"Moisés e Aarão diante do faraó", tela de Mestre de Dinteville, 1537
Foto: Divulgação
VOLTAIRE SCHILLING
Um célebre estadista do passado disse certa vez que o destino de um povo ou de uma nação está determinado pela sua geografia. Nada melhor isto se aplica aos antigos hebreus, originalmente um povo de nômades semitas que habitavam uma estreita e confragladissima faixa de terra do Oriente Médio de menos de 30 mil km2.
A antiga terra de Israel
Espalhados pelo vale do rio Jordão (que flui do mar da Galiléia em direção ao mar Morto), ao Oeste deles encontrava-se o mar Mediterrâneo, ao Leste deparavam-se com as beiradas do deserto da Arábia, ao Sul com o deserto da Judéia e com a península do Sinai, sendo que somente ao seu Norte, nas proximidades da fronteira com a Fenícia, o Líbano de hoje, as terras eram mais bem abastecidas de água.
Esta estreita faixa de terra (424 x 115 km), ainda que sem importância econômica, subdividida nas regiões da Galiléia, da Samária, da Judéia e da Induméia, tinha valor estratégico, visto que ligava as áreas dos seus poderosos vizinhos, que geralmente estavam em conflito.
De um lado, situava-se o reino dos faraós do Egito e do outro os déspotas da Assíria e da Babilônia. Isto fez com que fosse difícil para os hebreus manterem sua autonomia e liberdade.
Vicissitudes do povo eleito
Não sem razão, minoritários frente às potências da época, eles que se consideravam um povo eleito (ou Kadosh) terminaram por serem escravos tanto dos egípcios como dos babilônios. Quem os salvou da primeira servidão, a do Egito no tempo do faraó Seth, e que se estendera por 400 anos, foi Moisés ("saído das águas") que provavelmente viveu no século XII aC..
O grande guia e profeta do povo hebreu, depois de uma milagrosa travessia do mar Vermelho, durante o êxodo, conduziu os refugiados pelas escaldantes areias do deserto do Sinai, alimentando-os com maná, lhes deixou como legado a magnífica constituição moral que são as Tábuas da Lei ou Decálogo, os Dez Mandamentos inspirados diretamente por Jeová quando o líder estava recolhido ao sopé do monte Sinai ( ou Horebe).
Nesta verdadeira constituição religiosa que modelava o comportamento dos fiéis em seus mínimos detalhes, Jeová exigia o compromisso de ser o único deus a ser cultuado pelos hebreus reafirmando assim a característica marcadamente monoteísta que eles haviam herdado do patriarca Abrão (pai ou líder de muitos) e que os distinguia dos demais habitantes da região, inclinados ao politeísmo. "Eu sou eterno, teu Deus...não terás outros deuses...", assim teria se expressado Jeová ao seu povo.
Situação que se confirmou depois de Moisés ter determinado a destruição do Bezerro de Ouro que um grupo de ímpios queria cultuar quando ele estava ausente recebendo os preceitos de Jeová. Para sedimentar-lhes a fé, Moisés ainda teria redigido a Torá, os cinco primeiros livros da Bíblia, também chamados de Pentateuco, que narra a história dos hebreus desde os primeiros tempos, concluindo com exortações do profeta.
Da Arca da Aliança ao Templo de Salomão
Guardada na Arca da Aliança, as Tábuas da Lei irão consolidar a identidade comum das doze tribos de Israel (derivadas dos filhos de Jacó, netos de Abraão: Rúben, Simeão, Levi, Judá, Zebulom, Issacar, Dã, Gade, Aser, Naftali, Benjamim, Manassés e Efraim.). Moisés, todavia, não chegou a levar o Povo Eleito para Canaã, a Terra Prometida, cabendo este papel ao seu sucessor, o aguerrido Josué, provavelmente a partir de 1220 aC.
Somente tempos depois, provavelmente a partir do ano de 950 a.C., conseguiram erguer um templo em Jerusalém para dar um abrigo definitivo às tábuas sagradas que até então repousavam no Tabernáculo. Fato que determina o abandono definitivo dos hebreus da vida nômade trocada pela civilização sedentária.
