem os fios condutores da narrativa. Inicialmente os autores falam de uma exigência ou fórmula pedagógica da época, a de que as primeiras classes do ensino primário não deveriam ter outro livro que não fosse o de leitura. Nesse sentido, acreditam que o Através do Brasil corresponderia a tal exigência.
Em seguida, destacam a necessidade de ensinar à criança noções gerais do conhecimento humano, de forma que não se incorresse no erro de cair num enciclopedismo pedagógico, repassando conceitos dispersos e sem coerência. Criticam esse tipo de prática que em geral dominava a produção de livros didáticos da época, os quais consideram "amontoados didacticos, sem unidade e sem nexo, atravez de cujas paginas insípidas se desorienta e perde a intelligencia da criança...".21
Mostram-se os autores preocupados com a adequação dos ensinamentos às necessidades da criança, às características da sua psicologia, acompanhando pari passu as fases do seu crescimento, sem queimar etapas. O propósito era produzir um livro para crianças respeitando as suas individualidades. Para tanto vêem no professor a figura essencial na tarefa de ministrar as noções gerais do conhecimento humano. Segundo eles não é ao livro que deve ser atribuído esse papel, pois é o professor quem ensina. Assim o livro didático é visto como um ingrediente que ajuda na concretização do processo de ensino-aprendizagem, mas há a consciência de que de nada vale a existência de um livro didático extraordinário, sem um professor extraordinário.
Além disso, o livro deve conter lições, "uma grande lição", no aspecto moral do termo. Daí o tom dramático da narrativa, especialmente no primeiro momento da história, uma estratégia dos autores para despertar o interesse inicial e imediato da criança, penetrando o quanto possível em seu sentimento.
Bomfim e Bilac enfatizam a importância da família. Aqui se percebe claramente o conceito tradicional de família, com sua composição modelar. Disso se depreende a importância conferida ao lar, que assume na educação da criança um papel fundamental, levando-se em consideração a harmonia familiar como pré-requisito para uma boa conduta moral, conseqüentemente social.
Postas essas observações, o que se pretende na seqüência é procurar percebê-las no corpo da narrativa, buscando não só interpretar e analisar o conteúdo da obra, como também verificar se os autores se mostram coerentes com o proposto na Introdução.
Merece destaque em Através do Brasil a ligação de elementos da narrativa com a biografia dos autores. Aguiar ressalta que algumas das personagens da obra, como Juvêncio, por exemplo, inspiram-se em figuras que fizeram parte da infância e da adolescência de Manoel Bomfim. O biógrafo do escritor sergipano chega a afirmar que a obra serviu como uma espécie de "exercício de saudade", em que os autores procuram registrar cenas de sua mocidade.22 Mas ele identifica, predominantemente, a presença de elementos biográficos de Bomfim. Referências de Bilac são raríssimas.
As personagens infantis ora assumem posturas típicas de crianças (despreocupadas, alegres e traquinas), ora portam-se como se fossem miniaturas de adultos. As características atribuídas a Carlos (o mais velho, o "chefe da família") são necessariamente as de um adulto. Seguidas vezes no transcorrer da narrativa, especialmente com Carlos, o leitor vê a criança posta diante do impacto da responsabilidade, em contato com a dureza da realidade, esquecida de atitudes que seriam próprias da infância.
E assim acontece com freqüência. Em alguns momentos, os irmãos portam-se com uma maturidade que escapa à própria idade. Dois deles merecem destaque. Primeiro, sendo personagens típicas de camadas médias da sociedade, passam por dificuldades na hora de viajar em busca do pai doente. A dificuldade de arrumar dinheiro leva os garotos a venderem os próprios relógios.23 Mais tarde, diante da situação de terem ficado órfãos, depois de saberem da suposta morte do pai, demonstram controle e força de espírito para seguirem firmes. Outra personagem que revela, também uma maturidade precoce é o garoto Juvêncio. Chega a servir como exemplo de fortaleza para Carlos e Alfredo, demonstrando sabedoria e esperteza nas situações em que se envolve, como na passagem em que tem de se defender da acusação de ser ladrão de cavalos.24
A presença feminina é raridade na obra. Das 65 personagens de Através do Brasil, 53 (81,6%) delas são do sexo masculino e 12 (18,4%) do sexo feminino. Aos homens são atribuídos os principais papéis: Carlos, Alfredo (protagonistas) e Juvêncio (coadjuvante). As mulheres são apresentadas de forma muito secundária, geralmente identificadas sem nome (a mãe dos meninos, por exemplo), só pelas características ou funções, quase sempre inferiores. Quando não são mostradas em condutas estereotipadas - cândidas, prendadas, amantíssimas, simples e ingênuas -, aparecem na condição de velhas, amargas, pobres e faladoras. Somente no capítulo 31 há uma mulher com nome próprio: Maria das Dores, uma das poucas personagens femininas marcantes. Num dado momento da viagem dos meninos ela é a irmã que não tiveram, servindo de enfermeira para Alfredo, quando este adoece.
Nesse sentido, percebe-se que o livro didático reproduz a discriminação sexual existente na sociedade e vai além. Ele cria sua própria maneira de reforçar os papéis tradicionais que são atribuídos a homens e mulheres. O caráter repressor da escola fortalece os componentes de passividade que as meninas aprendem em todas as situações sociais. Às mulheres ficam reservadas as tarefas domésticas ou, no máximo, as "profissões femininas", mais desvalorizadas, quando trabalham fora. Aos homens estão destinados outros papéis, envolvendo ação, lazer, negócios. Seu universo é a rua, o mundo exterior à casa, que é considerada universo preferencial da mulher.
No aspecto social, é possível identificar algumas facetas marcantes na obra. Inicialmente a aparição de uma africana, nos capítulos 3 e 4, chama a atenção pelo que permite refletir. Os autores enfatizam três características na personagem: pobre, preta e velha. Tais adjetivos permitem fazer algumas observações. Primeiramente, a condição de pobreza da personagem em questão denuncia a situação de falta de assistência, pelo Estado, aos negros no pós-abolição; em seguida, a cor aparece como estigma de diferenciação étnico-social, enquanto a velhice é contraponto de novo e moderno. Além disso, há a condição de analfabeta (embora os autores não deixem entrever isso pela linguagem, que segue o padrão da norma culta). Observe-se que o tratamento dispensado pela mulher a Carlos, o mais velho dos meninos, é o de "Yô" (Senhor), expressão que por si só denota, também, uma condição de subserviência e respeito ao elemento branco do sexo masculino.
Duas particularidades referentes a essa personagem merecem atenção. A amizade que se forma entre os meninos e a negra africana descrita no quarto capítulo simboliza a idéia da convivência pacífica entre as raças, ideal que será retomado mais tarde por Gilberto Freyre, na construção da democracia racial. Tal amizade também vem enfatizar o papel da mulher. A "maternidade" da negra africana se manifesta nos cuidados dispensados aos meninos no seu primeiro contato com o mundo. Se Maria das Dores foi a irmã que não tiveram, a negra africana, por uns instantes, veio atenuar a ausência da saudosa mãe.
A obra sugere, portanto, um Brasil ideal, escamoteando o fosso existente entre as categorias sociais ou simplesmente negando-o sob a ótica da idealização da convivência fraterna.
Além dos negros, os indígenas aparecem no livro, no capítulo 6. Apesar de procurarem realçar a sua importância para a formação do espírito e para a identidade nacional, Bomfim e Bilac ainda rechaçam o que, ao seu ponto de vista, parece bárbaro, indigno dos primeiros habitantes: "Alfredo ouvia com grande attenção ao que o irmão lhe dizia. Mas não lhe saía da cabeça, particularmente, a idéia horrível dos banquetes de carne humana".25
A essa altura, vale ressaltar o papel da família, que se apresenta como recorrente na obra. A valorização do amor fraterno é essencial para a constituição desse pequeno núcleo social. Por diversas vezes, Carlos relembra as orientações do pai quanto a se manter unido ao irmão, bem como a respeitá-lo e zelar por ele. A relação dos meninos com os pais em Através do Brasil faz lembrar a do menino Enrico, personagem principal do livro italiano Cuore, com seus pais. O sr. Meneses era, para Carlos e Alfredo, "simples e affectuoso, preferindo ser attendido e amado a ser obedecido e temido. Não castigava nunca os filhos: era para elles um amigo, um camarada, um companheiro".26 Note-se que essa camaradagem entre pai e filhos denota a idéia de que a família em Bomfim e Bilac era uma espécie de porto seguro, de referência central, mas a antiga imagem do patriarca dominador é suavizada.
