quinta-feira, 14 de abril de 2011

O Papel da Mulher no Imaginário Medieval

ALVA, Blanca Beatriz Díaz (UFPR)1
O papel da mulher na vida política e religiosa dos séculos XII e XIII deve ser colocado como fundamento do que poderíamos chamar de o renascimento da sensibilidade na Idade Média. A mulher podia rivalizar em sabedoria com os monges mais letrados de seu tempo. Assim, devemos destacar, por exemplo, Hildegard de Bingen, Heloísa, Leonor de Aquitânia, Branca de Castella, Matilde de Magdeburgo, Beatriz de Nazarê, Margarita Porete, Duoda, dentre outras (PERNOUD, 1984). Um dos aspectos mais originais da espiritualidade ocidental do século XIII, na opinião de ANDRÉ VAUCHEZ (1995), é esse lugar ocupado pelas mulheres. Desde o século XII, Hildegard de Bingen esforçara-se por liberar a mulher de todas as suspeitas que faziam pesar sobre ela o papel essencial desempenhado por Eva no pecado original e na fraqueza intelectual e moral que toda uma tradição literária de origem antiga lhes atribuía, tradição na qual os autores medievais insistiam. Esse discurso misógino, embora não tendo desaparecido, não foi o único que se fez ouvir. Assiste-se ao surgimento de uma espiritualidade feminina que não era uma simples copia da dos homens. Essa evolução operou-se lentamente de modo discreto, sem que fosse abertamente questionado o duplo postulado que caracterizava ost at us da mulher na Igreja medieval, isto é, a igualdade de ambos os sexos no plano da Redenção e a subordinação ao homem no campo social e religioso. Mas, a mediados do século XIII tornou-se evidente para os clérigos que um certo número de mulheres, voltadas para experiências de vida espiritual intensa, adquiriram nesses domínios uma ampla autonomia, e até uma certa superioridade em relação aos homens. PERNOUD (1993, p. 61) dirá: “Elas estão presentes em todos os aspectos da vida cotidiana, como veremos em documentos e arquivos, todo o tempo elas estão intervindo em Jerusalém, e nos campos ao redor da cidade, trata-se de uma presencia ativa, variada, responsável”.

Há um aspecto da espiritualidade cristã que triunfou também nos séculos XII e XIII: a promoção da mulher mediante o culto da Virgem. Por tal motivo, em aqueles séculos, em quanto a corrente ascética da Igreja anatematizava a mulher e o amor, a corrente mística, com São Bernardo, os espiritualizava, vendo na Madre de Deus a grande salvadora. Por exemplo, a influência de São Bernardo na vida de Dante Alighieri é visível já que o Poeta encerra os três últimos cantos doParaí so com a figura do servo fiel de Maria para, junto com ele, saudar a glória da Virgem cujo fulgor incendeia o centro da Rosa.

A importância da mulher no imaginário medieval tem suas raízes na velha cultura aristocrática grega. A virtude (ou Aret é) da mulher sempre foi a formosura. Isso é tão evidente como a valorização dos homens por seus méritos corporais e espirituais. O culto da beleza feminina corresponde ao tipo de formação cortesã de todas as idades cavalheirescas. A mulher, no entanto, não surge na Grécia antiga apenas como objeto da solicitação erótica do homem, mas também na sua firme posição social e jurídica de dona de casa. Suas virtudes são, a esse respeito, o sentido da modéstia e o desembaraço no governo do lar. Assim, por exemplo, Penélope é mais louvada por sua moralidade rígida e virtudes caseiras. Inclusive a pura beleza de Helena, que tantas desgraças trouxe sobre Troia, basta para que os anciãos da cidade se desarmem diante sua simples presença e atribuam aos deuses toda a culpa de sua autoridade. NaO dis eia, Helena retorna a Esparta com o primeiro marido e, no entanto, aparece como o protótipo da grande dama, modelo de distinguida elegância e de soberana forma e representação social.
A posição social da mulher jamais voltou a ser tão elevada como neste período homérico (JAEGER, 1989).

O efeito mais profundo da espiritualidade medieval foi a nova atitude face ao amor terreno, que surgiu primeiro na Provença influenciando radicalmente toda a literatura européia. Temos que reconhecer que o louvor e a transfiguração da amada, na poesia do amor, surgida da própria natureza do êxtase sensual, permite ao amante só perceber o objeto de seu desejo e tudo o que a ele respeita; nos leva a uma poesia do amor onde o desejo sensual chega a se fundir com as bases metafísicas de uma cultura, em relação às preocupações mais sérias do homem. Nesse contexto surgiu a Vita Nuova (Vida Nova) de Dante, uma de suas obras de juventude.

Na Vita Nuova, Dante já nos revela a exaltação do amor por uma mulher chamada Beatriz Portinari, amor que começara desde terna idade. Este amor será retomado depois noConví vio (Banquete), escrito entre 1304-1308, mas já não com o nome de Beatriz senão com o nome de donna gentile. No passo de uma obra para outra, Dante muda também seu gênero literário: no primeiro, poesia, no segundo prosa. Na primeira de suas obras, o Autor trata de seu primeiro amor, muito diferente do segundo amor, como aparece noBan quet e, pois quando Dante apaixona-se pela donna gentile, Beatriz já era morta. No Banquete, o amor por Beatriz não é negado, antes disso Dante expressamente declara que não pretende em parte alguma derrogar a Vida Nova, isto é, sua primeira obra, mais ao contrário auxiliá-la. Isso pode significar que oBanquet e é uma continuação da Vida Nova, com a diferencia de um estilo mais grave e com uma doutrina filosófica mais abundante. Este novo amor, depois de Beatriz, é o que ele chama “belíssima e honestíssima filha do imperador do Universo, à qual Pitágoras pus o nome de Filosofia”, um amor novo, um novo pensamento, que é virtuoso (Conv., II, XV, 12).

Desse modo, o Poeta combina a poesia do Dolce Stil Nuovo com a doutrina filosófica escolástica, com sua própria forma de pensar e com sua própria experiência política.Eros e política juntam-se na poesia amorosa do século XIII. Assim, Dante dá forma poética às doutrinas filosóficas e, para ele e para os poetas de seu grupo, Amor (Eros) tornou-se o apetite racional pela sabedoria ou filosofia. Sem duvida, a filosofia dantesca do Banquete serve como chave da Commedia e da Monarchia.
O objetivo deste trabalho é explicitar o caráter pedagógico e sensível da figura da mulher na sua obra mais filosófica, o Banquete ou Convivio.

1 Pesquisadora da Linha Cultura, Saberes e Práticas Escolares do Programa de Pós-graduação em Educação da UFPR. E-mail: beadoce@terra.com.br. IV Jornada de Estudos Antigos e Medievais – ISBN 85-99726-01-3 Maringá-PR, 06 e 07 de Outubro de 2005

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