Para livrarem-se da outra servidão, que os manteve no Cativeiro da Babilônia por 60 anos, tiveram que contar com a boa vontade do rei persa Ciro II que, pelo Decreto de Ciro, firmado provavelmente em 538 a.C., logo que conquistara a Babilônia, determinou o retorno deles à Jerusalém. Inclusive com autorização para reerguerem, sob mando de Zoroabel e sob supervisão do profeta Josué, o Templo de Salomão (que passou a ser chamado de o Segundo Templo, que durou de 515 a.C. a 70 d.C.), e que havia sido destruído pelo rei babilônico Nabucodonosor, em 586 aC.
A monarquia hebraica
A história da região mostra acima de tudo que a constituição de um estado hebreu que pudesse dar proteção aos seus só foi possível quando os reinos vizinhos deles estavam enfraquecidos.
Uma destas ocasiões ocorreu nos finais do século X a.C. pela altura do ano 1030 aC, quando, as tribos sentindo-se seriamente ameaçadas pelos Povos do Mar (filisteus) que dominavam a margem mediterrânea da Palestina e tinham armas de ferro, decidiram mudar o seu estatuto político.
Até aquele momento - isto é, entre 1200 a 1050 AC - ainda que se organizassem numa Liga Tribal, também denominada de Liga Anfitriônica, cada uma delas ainda vivia em separado, eram autônomas. Todavia, sua concepção política era teocrática, quem governava o povo das tribos era Jeová.
Quem as orientava era um conselho de anciãos dirigido comumente por um juiz. Pois foi a um destes juízes, de nome Samuel, que foi solicitado a que providenciasse a liturgia necessária e os óleos para sagrar um rei, um melek, um rei dos judeus que tivesse autoridade reconhecida sobre as doze tribos. Fato que representou a humanização do poder político, passando este de Jeová para o monarca.
O eleito foi então Saul, da tribo de Benjamin, tornando-se o primeiro soberano da história hebraica e comandante das forças convocadas para a defesa, um nãgid, reinando provavelmente entre os anos de 1030 e 1010.
A formação deste estado ainda que embrionário somente foi possível devido ao enfraquecimento do Império Egípcio, corroído por conflitos internos da Vigésima Dinastia.
O Templo de Salomão
Numa das raras ocasiões em que a Palestina estava em paz foi que o rei Salomão, filho do lendário rei Davi (o pastor que derrotara o gigante filisteu armado apenas com uma funda de pedras. E que sucedeu Saul no trono), pôde então lançar-se na construção de um templo (beit hamiqdash) na capital do reino. Edifício magnífico que, por séculos, serviu como identidade máxima da nação hebraica e o símbolo máximo da proteção lançada por Jeová ao seu povo.
Abrigava não somente a Arca Sagrada como também era o local de reunião do Grande Sinédrio, a assembléia dos 23 juízes hebreus, presidida por um chefe ou príncipe (Nasi), um sumo-sacerdote (Cohen Gadol), um Av Beit Din (o segundo membro em importância) e outros 69 integrantes que se sentavam em semi-círculo.
Antes da destruição de Jerusalém em 70 d.C., o Grande Sinédrio reunia-se no Templo durante o dia, exceto antes dos festivais e do Sábado.
Os materiais aplicados foram essencialmente a pedra e a madeira. O assoalho foi revestido com madeira de junípero (ou de cipreste) e as paredes interiores eram de cedro entalhado com gravuras de querubins, palmeiras e flores. Os interiores eram inteiramente revestidos de ouro. Após a inauguração do templo, que mobilizou mais de cem mil operários, a Arca da Aliança foi depositada no Santo dos Santos, a sala mais reservada do edifício.
Dois reinos
Todavia, os herdeiros do poderoso Salomão, morto em 931 aC., não conseguiram manter a unidade do trono. Dividiram-se então em duas entidades: ao Norte, com Jerobão, estabeleceu-se o reino de Israel e ao Sul, com Roboão, o reino de Judá. Partilha que irá facilitar primeiro a conquista da região pelo rei macedônico Alexandre o Grande e seus sucessores, os Ptolomeus e os Selêucidas entre 333 e 165 aC, para depois, vir a cair sob o domínio dos romanos, durante a campanha dirigida pelo general Pompeu, a partir de 63 aC..