Através do Brasil também se mostra um livro modelar nos exemplos de boa conduta moral. Suas páginas estão repletas de ensinamentos morais e de lições de vida. Sentimentos e valores como amizade, companheirismo, afeto, confiança, perseverança, cordialidade, hospitalidade, generosidade, caridade, carinho e cooperação são a todo o momento colocados em cena. Sua leitura deveria contribuir com a tarefa de formação de um povo que cultiva essas qualidades e assim garante a sua felicidade. Esta é a idéia dos autores, qual seja a de colaborar na construção de uma identidade e de uma nação.
A morte, por exemplo, é um tema recorrente no livro, como também o é em Contos Pátrios. A mãe dos meninos e os pais de Juvêncio são mortos. Depois, a morte de um engenheiro pernambucano provoca a suspeita de ter sido a morte do pai de Carlos e Alfredo. Finalmente, há o falecimento de Ricardo, um transeunte a quem os meninos socorreram no meio da estrada e que não suportou os sofrimentos físicos por que passava. Percebe-se que os autores querem mostrar que até mesmo desse inconveniente que persegue a condição humana é possível tirar grandes lições. Pode-se aprender, por exemplo, que tudo é efêmero e tênue e que o sofrimento caleja e amadurece a alma do indivíduo.
Se, entretanto, em torno da idéia de nação flui o argumento dessa obra e também por referência a ela são compostas as personagens, é preciso ver o que na sua abordagem a faz diferente de congêneres do período.
Em 1901 foi publicado o livro Por que me ufano do meu país de autoria do conde Afonso Celso. Escrito por ocasião do quarto centenário do descobrimento do Brasil, nele o autor se dizia tomado pela responsabilidade, ou pela missão, de transmitir ensinamentos visando à formação de valores, particularmente o do amor à pátria, suscitando dos leitores a disposição de dar, pela pátria, a própria vida. O Brasil é apresentado como o país perfeito, repleto de grandezas naturais que proporcionavam absolutamente tudo à sua população. Esta constituía, por sua vez, o melhor povo de todo o mundo: tinha os melhores engenheiros e arquitetos, os melhores aviadores, os melhores médicos, os melhores tipos humanos.
Afonso Celso apresenta onze pontos, a partir dos quais justifica o orgulho que sente do Brasil: a grandeza territorial, a beleza natural, a riqueza, o clima, a ausência de calamidades, a excelência dos elementos que entraram na formação nacional, as qualidades do seu povo (independente, hospitaleiro, ordeiro, paciente, doce, obediente, caridoso, acessível, tolerante e honrado), o fato de o país não ter sido humilhado com derrotas, a cordialidade, as glórias e a história. Todos esses aspectos fizeram do Por que me ufano do meu país um clássico dos livros de leitura de cunho nacionalista exaltado. Transformou-se numa referência para outras realizações do gênero, marcado pela visão ufanista e romântica de pátria. Para Oliva, "é uma espécie de declaração de amor à pátria, de amor como dever, que exige uma adesão incondicional e lealdade à custa da própria vida...".27
Muitas dessas características aparecem em obras posteriores como, por exemplo, em Contos pátrios (1904), da dupla Olavo Bilac e Coelho Neto. Escrita no mesmo contexto do livro de Afonso Celso, foi confeccionada com luxo. Trata-se de uma composição com dezenas de contos, ora escritos por um, ora por outro dos autores, ricamente ilustrada, usando três cores básicas (vermelho, verde e azul). Em comum com o Por que me ufano do meu país, a escrita de Contos pátrios é marcada pelo patriotismo exaltado. Os conceitos de Pátria e Território fundamentam um discurso preocupado com a defesa dos interesses nacionais, com a manutenção dos limites territoriais do país como salvaguarda de sua identidade. No conto A pátria, por exemplo, de autoria de Bilac, dois aspectos chamam a atenção: a idéia de que a pátria deve estar acima de tudo, até mesmo da família, e a importância dada ao soldado como o mais puro e autêntico defensor dos destinos da nação.
Através do Brasil também pode ser inserido naquele contexto de desenvolvimento de um forte sentimento nacionalista. Na verdade, a obra busca contribuir com esse intento, embora tempere com menos ufanismo e mais substância a noção de patriotismo, contribuição que os estudiosos atribuem a Manoel Bomfim, uma vez conhecida a obra pessoal de Bilac ou os livros produzidos com outros parceiros. Evidentemente, Através do Brasil não foge por inteiro ao padrão dos livros voltados à exaltação da pátria. Um exemplo disso é a idéia de que a natureza é o fundamento da nação. As descrições naturais (paisagens) são marcantes em todo o livro. Elas passam a imagem de beleza, harmonia, grandeza e perfeição, uma espécie de "aquarela" do Brasil. Estes aspectos demonstram uma idéia muito presente tanto em Cuore como em Le Tour de La France par Deux Enfants, a busca da unidade na diversidade.
Para Freitas & Monteiro a natureza é, na narrativa de Bomfim e Bilac, o elemento capaz de dar materialidade à idéia de identidade nacional. O sentimento de pertencimento se concretizaria com a demonstração da grandeza do país, simbolizada na profusão de suas matas, rios e demais aspectos do meio natural brasileiro. Daí a necessidade de fazer em Através do Brasil um amplo panorama do território nacional, para perceber que todos os povos aqui encontrados se congregam para formar a grande família brasileira: "Os autores congregam todos os indivíduos sob o manto das cores nacionais. Já não são mais negros, brancos ou índios, mas um indivíduo único que se funda na mãe pátria".28
A preocupação com a história e com o civismo marca o conteúdo pedagógico de Através do Brasil. Silva29 atribui isso à experiência de Manoel Bomfim como professor de Instrução Moral e Cívica da Escola Normal, desde 1897. Conhecer o Brasil torna-se oportunidade para formar e firmar o sentimento patriótico. Cada fato da viagem é pretexto para a transmissão de novas informações sobre o país, sua história, sua geografia.
Numa determinada cena da narrativa, surge a primeira oportunidade para os autores despertarem na criança a curiosidade sobre a História do Brasil. Diante de um velho engenho, o menino Alfredo especula sobre o tempo, calculando que a construção teria mais de mil anos. No ato, Carlos adverte o irmão: "não ha casa no Brasil que tenha mais de mil annos! pois se ha pouco mais de quatrocentos annos que o Brazil foi descoberto".30 A mesma técnica pedagógica é aproveitada em toda a seqüência da obra, não só e exclusivamente para a história. No capítulo 15, por exemplo, quando as crianças se vêem diante de morcegos e os dois irmãos sentem-se ameaçados por eles, é Juvêncio quem, experiente nas andanças pelo sertão, tranqüiliza-os falando sobre o reino animal.
A passagem pelo engenho revela, ainda, a decadência da região açucareira nordestina, contrastada ao progresso da região cafeeira do Sudeste. A dualidade entre o interior "atrasado" do Brasil rural e o crescimento das cidades, modernas, permeia a obra. A descrição de São Paulo, num dado momento, enfatiza muito bem esse contraste: "São Paulo possue muita cousa digna de ser vista: magnificos jardins, explendidas casas, bairros novos já animados, e muito boas escolas. O progresso d'esta terra nunca cessou".31
Mas a noção de amor à pátria não é, em Através do Brasil, mera expressão do estilo panfletário de exaltação. Ela é condição para a construção da identidade nacional e é adquirida através da educação que, por sua vez, forma cidadãos. Eis aqui o ponto em que sobressai a face política da educação presente na obra. Ela lembra os ensinamentos do livro I do Emílio,32 onde esse ponto é enfaticamente problematizado. Para Rousseau, o homem da sociedade de seu tempo, mal socializado, é um híbrido teratológico, nem homem nem cidadão. Ficou a meio do caminho, na passagem para a ordem social.
