sexta-feira, 1 de abril de 2011

Os espaços livres públicos das províncias vistos como palcos de manifestações sociais, culturais e do teatro político do século XIX - 1

Ricardo José Brügger Cardoso - Doutorando em teatro

Em 1822, ano que marca oficialmente o movimento de independência de sua metrópole, o Brasil tinha uma população de aproximadamente cinco milhões de habitantes (Abreu (1997) afirma que desse montante, totalizavam-se perto de 800 mil índios, e que pelo menos um terço da população eram de escravos, desembarcados continuamente para trabalhar nas plantações de cana-de-açúcar e café, nas obras públicas e nos serviços domésticos, desde o início do século XIX) . Esta população, de acordo com as fontes históricas estudadas, tem sido considerada relativamente pequena, pois se encontrava dispersa num extenso território de mais de 7,5 milhões de quilômetros quadrados, permanecendo concentrada numa pequena faixa da costa atlântica de no máximo 300 quilômetros. Nesse período, o Rio de Janeiro era, além de capital, a maior cidade com cerca de 100 mil habitantes.

Figura 1 - Mapa do Brasil de 1830. Fonte: Bethell, 1989.

Ainda muito atrasado socialmente, até aquele momento, era possível se comprar escravos à vontade por preços relativamente módicos. Com a chamada "fronteira aberta" e uma oferta quase ilimitada de terra livre e de baixo custo; aliada a grande necessidade de trabalho braçal foram alguns dos motivos, da época, para se justificar que a escravidão tornara-se um aspecto tão essencial e característico da vida social e econômica, tanto rural quanto urbana em grande parte do território habitado.

Para alguns historiadores, o Brasil ainda não detinha concretamente uma unidade econômica, visto que não havia no país um sentimento coletivo de identidade nacional. A unidade mantida na transição de colônia portuguesa para a de império independente foi muito mais um teatro político e considerado por alguns especialistas uma ação visivelmente inconsistente (figuras 2, 3 e 4). A aliança de forças que havia produzido a independência do Brasil acabou por desintegrar-se na década seguinte. Na verdade, acredita-se que a independência que o Brasil obteve em 1822 foi incompleta: a presença de um príncipe português disposto a assumir a liderança desse movimento foi um fator decisivo para se garantir uma transição mais lenta do poder, se preservar uma estabilidade política e social, e se alcançar, por fim, uma unidade nacional.

Figura 2 - Cerimônia de aclamação popular de D. João VI pela elevação do Brasil a Reino Unido, ambientada pelo principal artista da Corte Portuguesa, J.B. Debret.
Fonte: Loyds Bank, 1987.
Figura 3 - Execução de Conspiradores, durante a Revolução de 1820, demonstrando outro tipo de espetáculo no espaço livre público das províncias. A.P.D.G.
Fonte: Loyds Bank, 1987
Figura 4 - Decoração urbana e teatral concebida por Debret, por ocasião da proclamação de D. Pedro I como Imperador, em 1822, Richard Bate. Fonte: Coleção Gilberto Ferrez, 1965.

A monarquia como instituição tinha um grande apelo popular e ainda era considerada, por muitos integrantes da elite nacional, um instrumento poderoso de unidade nacional e de estabilidade social (Bethell, 1997). Dom Pedro I era o único membro da Família Real que podia governar o Brasil, já que era considerado o herói da independência e que conseguia, de alguma maneira, atrair o entusiasmo popular. Entretanto, como bem assinalou Carvalho (1996), a dissolução arbitrária da Assembléia Constituinte em novembro de 1823, seguida pela promulgação de uma constituição em março de 1824 foram medidas definitivas para o rompimento do acordo entre Dom Pedro I e os setores importantes da classe dominante brasileira, não só no Sul, onde tivera os movimentos iniciais de independência, mas também no Norte, região de caráter mais conservador.
Ao que tudo indica, os principais personagens do cenário político brasileiro duvidavam desse comprometimento do imperador com o constitucionalismo e, além disso, receavam também sobre a sua verdadeira disposição de romper seus laços familiares e dinásticos com a Corte Portuguesa. Embora distintas Costa (1985) afirma que essas duas preocupações estavam interligadas e reforçavam-se mutuamente, pois as supostas convicções absolutistas de Dom Pedro I eram facilmente associadas, tanto pela elite brasileira quanto pelo povo, à proteção dos interesses de Portugal que ainda restavam no Brasil e, é claro, ao medo da re-colonização. O primeiro reinado de Dom Pedro I foi um período de tensão e conflito político constantes, que culminou com a sua abdicação, em abril de 1831( Nesse processo de disputas pelo poder, Carvalho (1996) atenta para o fato de que nem toda a elite nacional se voltou contra o imperador: muitos de seus membros foram cooptados como ministros, senadores, conselheiros de Estado; alguns foram comprados com títulos honoríficos. Durante o ano de 1825/1826, Dom Pedro concedeu 104 títulos de nobreza (em sua maioria, de barão e visconde), mais de dois terços de todos os títulos foram outorgados durante o Primeiro Reinado. Entre os partidários brasileiros de Dom Pedro I havia absolutistas, conservadores, muitos dos quais hesitavam em fazer-lhe oposição, no temor de que o próprio sistema monárquico fosse ameaçado.).

Figura 5 - D. Pedro I com Pedro II ainda menino na sacada do Paço Imperial, em ato público, depois de abdicar do trono em 7 de abril de 1831. Fonte: Bolsa do Rio XXI, 2000.

O afastamento do poder dos grupos dominantes de Minas Gerais e de São Paulo e de alguns elementos no Rio de Janeiro, somado ao ódio popular aos portugueses e ao ressentimento militar, acabou por derrubá-lo. Nesse sentido, vale a pena destacar um importante fato histórico ocorrido na manhã de 6 de abril de 1831, quando o povo começou a se reunir em vários lugares públicos da capital e, ao fim da tarde, de três a quatro mil pessoas estavam concentradas no Campo de Santana, locus de reunião pública, desde os turbulentos eventos políticos de 1821/1822.

"... dois corpos de artilharia e um batalhão de granadeiros haviam se confraternizado com o povo e, em seguida, o próprio batalhão do imperador fez o mesmo. Embora não tivessem qualquer simpatia pelas idéias radicais, os oficiais brasileiros estavam dispostos a juntar-se ao movimento contra o imperador, nem que fosse pela exoneração definitiva dos oficiais portugueses. Já os soldados, em sua maioria negros e mulatos, compartilhavam das mesmas frustrações e descontentamentos vindos das camadas menos favorecidas da população urbana, dos quais eram em sua maioria oriundos. Na verdade, a maioria dos soldados vivia em piores condições, porque sofria freqüentes atrasos de pagamento, além de se expor à rígida disciplina militar". (Bethell, 1997).

http://hemi.nyu.edu/unirio

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