Num primeiro momento, os romanos aceitaram a presença de reinos hebreus colaboracionistas, como foi o caso do rei Herodes Magno, sendo que somente mais tarde transformaram a região na provincia da Judéia.
Resistência e rebelião
A crônica de infelicidades dos hebreus, sempre ameaçados pelos vizinhos ou invasores (por egípcios, hititas, filisteus, assírios, babilônios, gregos, romanos, etc.), era psicologicamente atenuada pela fervorosa crença na vinda de um messias, de um salvador que os resgatasse definitivamente dos sofrimentos padecidos.
As rebeliões que episodicamente ocorriam contra os ocupantes e profanadores do templo ou da Terra Santa quase invariavelmente eram promovidas por hebreus inconformados que se consideravam comissionados por Jeová para tanto, acreditando-se ser o messias com a tarefa de expulsar os estrangeiros.
Quem geralmente conduzia a insurreição eram os integrantes da seita chamada dos zelotes, kanai em hebraico, nacionalistas hebreus de formação religiosa ultra-ortodoxa que, ciumentos de Deus, não aceitavam pactuar com o domínio romano (como era o caso dos saduceus, a elite sacerdotal, e os fariseus, elementos das classes médias acomodadas, havendo ainda os essênios (seita igualmente ortodoxa que se retirou pacificamente para o deserto em protesto contra a ocupação).
Uma das mais famosas comunidades dos essênios foi a de Quram, na qual, dentro de cavernas, em 1947, foram encontrados os Manuscritos do Mar Morto que segundo os especialistas continham princípios de pureza espiritual e ritual de batismo que seriam posteriormente adotados pelos cristãos.
Durante o domínio dos Césares, duas destas revoltas merecem menção pelos efeitos catastróficos que geraram para os hebreus, todas contra o Império Romano: a primeira delas foi a da Judéia, lideradas por João de Gischala e Simon bar Giora, que eclodiu no ano de 66 dC e se estendeu até 73 dC, a segunda foi a revolta de Bar Kochba ("O Filho da Estrela") ocorrida nos anos de 132-135 dC.
A destruição do Templo de Jerusalém
Os romanos, sentindo-se desafiados na sua autoridade, agiram com excessivo rigor. No ano de 70 o general Tito Flávio, filho do imperador Vespasiano, determinou em represália ao levante a total destruição do Templo de Jerusalém (ele havia sido restaurado pelo rei Herodes, um aliado dos romanos), promovida entre os dias 29 e 30 de julho do ano 70.
Em Roma, posteriormente, no ano de 106 dC., o general mereceu ter o seu feito celebrado numa coluna, a Coluna de Tito, na qual é reproduzida em alto relevo a chegada à capital do império do espólio de guerra trazido por ele. Entre as imagens encontra-se o famoso candelabro de ouro dos hebreus que ocupava uma posição central no tempo de Jerusalém.
Na derradeira tentativa de manter um resto de liberdade deu-se o famoso episódio da fortaleza de Massada, local próximo ao mar Morto, na qual se refugiaram os últimos combatentes zelotes s com suas famílias e que se tornou um épico da resistência aos romanos.
Cercados pelo general Flávio Silva com poderosas legiões e ameaçados de serem reduzidos à escravidão, os últimos defensores se decidiram por um martírio coletivo. Chefiados por Eleazar ben Yair, quase mil zelotes que se abrigavam por detrás das muralhas, vendo-se perdidos, mataram suas famílias e tiraram suas vidas com espadas.
Os detalhes da primeira guerra foram registrados por Flávio Josefo, o mais famoso historiador judeu-romano da antiguidade na sua obra A Guerra dos Judeus, dividida em sete livros, aparecida no ano de 75 dC, no tempo de Vespasiano. Ela serve também como um amplo panorama da situação da região ao redor do século I AC.