Para transformar o homem natural em homem civil sem degradá-lo, Rousseau aponta as boas instituições e confia ao poder da educação a disciplina das paixões. A boa ordem e a boa educação é que vão permitir o transporte do eu (humano) para a unidade comum de modo a tornar relativo (parte) o que era absoluto (todo), com existência definida em função do corpo coletivo (a nação).
Mas Rousseau julga que para o êxito desse procedimento é preciso algo mais do que leis escritas; é preciso fomentar no indivíduo o espírito social e, com ele, um sentimento único: o de ser parte de um todo. Esta consciência e situação do ser social, então, vai ser mais do que algo passageiro, um estado de alma permanente, pelo qual o cidadão mostra não apenas conhecer o que é o bem, mas igualmente amá-lo.
Nisto consiste a grande contribuição de Através do Brasil: a propagação, por meio de uma obra didática, de um nacionalismo mais racional e reflexivo, capaz de encantar-se com as belezas naturais do país e com as grandezas do seu povo, mas capaz de ir além, levando o sujeito aprendiz a perceber a própria importância individual, enquanto cidadão, para a composição da nação.
2 Mestre em Educação e Coordenador do Curso de História da Faculdade Integrada José Augusto Vieira (FIJAV) – SE.
3 Doutora em História, Vice-Presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (IGHS) e Professora do Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe (UFS).
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-01882004000200005&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
Claudefranklin Monteiro SantosI, 2; Terezinha Alves de OlivaII, 3
IFIJAV–SE
IIUFS
RESUMO
Este artigo enfoca diferentes aspectos de Através do Brasil, livro de leitura que sintetizou um ideal da pedagogia do início do século XX, comprometida com a implementação de uma conduta cívica para assegurar o fortalecimento da identidade nacional. O livro formou gerações de brasileiros transmitindo uma imagem otimista do país, sem cair no ufanismo exagerado que se verifica em obras contemporâneas do gênero.
Palavras-chave: Livro didático; Nacionalismo; Cultura escolar.
Durante mais de quarenta anos, escolas brasileiras em todo o país adotaram a leitura de Através do Brasil. Esse livro, publicado em 1910, foi escrito em parceria por Olavo Bilac e Manoel Bomfim. Várias parcerias literárias foram constituídas no período que vai do final do século XIX à primeira década do século XX para a escrita de livros didáticos. Assim, em 1886 apareceu o livro Contos Infantis de Adelina Lopes Vieira e Julia Lopes de Almeida; em 1892, Fausto Barreto e Vicente Souza publicaram Seleção Literária; no ano seguinte foi a vez de Ventura Bóscoli e Pacheco da Silva Jr, com Análise gramatical; em 1895, Fausto Barreto e Carlos de Laet, com Antologia Nacional; no mesmo ano, Pacheco da Silva Jr. e Lameira de Andrade, com Gramática da língua portuguesa. Em 1906, foi a vez da parceria de Sílvio Romero e João Ribeiro para o Compêndio de história da literatura brasileira; em 1909, Coelho Neto e Olavo Bilac escreveram Pátria brasileira; em 1911, Costa Cunha e Santos Sabino fizeram o Segundo livro de leitura enquanto Arnaldo Barreto e Romão Puiggari também escreveram o Segundo e terceiro livros de leitura. Olavo Bilac e Manoel Bomfim escreveram juntos três obras: o Livro de composição em 1899, o Livro de Leitura em 1901 e Através do Brasil em 1910.
Tantas parcerias importantes contribuíram também para a afirmação e a aceitação mercadológica de uma literatura infantil tida como genuinamente nacional. Marisa Lajolo destaca Olavo Bilac como um dos iniciadores do gênero no país. Ele publicou, sozinho ou em parceria com Coelho Neto ou com Manoel Bomfim, nada menos que sete títulos infantis ou didáticos entre 1899 e 1911. Ao tempo da escrita do Através do Brasil Manoel Bomfim era diretor da Instrução Pública no Distrito Federal, tendo nomeado Bilac como inspetor escolar. Ligados por uma sólida amizade e comungando das mesmas preocupações sobre a situação da educação no país, encararam com entusiasmo o trabalho de escrever livros para a escola primária. Na avaliação de Lajolo esses escritores tinham "a faca e o queijo na mão: além de uma edificante tarefa patriótica, uma promissora fonte de renda, assegurada pela facilidade com que seus livros seriam adotados".4
A escolarização da literatura infantil se dava, de qualquer forma, na própria gênese da obra, visto que os autores escreviam seus livros com um olho no público infantil e outro nas autoridades educacionais que poderiam abrir-lhes as portas das escolas, ambiente privilegiado ou, freqüentemente, único em que tais obras seriam lidas.
Olavo Bilac, por seu temperamento extrovertido, foi dos intelectuais da época o que mais colecionou companheirismos e parcerias. Assim, em 1882, no Rio de Janeiro teve início sua amizade com Alberto de Oliveira, na Faculdade de Medicina; em 1884, em Niterói, na casa de Alberto de Oliveira, o poeta pôde alimentar o convívio com Aluísio Azevedo, Artur Azevedo, Guimarães Passos, Raimundo Correia e Raul Pompéia. Já em 1886, no Rio de Janeiro, aconteceram os primeiros contatos com Machado de Assis; entre 1888 e 1890, residiu no Rio de Janeiro com Coelho Netto; nos anos seguintes, em Paris (França), conviveu com Eduardo Prado e Eça de Queirós; e em Ouro Preto (MG), com Afonso Arinos, Magalhães de Azeredo e Raimundo Correia. Do círculo de amizades de Manoel Bomfim, por sua vez, faziam parte: Alcindo Guanabara, Francisco Alves, Pinheiro Machado, Guimarães Passos, Humberto de Campos e, principalmente, Olavo Bilac.
O companheirismo unia fortemente muito desses intelectuais, que tinham reforçado seus laços de amizade em situações embaraçosas e difíceis de suas vidas. Em 1894, por exemplo, Bilac foi solto da prisão por intermédio do amigo Coelho Netto, que não mediu esforços para libertá-lo das garras da ditadura de Floriano Peixoto. Quando Manoel Bomfim foi convidado pelo prefeito do Rio de Janeiro, Francisco Furquim Werneck de Almeida, para ser subdiretor do Pedagogium (1896), contou com a colaboração do amigo Alcindo Guanabara, que o apresentou ao prefeito. É sabido que a introdução de Bomfim no campo jornalístico, especialmente no jornal O Correio do Povo, e até mesmo no meio intelectual carioca, também se deve à interferência daquele jornalista.
Botelho afirma que a parceria entre Bilac e Bomfim coroou uma amizade nascida por volta de 1888, quando, vindo da Bahia, este chegara ao Rio de Janeiro para concluir seus estudos na Faculdade de Medicina. Os dois amigos descobriram afinidades ideológicas, especialmente no que diz respeito à capacidade transformadora da educação,5 e estiveram juntos em momentos importantes. Aguiar atribui a Bomfim, por exemplo, a idéia da composição do hino dedicado à Bandeira Nacional, com letra de Olavo Bilac, sugerida ao prefeito Pereira Passos em 1906. O hino foi composto por Francisco Braga, tendo sido executado pela primeira vez em 19 de novembro do mesmo ano.6
A parceria do poeta carioca com o escritor sergipano na produção de livros didáticos serviu, na opinião de Alves Filho,7 para conferir àquele um certo reconhecimento como prosador que defendia posições nacionalistas, uma vez que é comum a atribuição de "poeta alienado" a Bilac, dado o teor ufanista dos seus poemas. Divergem, entretanto, as avaliações quanto aos resultados dessa parceria. Segundo Aguiar, o que moveu Olavo Bilac e Manoel Bomfim à união no projeto de escrever livros didáticos foi o patriotismo: "o sentimento de amor pela pátria, argamassa que sustentaria a nação brasileira".8 Por sua vez, Dimas, ao apresentar Bilac como o mais preocupado e atuante escritor na tarefa de catequese cívica e valorização do aprendizado escolar, chega a afirmar que a qualidade das suas obras se deve às parcerias, em especial à que foi estabelecida com Bomfim, que em Através do Brasil veio temperar o seu patriotismo exagerado.9
Tal constatação está presente também na ótica de Oliva, para quem Bomfim e Bilac, apesar de freqüentarem os mesmos ambientes e de terem sido parceiros, guardavam diferenças importantes. O primeiro, por exemplo, não se enquadrava na classificação dos literatos desencantados com o país e com a política. Para a autora, os textos de Bomfim "fogem à literatura ornamental, voltada à celebração e descomprometida dos problemas do país. Ao contrário, a confiança no futuro do Brasil e o compromisso com um programa que prepara esse futuro, constitui a marca e a obsessão da vida do escritor".10
A preeminência de Bomfim sobre Bilac em Através do Brasil, tal como é atribuída por Aguiar, se faria notar na descrição de cenários e personagens. Para esse autor, distinguia-os a vivência.11 Na época em que escreveram o livro, Bomfim, além de ter vivido em quatro diferentes estados brasileiros, já estivera na França, onde escreveu a sua obra mais famosa, A América Latina. Bilac, por sua vez, também era uma pessoa "viajada", não só pelo país, tendo residido em pelo menos três estados, mas acumulando a experiência de viagens internacionais. Por isso mesmo, teria de ser dado igualmente a Bilac o mérito da vivência.
