29/11/2009
Luis Prados
Em Pristina (Kosovo)
A situação econômica, e não o conflito étnico, é a prioridade do novo país - energia, educação e predomínio da lei são os seus três desafios, segundo o governo
Pristina, capital de Kosovo, é provavelmente uma das cidades mais feias da Europa. A predominância do concreto da época comunista da antiga Iugoslávia se une aos danos causados pelos bombardeios da Otan na guerra de 1999, e algumas monstruosidades arquitetônicas modernas são uma homenagem ao mau gosto.
Mas o cúmulo fica por conta de uma escultura recém-inaugurada de Bill Clinton, um monumento à arte "kitsch" em homenagem ao ex-presidente dos Estados Unidos, cuja intervenção freou a tentativa de genocídio das forças sérvias de Slobodan Milosevic. Sobre um pedestal de mármore branco, sua figura de bronze se eleva como um boneco de cabeça grande com a mesma solenidade de um mímico de rua.
Nova nação Povo celebra a independência de Kosovo, em Pristina. "Estamos crescendo a 3% e precisamos chegar aos 7% para gerar emprego. É crucial sermos atraentes para o investimento estrangeiro e integrarmo-nos à Europa", comenta o economista Muhamet MustafaLuis Prados
Em Pristina (Kosovo)
A situação econômica, e não o conflito étnico, é a prioridade do novo país - energia, educação e predomínio da lei são os seus três desafios, segundo o governo
Pristina, capital de Kosovo, é provavelmente uma das cidades mais feias da Europa. A predominância do concreto da época comunista da antiga Iugoslávia se une aos danos causados pelos bombardeios da Otan na guerra de 1999, e algumas monstruosidades arquitetônicas modernas são uma homenagem ao mau gosto.
Mas o cúmulo fica por conta de uma escultura recém-inaugurada de Bill Clinton, um monumento à arte "kitsch" em homenagem ao ex-presidente dos Estados Unidos, cuja intervenção freou a tentativa de genocídio das forças sérvias de Slobodan Milosevic. Sobre um pedestal de mármore branco, sua figura de bronze se eleva como um boneco de cabeça grande com a mesma solenidade de um mímico de rua.
Mas sob essa superfície caótica de obras e engarrafamentos sugiram nos últimos anos bares, cafés e restaurantes com projetos e estilos que não perdem em nada para Londres e Berlim, e uma vida noturna à espanhola. No pub Moroon pode-se ouvir versões de "Entre dos Aguas" ou "La Bamba", interpretadas em "turbofolk", o ritmo frenético das orquestras dos filmes de Emir Kosturica, ou algumas ruas mais adiante, no Depot, uma antiga fábrica sem janelas, pode-se escutar o grupo Nothing Like the Sun fazer uma versão de Coldplay na mesma linha.
Nesses clubes de música ao vivo, milhares de jovens bebem até altas horas da madrugada, postergando mais um dia a decisão de construir o novo país ou emigrar em busca de um futuro melhor.
Cerca de 70% dos quase dois milhões de habitantes de Kosovo são menores de 27 anos, e a taxa de desemprego alcança 40%. Não é estranho, portanto, que conseguir um visto para escapar seja o objeto mais desejado de muitos e que o problema econômico seja hoje muito mais urgente do que o conflito étnico com a minoria sérvia.
O economista e professor Muhamet Mustafa afirma que o generoso investimento estrangeiro dos primeiros tempos está decrescendo e que há uma ameaça de estancamento.
"Estamos crescendo a 3% e precisamos chegar aos 7% para gerar emprego. É crucial sermos atraentes para o investimento estrangeiro e integrarmo-nos à Europa."
Ahmet Shala, ministro das Finanças, destaca três desafios: "Energia, educação e predomínio da lei". Além disso, a Sérvia impõe dificuldades às suas exportações. E quanto à corrupção, da qual muitos kosovares acusam as organizações internacionais que operam no país, o ministro assegura que "é um fenômeno comum aos Bálcãs, e provavelmente menor em Kosovo" do que em outros países do sul da Europa. Apesar dessas frentes abertas, Shala é otimista e acredita que, ao final, os kosovares criarão um "Estado multiétnico e democrático".