Josefo, um aristocrata judeu que se chamava Yosef ben Matityah ( 37-100 dC), que aderira aos romanos depois da derrota, acusa os rebeldes hebreus de extremismo e de intolerância e fanatismo religioso. A sua intenção era dissuadir seus conterrâneos de qualquer tentativa de se opor ao domínio de Roma. Sua obra, diga-se, não faz nenhuma menção à existência de Jesus Cristo.
A derrota e a diáspora
A última das rebeliões, eclodida 60 anos depois da tragédia de Massada, foi a de Bar Kochba, sufocada em 135 dC cujo fracasso redundou na dispersão de grande parte do povo hebreu, a chamada diáspora, tefutzah ou galut´( exílio). Ela eclodira como reação ao projeto do imperador Adriano de helenizar Jerusalém e de lançar ali as bases de um santuário dedicado a Júpiter Capitolino, o que veio a ferir os brios dos zelotes. Terminou sendo esmagada pelo general Sexto Severo quando cercou e liquidou com os seguidores de Bar Kochba em Betar, perto da capital, matando e dispersando no final do conflito mais de 580 mil hebreus.
Os sobreviventes, vendo Jerusalém transformada pelo imperador Adriano num acampamento das legiões romanas, sentindo-se abandonados por Jeová, decidiram-se pelo desterro.
Duas ondas imigratórias então se formaram a partir da Palestina, aquela que se dirigiu à Europa, a dos asquenazis, e a outra que perambulou pelo norte da África alcançando depois a península Ibérica, a dos sefarditas.
Cumpria-se assim uma das maldições lançadas sobre eles de estarem condenados "a vagarem pelo mundo" como judeus errantes. (*)
(*) Judeu Errante é uma personagem mítica da oralidade dos primórdios do cristianismo. Dizia a lenda que Ahsverus, um judeu sapateiro em Jerusalém que trabalahva numa oficina localizada numa rua onde os condenados à morte eram forçados a passar carregando a cruz. Na Sexta-Feira da Paixão, Jesus Cristo, arrastando-se por aquela viela carregando a sua cruz, foi importunado com ironias pelo sapateiro Ahsverus. Jesus, então, teria-o amaldiçoado, condenando-o a vagar pelo sem nunca morrer, até a sua volta, no fim dos tempos.
Nota: a narrativa acima resultou de uma síntese dos livros do Antigo Testamento que continua sendo o melhor e mais autorizado testemunho da história dos hebreus, especialmente do Pentateuco (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio) e os onze Livros Históricos (Josué, Juízes, I Samuel, II Samuel, I Reis, II Reis, I Crônicas, II Crônicas, Esdras, Neemias e Ester). Para tanto consultamos a ¿ Bíblia de Jerusalém¿, das edições Paulinas, de 1987.
As divisões entre os hebreus
Saduceus - Grupo sacerdotal e aristocrático, o Saduceus devido ao seu poder político aliança com os romanos.
Fariseus - Grupo de judeus devotos à Torá, apelidado de ¿os separados¿, surgidos no século II a.C.. Opositores dos saduceus, criam uma Lei Oral, em conjunto com a Lei escrita, e foram os criadores da instituição da sinagoga.
Essênios - Grupo pacifista que era hostil a ocupação romana, decidindo-se pela vida ¿pura¿, longe das concentrações urbanas da Palestina. Teria sido o precursor do cristianismo.
Zelotes - Patriotas judeus exaltados que pregavam a resistência armada à ocupação romana.
Bibliografia
Barnavi, Eli ( dir.) - Historia Universal dos Judeus. Da Gênese ao fim do século XX. Belém-São Paulo: Editora Cejup, 1995.
Bright, John . - História de Israel. São Paulo: Edições Paulinas, 1985.
Josefo, Flávio - A Guerra dos Judeus. Historia da guerra entre judeus e romanos. São Paulo: Edições Silabo, 2007.
Wurdbrand, Max e Roth, Cecil - El pueblo judio. Cuatro mil años de historia. Tel-Aviv, Editorial Aurora. 1987. http://noticias.terra.com.br
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