Em comum, evidentemente, a dupla tinha um incomensurável amor pelo Brasil e por tudo que lhe dizia respeito. Patriotas de primeira categoria, dedicaram-se à educação animados por um extraordinário otimismo pedagógico, por uma fé no poder do conhecimento, associada, por vezes, à fé no engrandecimento moral do indivíduo pela educação.
O certo é que a afirmação dessa parceria possibilitou a produção de três livros, entre os quais um dos maiores sucessos editoriais entre os impressos destinados à escola, o Através do Brasil. Publicado em 1910 pela Editora Francisco Alves, trata-se de um livro de leitura, de caráter narrativo, destinado aos dois últimos anos das escolas primárias, o chamado "curso médio". Tal narrativa se desenvolve em torno de uma viagem, percorrendo todo o país, realizada por dois meninos gaúchos que estudavam num internato na cidade do Recife, Carlos e Alfredo, o primeiro de quinze e o segundo de dez anos. Sabedores de que seu pai, o engenheiro Meneses, a trabalho no interior do estado de Pernambuco, estava acometido de uma enfermidade, os garotos empreendem, em busca do pai, uma longa aventura que começa nesse estado e vai parar no Rio Grande do Sul.
Esse percurso pode ser dividido em sete momentos, todos eles repletos de aventura e muita emoção. A primeira parte cobre as cidades de Recife, Palmares e Garanhuns. A segunda e terceira partes se desenrolam entre os estados de Alagoas e Bahia, passando por cidades como Piranhas, Paulo Afonso, Jatobá, Boa Vista, Juazeiro e Petrolina. No transcurso da viagem, a notícia da morte de um engenheiro, confundido com o pai dos meninos, fez mudar os rumos da aventura, de tal forma que o quarto momento da narrativa segue em direção ao estado da Bahia, passando por Vila Nova, Serrinha, Alagoinhas e Salvador.
Notificados sobre a situação de orfandade dos meninos, os parentes do Rio Grande do Sul, dois tios e a avó paterna, providenciam a ida dos pequenos viajantes para aquela região. A quinta, sexta e sétima partes da viagem seguem por cidades como Vitória, Rio de Janeiro, Queluz, Lavrinhas, Cruzeiro, Cachoeira, Taubaté, São Paulo, Santos, Paranaguá, Rio Grande e Pelotas. No meio do trajeto, os meninos conhecem Juvêncio, um mulato da zona rural, típico mestiço, que tinha entre dezesseis e dezessete anos, órfão de pai e mãe. Inicia-se então uma amizade, concretizada em clima de muitas dificuldades e apertos. Essa personagem é responsável pelas peripécias mais instigantes da obra.
Enquanto os meninos seguiam em direção ao Sul, Bomfim e Bilac fazem Juvêncio encaminhar-se ao Norte do Brasil. A viagem do jovem sertanejo seguiu em direção a Manaus, passando por Aracaju, Maceió, Fortaleza, São Luís e Belém, a certa altura acompanhado por um marinheiro sergipano, de quem se tornara amigo. As várias peripécias encaminham os jovens para um grande final, em que se dá o reencontro do grupo no Rio Grande do Sul, quando Carlos e Alfredo tomam ciência de que seu pai estava vivo e se encaminhava, na companhia de Juvêncio, ao seu encontro.
Segundo estudiosos, dois livros didáticos europeus do século XIX teriam inspirado o Através do Brasil. O primeiro é um livro italiano cuja tradução foi adotada em escolas brasileiras: Cuore, de Edmundo de Amicis, jornalista, militar e escritor que nasceu e viveu em Oneglia (Itália) entre outubro de 1846 e março de 1908, considerado um dos escritores que mais decisivamente influenciaram as produções literárias infantis da Europa do século XIX. O segundo é Le Tour de La France par Deux Enfants, de G. Bruno, pseudônimo de Augustine Fouillé, escritora francesa, esposa do filósofo Alfred Fouillée. Para Lajolo, em comum, as duas obras teriam o propósito de discutir a idéia de identidade nacional em momentos de crise de suas respectivas sociedades, elemento que teria gerado em Bomfim e Bilac uma espécie de simpatia, levando a dupla a produzir, no início do século, um "similar nacional" daqueles livros.12
Cuore (Coração), é livro destinado particularmente aos meninos das escolas primárias com idades entre nove e treze anos. Apresenta dez capítulos, os quais são intitulados com os nomes dos meses do ano. Escrita na primeira e na terceira pessoas, destaca o aspecto descritivo sobre o narrativo, com a utilização de diálogos.
Trata-se da história do menino Enrico que, em forma de diário, vai escrevendo suas impressões sobre a vida e os fatos vividos no ambiente escolar. A obra investe maciçamente em princípios e valores morais: a amizade, a solidariedade, o respeito às tradições, o heroísmo, o perdão.
O livro destaca três elementos como imprescindíveis para a concretização do processo educativo: o professor, o ato de estudar e a escola. A ênfase na importância do professor é flagrante na narrativa. Ele é mostrado, principalmente, como companheiro e disciplinador dos alunos. O estudo é destacado como ferramenta indispensável para a superação do estágio de brutalidade inicial do homem; é também visto como estratégia para retirar a criança da pobreza e da vadiagem, além de ser encarado como uma atividade quase que militar. Finalmente, a escola assume um papel decisivo e marcante; uma espécie de cordão umbilical liga o lar àquele que é o primeiro ambiente social da criança.
A família sobressai como elemento aglutinador. Por toda a obra, pais e filhos se põem a conversar, ora num tom mais duro, ora num tom de companheirismo. Várias vezes o autor evidencia o problema das crianças pobres e órfãs, deixando transparecer sua indignação e ao mesmo tempo sua preocupação com essa questão social.
O nacionalismo é a marca da obra italiana, fundamentado em lições de geografia e história da Itália. Nesse sentido uma passagem chama particularmente a atenção. Os amigos de Enrico - Derossi, Coretti, Nelli e Gobbino - vão à sua casa para estudar. Num certo momento, fecham os olhos e vêem toda a Itália, localizando lugares (prédios e paisagens) e personagens da história (heróis) do país.
Finalmente, merece destaque o tom épico e emotivo assumido pela obra em vários momentos, dos quais podem ser destacados três, em especial: um quando uma criança salva outra de um afogamento, sendo mais tarde condecorada; outro, por ocasião de um incêndio em que se destaca a bravura e a coragem dos bombeiros, exemplos de amor e dedicação pelos semelhantes; e finalmente, quando Enrico se despede da escola ao concluir os estudos.
Por sua vez, Le Tour de La France par Deux Enfants (Viagem ao redor da França por duas crianças), publicado em 1877 pelas edições Eugene Belin, é considerado um dos maiores sucessos da literatura educacional de todos os tempos. A prova disso são as várias centenas de edições (chegando a atingir um total de mais de seis milhões de cópias vendidas) sempre em fac-símile. É um livro de leitura, com 212 gravuras instrutivas para as lições de coisas e 19 cartões de geografia.