Talvez. No momento, a prioridade para boa parte deles é conseguir um visto para sair do país, e não só entre os jovens. Há meio milhão de kosovares trabalhando no estrangeiro, a maioria na Alemanha e Suíça, e as remessas enviadas pelos emigrantes correspondem a 15% do PIB da jovem nação. Nexrail Qahili, 59, é chefe de família em Lubishte, uma aldeia ao sul de Pristina. Dedicada à agricultura de subsistência, a família vive do dinheiro enviado por seu irmão, que trabalha na construção na Eslovênia. "A independência foi uma coisa boa", disse Qahili, "mas agora o problema é que não há trabalho. Antes éramos uma família grande e tínhamos mais renda. Agora não temos suficiente. Por isso há tantos negócios ilegais, para que as famílias possam sobreviver".
A paisagem e a história mudam em Mitrovica, ao norte da capital. A cidade, de cerca de 85 mil habitantes, 50 mil deles sérvios, está dividida física e etnicamente pela ponte sobre o rio Ibar, e nela foram registrados os maiores incidentes entre as duas comunidades. Na parte norte pode-se ver pichações contra a UE e a favor da união com a Sérvia.
Momcilo Arlov, diretor do Centro para o Desenvolvimento da Sociedade Civil, é taxativo: "A independência de Kosovo não começará a funcionar até que a Sérvia a reconheça".
Arlov, nascido na Croácia, porém antigo membro do Exército sérvio, é
pessimista: "Não há trabalho, não há futuro, a corrupção é avassaladora e as o que funciona é graças a Belgrado". Além disso, diz ele, a vida em Mitrovica é um caos porque "as organizações internacionais, Eulex, Unmik, Kfor, e a polícia kosovar têm competências exclusivas e mandatos diferentes, e por isso nenhuma faz nada."
Na Eulex, a missão europeia para a estabilização de Kosovo, a visão é diferente. Eles admitem que a coordenação entre as diferentes instituições internacionais [a Unmik é a missão da ONU, e a Kfor é a força da Otan] é "frustrante", e atribuem "a corrupção, a delinquência, o contrabando e os incidentes na fronteira" às instituições sérvias. "Belgrado faz um uso político da situação, para consumo interno e como base de negociações com a comunidade internacional", afirma um de seus representantes, que exigiu anonimato.
O médico Bajram Rexhepi, ex-primeiro-ministro e ex-prefeito de Mitrovica, opina que "há muitos pseudopatriotas, mais motivados pelo dinheiro do que por verdadeiros sentimentos nacionalistas. Os sérvios da cidade são reféns da política de Milosevic". Não lhe falta razão.
Os sérvios do norte de Kosovo são os restos do naufrágio da política ultranacionalista do ex-presidente. Os sérvios da Servia utilizam duas palavras para se referir a seus irmãos de Kosovo: "selak" (camponês) e "siptar", que significa albanês e é muito pejorativa. Na Espanha poderia ser equivalente a "sudaca" para se referir aos latino-americanos.
No povoado de Gracanica, a cerca de dez quilômetros de Pristina, vivem 13 mil sérvios - antes da guerra havia 30 mil -, e ali fica a sede o Partido Liberal Independente, dirigido por Nenda Rasic, ministro do Trabalho e Bem-Estar Social do governo kosovar, um dos dois ministros sérvios de gabinete que preside Hashim Thaçi. Rasic afirma que "Kosovo é uma região. Aceitamos nos integrar em suas instituições, mas não reconhecemos a independência", e acrescenta: "Belgrado não oferece nada à nova geração de jovens que vivem aqui. As pessoas querem coisas concretas, não só palavras. A segurança já não é a prioridade, é a economia".
Kosovo passou de mito a nação em pouco mais de dez anos. Já não é mais a lenda fundadora da Sérvia nem a emergência internacional pelo conflito étnico. É um país pequeno, pobre, jovem e novo, cujo êxito será crucial para o futuro da Europa.
Tradução: Eloise De Vylder
El País
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