Seu objetivo não é apenas a utilização como meio para a prática de leitura entre as crianças do curso médio, mas quer também fornecer subsídios para outras disciplinas, como história, geografia, ciências e instrução moral e cívica. Todos os capítulos começam com uma máxima, um preceito de conduta, e se organizam ao redor de um tema principal relativo aos outros assuntos.
No contexto posterior à derrota sofrida pela França na Guerra Franco-Prussiana (1871), dois órfãos de 14 e 7 anos, André e Julien Volden, vivendo em Phalsbourg (nas proximidades da Alsácia e da Lorena, parcialmente anexadas pela Alemanha vitoriosa), partem em busca do tio Frantz, que vivia em Marselha, desejosos de ajuda para adquirir a nacionalidade francesa. É o pretexto para uma viagem que, como o título indica, será uma excursão pela França, passando por Epinal, Besançon, Lyon, Clermont-Ferrand, Marselha, Toulouse, Bordéus, Dunkerque, Lille, Reims e Paris. Usando cavalos, barco e trem, os dois heróis descobrem as paisagens e as atividades das regiões francesas, a história das grandes figuras do país e as qualidades de sua gente, exaltando o orgulho nacional na diversidade das províncias. Eles fazem da viagem um treinamento de coragem e de perseverança, cultivam e fortalecem as virtudes nacionais, o senso do dever e o do amor à pátria. De modo geral, a obra prega valores como ordem, senso do dever, economia, submissão à classe dominante e, especialmente, o gosto pelo trabalho consciencioso.
Consideradas em conjunto, a obra italiana e a francesa, no fundo, representaram paradigmas para a confecção dos livros de leitura das primeiras décadas do século XX no Brasil. Basicamente predominou neles e, necessariamente, em Através do Brasil, a estrutura do romance de formação, caracterizado geralmente pela narração da aprendizagem de um (ou uma) protagonista.
Segundo Botelho, vários teóricos buscaram estabelecer passos do enredo necessários para a escritura de um Bildungsroman,13 buscando uma caracterização que lhe conferisse não somente o estatuto de obra literária, como também o de obra didática. Para isso, determinou-se o estabelecimento dos seguintes critérios: um romance de formação deve iniciar ou girar em torno de um ou mais protagonistas; deve contar com uma viagem, um deslocamento de espaço como estratégia pedagógica; o protagonista deve entrar em conflito com o pai ou outro elemento de parentesco ou não, configurando um conflito de gerações que, pelo contraste, ajuda a estabelecer a identidade do jovem; no mínimo, ele deve passar por duas situações, uma de revés e outra benéfica, que garanta um aprendizado profissional que deve conduzir o protagonista à descoberta de sua verdadeira vocação.
Vê-se que na maioria dos elementos apontados o livro de Bomfim e Bilac ajusta-se à categoria do "romance de formação", nele não tendo ênfase, porém, o elemento do conflito. Afinal, quando este é anunciado, resolve-se quase sempre pela fuga, tal como a fuga dos meninos do Colégio ou a fuga de Juvêncio das garras de um padrasto mau e cruel.
O texto é dividido em 82 capítulos. A expressão lingüística da narrativa é homogênea. O narrador, os protagonistas e o restante das personagens falam a mesma linguagem. Nesse sentido, percebe-se claramente o toque de Bilac e sua preocupação com a unidade lingüística do Brasil.
Quanto à redação da narrativa, faz parte da preocupação dos autores escrever de tal forma que o texto possa se tornar acessível ao pequeno leitor. Ainda assim, têm o cuidado de colocar no final do livro um vocabulário com algumas expressões que porventura pudessem trazer dificuldades. O livro está escrito na terceira pessoa, com utilização de diálogos. Evidentemente, a linguagem é clara e acessível, considerando que foi escrita para desenvolver o hábito da leitura. A narrativa desenrola-se tranqüilamente e sem sobressaltos, mantendo um elo coerente por toda sua extensão, procurando prender a atenção do leitor e despertar, a todo momento, a sua curiosidade.
Um elemento que chama a atenção é o conteúdo iconográfico de Através do Brasil. Para analisá-lo, é necessário fazer algumas considerações. Tendo em vista a difícil definição do termo, visto estar ligado também à idéia de representação social, a imagem é considerada, neste texto, como forma visual e não-verbal de representação e como configuração final de um produto dado a ver ou ler. O termo abarca, também, diversas formas de ilustração, quais sejam, o desenho, a fotografia e a reprodução de recursos pictográficos, entre outros, além da idéia de que um texto também pode constituir-se como imagem.
Do ponto de vista de alguns processos de significação, os estudos históricos sobre a utilização de diversos tipos de impressos, entre os séculos XV e XIX, tais como livros religiosos, cartazes, panfletos e literatura de cordel, entre outros, demonstram diferentes funções que podem cumprir as imagens, assim como as várias ligações que estas podem estabelecer com o texto escrito. Relatando posições conceituais e metodológicas do conjunto de estudos sobre as utilizações dos objetos impressos que circularam naquele período, Roger Chartier ressalta que a imagem é, muitas vezes, uma proposta de protocolo de leitura, sugerindo ao leitor uma completa compreensão do texto, o seu justo significado.
Bittencourt destaca a importância que a imagem adquiriu nos últimos anos como instrumento pedagógico e propõe a reflexão sobre as ilustrações dos livros didáticos, levantando duas questões norteadoras do estudo: 1) como se realiza a leitura de imagens nos livros didáticos? 2) as imagens nos livros complementam os textos ou servem apenas como ilustrações que visam tornar as páginas mais atrativas para os jovens?14 A autora ainda propõe um método para a análise das imagens em livros didáticos que compreende quatro passos: separar a ilustração do texto; fazer uma leitura interna (especificando seu conteúdo); fazer uma leitura externa (vendo como ele se apresenta) e, finalmente, fazer uma comparação com outras imagens.
Cavalcanti lembra que o ato de ver imagens não deve ser encarado como algo solto. Para esta autora, a imagem antecipa a aprendizagem pela leitura, através de uma espécie de "alfabetização visual". Desse modo, a ilustração nos livros didáticos quer mostrar mais do que se vê.15 Esta afirmativa também está presente em Fraifeld & Azevedo, para os quais a imagem é dotada de um poder mágico, capaz de despertar emoções antes mesmo que se compreenda racionalmente o que a retina consegue captar.16
De modo geral, os autores chamam a atenção para o fato de que qualquer leitura de ilustrações usadas em livros didáticos deve levar em consideração a sua utilidade como peça ilustrativa ou como objeto que visa atender a um fim pedagógico. Por isso é importante levar em consideração a evolução das técnicas gráficas e as transformações e caracterização dos tipos de iconografia.
Segundo Fonseca, a importância das ilustrações nos livros didáticos produzidos nas primeiras décadas do século XX no Brasil estava ligada à idéia de que dariam aos textos um grau de "veracidade"; serviriam assim, de "registros visuais" das narrativas, especialmente as de cunho histórico.17
Na nota introdutória ao livro Através do Brasil, Bomfim e Bilac afirmam que as ilustrações servem como pretexto para mostrar a realidade. Nesse sentido, procuram construir uma coerência entre o mostrado (imagem) e o dito (texto). A primeira edição do livro apresenta um conteúdo iconográfico vasto e variado, distribuído por seus 82 capítulos. Dispõe de 68 ilustrações, divididas entre fotografias, cartões postais e desenhos. Sem a pretensão de uma análise mais profunda das ilustrações, faz-se delas, aqui, uma descrição e observações.
Os cartões somam um total de 26 unidades, correspondendo a 38,2% das ilustrações. No geral, destacam aspectos das mais distintas regiões do Brasil, variando entre paisagens naturais e urbanas, trazendo raramente a presença humana. Vê-se aí uma espécie de preocupação com o aspecto monumental; a idéia de grandeza, de esplendor até, domina as cenas, cultivando a idéia de um país majestoso. Nesse sentido, o leitor é levado a fazer associações, aprendendo a captar a realidade pela força da imagem.
As fotografias correspondem a 36,8% das ilustrações. As 25 imagens priorizam cenas do cotidiano brasileiro, mostrando várias facetas do Brasil: tipos humanos, dos índios guaranis à figura do gaúcho; momentos da economia brasileira e cenas pitorescas. Aqui, uma outra idéia está claramente presente: a do homem brasileiro como um ser trabalhador, capaz de superar desafios por meio de suas próprias forças. Além disso, mostra e evidencia as possibilidades do território brasileiro, centradas necessariamente nas riquezas naturais e na sua gente.
Os desenhos correspondem a um total de 17 unidades, equivalendo a exatos 25% do total. Eles são identificados com uma certa facilidade, embora algumas vezes possam ser confundidos com as fotografias e com os postais. Muito bem elaborados, os temas são variados.
Quanto ao tamanho e à forma, as 68 ilustrações não seguem nenhum padrão. A forma retangular, tanto horizontal como vertical, é quase absoluta, seguida da quadrada e de apenas um exemplo de forma arredondada: a imagem de uma jangada, à página 225. As medidas variam entre 3,9 x 9,4 cm e 10,1 x 6 cm. A largura de 8,9 cm é a mais freqüente, ocorrendo treze vezes.
As ilustrações são posicionadas no transcorrer da narrativa, normalmente intercalando o relato. Percebe-se, à medida que vão aparecendo, uma efetiva coerência entre o texto escrito e o texto iconográfico. Como já foi visto, o aspecto lúdico é deixado de lado. Todas as imagens são de cenas reais do Brasil, conforme o proposto pelos autores na introdução. As imagens são austeras, com um certo excesso de realismo em se tratando de uma obra dirigida para crianças, férteis em imaginação e criatividade.
Nenhuma das ilustrações é atribuída a um autor determinado, mesmo os desenhos. Embora haja, entre os estudiosos de Manoel Bomfim, referências à sua habilidade com o desenho, nada se diz sobre quem teria feito os desenhos de Através do Brasil. Essa ausência (não se sabe se intencional ou não) faz que se perca a noção de quem os fez, em que época, com que detalhes técnicos, mesmo porque eles não aparecem como construção de um acontecimento, mas como fragmentos da realidade.
No que diz respeito à apresentação e aos aspectos tipográficos da obra, aqui foram utilizadas instruções presentes nas observações de Munakata,18 especialmente quanto à análise de recursos gráficos como caracteres e espaçamentos.
Inicialmente percebe-se que a capa da primeira edição do livro é rígida, medindo 28 cm de altura por 12 cm de largura, seguindo um padrão típico da época. Apresenta 328 páginas para a narrativa e 12 para o vocabulário. Traz as informações básicas - título, gênero, a quem se dirige, os nomes dos autores, da editora e ano de edição. Apenas o título, Atravez do Brazil, se destaca dos demais caracteres, com letras graúdas, medindo 0,8 cm, ao passo que suas maiúsculas atingem 1 cm. Os demais caracteres variam entre 0,3 cm (as minúsculas) e 0,5 cm (as maiúsculas), com espaçamentos de 1 a 2,5 cm entre as linhas.
Na parte superior, do lado direito, aparece o número da página, medindo 0,3 cm, e o título do livro, com letras maiúsculas de mesma dimensão - separados por uma linha horizontal; do lado esquerdo, o título do capítulo e o número da página, com as mesmas medidas e características.
Os títulos dos capítulos são numerados com algarismos romanos e se apresentam com letras maiúsculas em negrito, medindo 0,3 cm. O número do capítulo é separado do título em 0,8 cm e do alto da folha em 2,8 cm. Por sua vez, o título é separado do texto, também, em 0,8 cm. Ambos estão centralizados na página.
Quanto ao texto, este se apresenta disposto no centro da página, com margens de 1,5 cm tanto do lado esquerdo como do direito, e com 2 cm na parte inferior e na superior. Os parágrafos são compactos, com espaçamento de 0,1 cm e recuados da margem em 0,5 cm. O espaçamento das linhas é semelhante ao dos parágrafos: 0,1 cm. As letras apresentam o corpo médio entre 0,4 cm e 0,25 cm, medidas correspondentes hoje à fonte tamanho 14, tanto maiúscula quanto minúscula, da família romana.
De modo geral, graficamente o livro oferece um bom impacto visual, passando a idéia de organização e sobriedade, não se distanciando muito do padrão da época para aquele tipo de literatura.
A obra foi editada e publicada em 1910 pela Editora Francisco Alves, numa época em que parte significativa da edição dos livros brasileiros era impressa na França. Circulou durante mais de meio século no ambiente escolar. Numa população de 20.215.000 pessoas, seu público específico correspondia a 3,15%, num total de 638.378 alunos matriculados no curso Médio das Escolas Primárias.19
Tais números, considerando que quase 80% da população era analfabeta, demonstram o peso que esse público consumidor passou a ter para os editores da época. Segundo dados da Editora Francisco Alves, em sua primeira edição o Através do Brasil teve uma tiragem de quatro mil exemplares, seguida de uma segunda edição em 1913, com a mesma quantidade. Considerando as duas primeiras tiragens, chega-se à conclusão de que o livro atendeu a 1,25% do público escolar daquela época, o que não deixa de ser uma significativa fatia do mercado consumidor, dado não ser ele o único produto daquela natureza.
Com 66 edições, Através do Brasil perdurou como texto adotado nas escolas por mais de seis décadas. Algumas dessas edições puderam ser identificadas e são aqui enumeradas: 1913 (2ª edição); 1921 (7ª); 1937 (30ª); 1948 (36ª); 1953 (40ª); 1958 (43ª) e 1959 (44ª edição). Em 1965 o livro deixou de editado. A considerar os dados aqui apresentados, calcula-se, por alto, uma quantidade de mais de meio milhão de exemplares vendidos. A dificuldade no acesso a todas as edições impossibilitou um paralelo analítico entre elas.
A obra foi reeditada em 2000, pela Companhia das Letras, tornando-se então especificamente um objeto de memória. Mas essa edição privilegiou apenas o texto escrito, eliminando inteiramente a iconografia e as características gráficas anteriores. Suprimiu capítulos, modificou títulos, acrescentou outros e suprimiu partes do texto da primeira edição. Tais modificações ocorreram em função de a organizadora ter tomado como base a 43ª edição. Por isso, Moura aconselha que se procure, em qualquer análise sobre o livro Através do Brasil, recorrer à primeira edição (como o que neste texto se faz), pelo fato de muita coisa ter sido alterada entre aquela e a mais recente edição.20 Entretanto, é justo destacar a preocupação da organizadora em reavivar a obra, despertando na atualidade o interesse por conhecê-la e estudá-la, como um importante e imprescindível documento da história da educação brasileira e da história do livro didático.
Restam, agora, observações sobre os aspectos internos da obra. Para tanto é preciso partir da nota introdutória intitulada "Advertência e Explicação", em que Bomfim e Bilac expõem algumas das razões da confecção do livro destinado às primeiras séries das escolas primárias, enfatizando elementos que constituem os fios condutores da narrativa. Inicialmente os autores falam de uma exigência ou fórmula pedagógica da época, a de que as primeiras classes do ensino primário não deveriam ter outro livro que não fosse o de leitura. Nesse sentido, acreditam que o Através do Brasil corresponderia a tal exigência.
Em seguida, destacam a necessidade de ensinar à criança noções gerais do conhecimento humano, de forma que não se incorresse no erro de cair num enciclopedismo pedagógico, repassando conceitos dispersos e sem coerência. Criticam esse tipo de prática que em geral dominava a produção de livros didáticos da época, os quais consideram "amontoados didacticos, sem unidade e sem nexo, atravez de cujas paginas insípidas se desorienta e perde a intelligencia da criança...".21
Mostram-se os autores preocupados com a adequação dos ensinamentos às necessidades da criança, às características da sua psicologia, acompanhando pari passu as fases do seu crescimento, sem queimar etapas. O propósito era produzir um livro para crianças respeitando as suas individualidades. Para tanto vêem no professor a figura essencial na tarefa de ministrar as noções gerais do conhecimento humano. Segundo eles não é ao livro que deve ser atribuído esse papel, pois é o professor quem ensina. Assim o livro didático é visto como um ingrediente que ajuda na concretização do processo de ensino-aprendizagem, mas há a consciência de que de nada vale a existência de um livro didático extraordinário, sem um professor extraordinário.
Além disso, o livro deve conter lições, "uma grande lição", no aspecto moral do termo. Daí o tom dramático da narrativa, especialmente no primeiro momento da história, uma estratégia dos autores para despertar o interesse inicial e imediato da criança, penetrando o quanto possível em seu sentimento.
Bomfim e Bilac enfatizam a importância da família. Aqui se percebe claramente o conceito tradicional de família, com sua composição modelar. Disso se depreende a importância conferida ao lar, que assume na educação da criança um papel fundamental, levando-se em consideração a harmonia familiar como pré-requisito para uma boa conduta moral, conseqüentemente social.
Postas essas observações, o que se pretende na seqüência é procurar percebê-las no corpo da narrativa, buscando não só interpretar e analisar o conteúdo da obra, como também verificar se os autores se mostram coerentes com o proposto na Introdução.
Merece destaque em Através do Brasil a ligação de elementos da narrativa com a biografia dos autores. Aguiar ressalta que algumas das personagens da obra, como Juvêncio, por exemplo, inspiram-se em figuras que fizeram parte da infância e da adolescência de Manoel Bomfim. O biógrafo do escritor sergipano chega a afirmar que a obra serviu como uma espécie de "exercício de saudade", em que os autores procuram registrar cenas de sua mocidade.22 Mas ele identifica, predominantemente, a presença de elementos biográficos de Bomfim. Referências de Bilac são raríssimas.
As personagens infantis ora assumem posturas típicas de crianças (despreocupadas, alegres e traquinas), ora portam-se como se fossem miniaturas de adultos. As características atribuídas a Carlos (o mais velho, o "chefe da família") são necessariamente as de um adulto. Seguidas vezes no transcorrer da narrativa, especialmente com Carlos, o leitor vê a criança posta diante do impacto da responsabilidade, em contato com a dureza da realidade, esquecida de atitudes que seriam próprias da infância.
E assim acontece com freqüência. Em alguns momentos, os irmãos portam-se com uma maturidade que escapa à própria idade. Dois deles merecem destaque. Primeiro, sendo personagens típicas de camadas médias da sociedade, passam por dificuldades na hora de viajar em busca do pai doente. A dificuldade de arrumar dinheiro leva os garotos a venderem os próprios relógios.23 Mais tarde, diante da situação de terem ficado órfãos, depois de saberem da suposta morte do pai, demonstram controle e força de espírito para seguirem firmes. Outra personagem que revela, também uma maturidade precoce é o garoto Juvêncio. Chega a servir como exemplo de fortaleza para Carlos e Alfredo, demonstrando sabedoria e esperteza nas situações em que se envolve, como na passagem em que tem de se defender da acusação de ser ladrão de cavalos.24
A presença feminina é raridade na obra. Das 65 personagens de Através do Brasil, 53 (81,6%) delas são do sexo masculino e 12 (18,4%) do sexo feminino. Aos homens são atribuídos os principais papéis: Carlos, Alfredo (protagonistas) e Juvêncio (coadjuvante). As mulheres são apresentadas de forma muito secundária, geralmente identificadas sem nome (a mãe dos meninos, por exemplo), só pelas características ou funções, quase sempre inferiores. Quando não são mostradas em condutas estereotipadas - cândidas, prendadas, amantíssimas, simples e ingênuas -, aparecem na condição de velhas, amargas, pobres e faladoras. Somente no capítulo 31 há uma mulher com nome próprio: Maria das Dores, uma das poucas personagens femininas marcantes. Num dado momento da viagem dos meninos ela é a irmã que não tiveram, servindo de enfermeira para Alfredo, quando este adoece.
Nesse sentido, percebe-se que o livro didático reproduz a discriminação sexual existente na sociedade e vai além. Ele cria sua própria maneira de reforçar os papéis tradicionais que são atribuídos a homens e mulheres. O caráter repressor da escola fortalece os componentes de passividade que as meninas aprendem em todas as situações sociais. Às mulheres ficam reservadas as tarefas domésticas ou, no máximo, as "profissões femininas", mais desvalorizadas, quando trabalham fora. Aos homens estão destinados outros papéis, envolvendo ação, lazer, negócios. Seu universo é a rua, o mundo exterior à casa, que é considerada universo preferencial da mulher.
No aspecto social, é possível identificar algumas facetas marcantes na obra. Inicialmente a aparição de uma africana, nos capítulos 3 e 4, chama a atenção pelo que permite refletir. Os autores enfatizam três características na personagem: pobre, preta e velha. Tais adjetivos permitem fazer algumas observações. Primeiramente, a condição de pobreza da personagem em questão denuncia a situação de falta de assistência, pelo Estado, aos negros no pós-abolição; em seguida, a cor aparece como estigma de diferenciação étnico-social, enquanto a velhice é contraponto de novo e moderno. Além disso, há a condição de analfabeta (embora os autores não deixem entrever isso pela linguagem, que segue o padrão da norma culta). Observe-se que o tratamento dispensado pela mulher a Carlos, o mais velho dos meninos, é o de "Yô" (Senhor), expressão que por si só denota, também, uma condição de subserviência e respeito ao elemento branco do sexo masculino.
Duas particularidades referentes a essa personagem merecem atenção. A amizade que se forma entre os meninos e a negra africana descrita no quarto capítulo simboliza a idéia da convivência pacífica entre as raças, ideal que será retomado mais tarde por Gilberto Freyre, na construção da democracia racial. Tal amizade também vem enfatizar o papel da mulher. A "maternidade" da negra africana se manifesta nos cuidados dispensados aos meninos no seu primeiro contato com o mundo. Se Maria das Dores foi a irmã que não tiveram, a negra africana, por uns instantes, veio atenuar a ausência da saudosa mãe.
A obra sugere, portanto, um Brasil ideal, escamoteando o fosso existente entre as categorias sociais ou simplesmente negando-o sob a ótica da idealização da convivência fraterna.
Além dos negros, os indígenas aparecem no livro, no capítulo 6. Apesar de procurarem realçar a sua importância para a formação do espírito e para a identidade nacional, Bomfim e Bilac ainda rechaçam o que, ao seu ponto de vista, parece bárbaro, indigno dos primeiros habitantes: "Alfredo ouvia com grande attenção ao que o irmão lhe dizia. Mas não lhe saía da cabeça, particularmente, a idéia horrível dos banquetes de carne humana".25
A essa altura, vale ressaltar o papel da família, que se apresenta como recorrente na obra. A valorização do amor fraterno é essencial para a constituição desse pequeno núcleo social. Por diversas vezes, Carlos relembra as orientações do pai quanto a se manter unido ao irmão, bem como a respeitá-lo e zelar por ele. A relação dos meninos com os pais em Através do Brasil faz lembrar a do menino Enrico, personagem principal do livro italiano Cuore, com seus pais. O sr. Meneses era, para Carlos e Alfredo, "simples e affectuoso, preferindo ser attendido e amado a ser obedecido e temido. Não castigava nunca os filhos: era para elles um amigo, um camarada, um companheiro".26 Note-se que essa camaradagem entre pai e filhos denota a idéia de que a família em Bomfim e Bilac era uma espécie de porto seguro, de referência central, mas a antiga imagem do patriarca dominador é suavizada.
Através do Brasil também se mostra um livro modelar nos exemplos de boa conduta moral. Suas páginas estão repletas de ensinamentos morais e de lições de vida. Sentimentos e valores como amizade, companheirismo, afeto, confiança, perseverança, cordialidade, hospitalidade, generosidade, caridade, carinho e cooperação são a todo o momento colocados em cena. Sua leitura deveria contribuir com a tarefa de formação de um povo que cultiva essas qualidades e assim garante a sua felicidade. Esta é a idéia dos autores, qual seja a de colaborar na construção de uma identidade e de uma nação.
A morte, por exemplo, é um tema recorrente no livro, como também o é em Contos Pátrios. A mãe dos meninos e os pais de Juvêncio são mortos. Depois, a morte de um engenheiro pernambucano provoca a suspeita de ter sido a morte do pai de Carlos e Alfredo. Finalmente, há o falecimento de Ricardo, um transeunte a quem os meninos socorreram no meio da estrada e que não suportou os sofrimentos físicos por que passava. Percebe-se que os autores querem mostrar que até mesmo desse inconveniente que persegue a condição humana é possível tirar grandes lições. Pode-se aprender, por exemplo, que tudo é efêmero e tênue e que o sofrimento caleja e amadurece a alma do indivíduo.
Se, entretanto, em torno da idéia de nação flui o argumento dessa obra e também por referência a ela são compostas as personagens, é preciso ver o que na sua abordagem a faz diferente de congêneres do período.
Em 1901 foi publicado o livro Por que me ufano do meu país de autoria do conde Afonso Celso. Escrito por ocasião do quarto centenário do descobrimento do Brasil, nele o autor se dizia tomado pela responsabilidade, ou pela missão, de transmitir ensinamentos visando à formação de valores, particularmente o do amor à pátria, suscitando dos leitores a disposição de dar, pela pátria, a própria vida. O Brasil é apresentado como o país perfeito, repleto de grandezas naturais que proporcionavam absolutamente tudo à sua população. Esta constituía, por sua vez, o melhor povo de todo o mundo: tinha os melhores engenheiros e arquitetos, os melhores aviadores, os melhores médicos, os melhores tipos humanos.
Afonso Celso apresenta onze pontos, a partir dos quais justifica o orgulho que sente do Brasil: a grandeza territorial, a beleza natural, a riqueza, o clima, a ausência de calamidades, a excelência dos elementos que entraram na formação nacional, as qualidades do seu povo (independente, hospitaleiro, ordeiro, paciente, doce, obediente, caridoso, acessível, tolerante e honrado), o fato de o país não ter sido humilhado com derrotas, a cordialidade, as glórias e a história. Todos esses aspectos fizeram do Por que me ufano do meu país um clássico dos livros de leitura de cunho nacionalista exaltado. Transformou-se numa referência para outras realizações do gênero, marcado pela visão ufanista e romântica de pátria. Para Oliva, "é uma espécie de declaração de amor à pátria, de amor como dever, que exige uma adesão incondicional e lealdade à custa da própria vida...".27
Muitas dessas características aparecem em obras posteriores como, por exemplo, em Contos pátrios (1904), da dupla Olavo Bilac e Coelho Neto. Escrita no mesmo contexto do livro de Afonso Celso, foi confeccionada com luxo. Trata-se de uma composição com dezenas de contos, ora escritos por um, ora por outro dos autores, ricamente ilustrada, usando três cores básicas (vermelho, verde e azul). Em comum com o Por que me ufano do meu país, a escrita de Contos pátrios é marcada pelo patriotismo exaltado. Os conceitos de Pátria e Território fundamentam um discurso preocupado com a defesa dos interesses nacionais, com a manutenção dos limites territoriais do país como salvaguarda de sua identidade. No conto A pátria, por exemplo, de autoria de Bilac, dois aspectos chamam a atenção: a idéia de que a pátria deve estar acima de tudo, até mesmo da família, e a importância dada ao soldado como o mais puro e autêntico defensor dos destinos da nação.
Através do Brasil também pode ser inserido naquele contexto de desenvolvimento de um forte sentimento nacionalista. Na verdade, a obra busca contribuir com esse intento, embora tempere com menos ufanismo e mais substância a noção de patriotismo, contribuição que os estudiosos atribuem a Manoel Bomfim, uma vez conhecida a obra pessoal de Bilac ou os livros produzidos com outros parceiros. Evidentemente, Através do Brasil não foge por inteiro ao padrão dos livros voltados à exaltação da pátria. Um exemplo disso é a idéia de que a natureza é o fundamento da nação. As descrições naturais (paisagens) são marcantes em todo o livro. Elas passam a imagem de beleza, harmonia, grandeza e perfeição, uma espécie de "aquarela" do Brasil. Estes aspectos demonstram uma idéia muito presente tanto em Cuore como em Le Tour de La France par Deux Enfants, a busca da unidade na diversidade.
Para Freitas & Monteiro a natureza é, na narrativa de Bomfim e Bilac, o elemento capaz de dar materialidade à idéia de identidade nacional. O sentimento de pertencimento se concretizaria com a demonstração da grandeza do país, simbolizada na profusão de suas matas, rios e demais aspectos do meio natural brasileiro. Daí a necessidade de fazer em Através do Brasil um amplo panorama do território nacional, para perceber que todos os povos aqui encontrados se congregam para formar a grande família brasileira: "Os autores congregam todos os indivíduos sob o manto das cores nacionais. Já não são mais negros, brancos ou índios, mas um indivíduo único que se funda na mãe pátria".28
A preocupação com a história e com o civismo marca o conteúdo pedagógico de Através do Brasil. Silva29 atribui isso à experiência de Manoel Bomfim como professor de Instrução Moral e Cívica da Escola Normal, desde 1897. Conhecer o Brasil torna-se oportunidade para formar e firmar o sentimento patriótico. Cada fato da viagem é pretexto para a transmissão de novas informações sobre o país, sua história, sua geografia.
Numa determinada cena da narrativa, surge a primeira oportunidade para os autores despertarem na criança a curiosidade sobre a História do Brasil. Diante de um velho engenho, o menino Alfredo especula sobre o tempo, calculando que a construção teria mais de mil anos. No ato, Carlos adverte o irmão: "não ha casa no Brasil que tenha mais de mil annos! pois se ha pouco mais de quatrocentos annos que o Brazil foi descoberto".30 A mesma técnica pedagógica é aproveitada em toda a seqüência da obra, não só e exclusivamente para a história. No capítulo 15, por exemplo, quando as crianças se vêem diante de morcegos e os dois irmãos sentem-se ameaçados por eles, é Juvêncio quem, experiente nas andanças pelo sertão, tranqüiliza-os falando sobre o reino animal.
A passagem pelo engenho revela, ainda, a decadência da região açucareira nordestina, contrastada ao progresso da região cafeeira do Sudeste. A dualidade entre o interior "atrasado" do Brasil rural e o crescimento das cidades, modernas, permeia a obra. A descrição de São Paulo, num dado momento, enfatiza muito bem esse contraste: "São Paulo possue muita cousa digna de ser vista: magnificos jardins, explendidas casas, bairros novos já animados, e muito boas escolas. O progresso d'esta terra nunca cessou".31
Mas a noção de amor à pátria não é, em Através do Brasil, mera expressão do estilo panfletário de exaltação. Ela é condição para a construção da identidade nacional e é adquirida através da educação que, por sua vez, forma cidadãos. Eis aqui o ponto em que sobressai a face política da educação presente na obra. Ela lembra os ensinamentos do livro I do Emílio,32 onde esse ponto é enfaticamente problematizado. Para Rousseau, o homem da sociedade de seu tempo, mal socializado, é um híbrido teratológico, nem homem nem cidadão. Ficou a meio do caminho, na passagem para a ordem social.
Para transformar o homem natural em homem civil sem degradá-lo, Rousseau aponta as boas instituições e confia ao poder da educação a disciplina das paixões. A boa ordem e a boa educação é que vão permitir o transporte do eu (humano) para a unidade comum de modo a tornar relativo (parte) o que era absoluto (todo), com existência definida em função do corpo coletivo (a nação).
Mas Rousseau julga que para o êxito desse procedimento é preciso algo mais do que leis escritas; é preciso fomentar no indivíduo o espírito social e, com ele, um sentimento único: o de ser parte de um todo. Esta consciência e situação do ser social, então, vai ser mais do que algo passageiro, um estado de alma permanente, pelo qual o cidadão mostra não apenas conhecer o que é o bem, mas igualmente amá-lo.
Nisto consiste a grande contribuição de Através do Brasil: a propagação, por meio de uma obra didática, de um nacionalismo mais racional e reflexivo, capaz de encantar-se com as belezas naturais do país e com as grandezas do seu povo, mas capaz de ir além, levando o sujeito aprendiz a perceber a própria importância individual, enquanto cidadão, para a composição da nação.
2 Mestre em Educação e Coordenador do Curso de História da Faculdade Integrada José Augusto Vieira (FIJAV) – SE.
3 Doutora em História, Vice-Presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (IGHS) e Professora do Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe (UFS).
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-01882004000200005&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
Revista Brasileira de História - ANPUH
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