Ao contrário de tantos outros profetas, que só conseguiram sedimentar sua mensagem por meio de apóstolos, muito tempo depois da morte, Maomé viu ainda em vida sua obra ser consagrada. Em 630, depois de vinte anos de pregação, ele entrou em Meca como um vitorioso.
O arcanjo Gabriel aparece para Maomé | ||
A escolha dele como "apóstolo de Alá" deu-se sob duas formas: uma intelectual e outra emocional. A primeira delas, a revelação propriamente dita (tanzil), fez dele o redator da Escritura Sagrada, do Corão (recitação) trazida a ele por um anjo. A outra parte da revelação ocorreu em forma de uma inspiração (nahyi, ilman), responsável pela conversão do coração do Profeta, passando a regular a sua conduta e servindo como exemplo aos fiéis. Maomé confiou a sua visão a sua mulher Cadija, que tornou-se sua primeira seguidora, convertendo a seguir os seus próximos. A sua tentativa de ganhar o coração dos corachitas, tribo em que nascera, porém, trouxe-lhe os primeiros dissabores. Maomé, como a maioria dos profetas, demorou para ser bem aceito na sua cidade, mas mesmo assim ele não esmoreceu em fazer da nova crença um poderosos instrumento para estabelecer novas bases sociais para os povos do deserto. O ponto da discórdia entre Maomé e os principais de Meca, foi justamente a condenação dele à adoração dos ídolos.
Caligrafia árabe em estilo thuluth | ||
O embate final deu-se na "batalha do fosso" em Medina, quando a cavalaria enviada de Meca fracassou em tomar de assalto as posições do Profeta. Esta vitória, ocorrida em 627, abriu caminho para o Tratado de Hodaibyia, de 629, que assinalou a capitulação dos habitantes de Meca, permitindo que o Maomé retornasse vitorioso a sua própria casa.
Neste espaço de tempo, o profeta passara por três fases distintas: inicialmente, numa época entremeada por meditações e dúvidas, ele fora o eleito por Alá como o seu Anunciante, depois revelou-se um comandante de homens, um general, um estrategista, para finalmente terminar os seus dias como um conquistador e um estadistas, aquele que lançaria as bases de um estado islâmico.
A região da Arábia na época de Maomé, isto é entre os séculos VI e VII, pertencia a periferia do Império Romano do Oriente (Bizantino), também considerada área de interesse marginal pela outra potência daquela época, o Império Persa ( Sassânida).
Maomé na gruta do Monte Hira junto aos primeiros fiéis | ||
O Islamismo é uma religião que chama a atenção por sua absoluta simplicidade.
Interior da Mesquita de Córdoba, Espanha | ||
Maomé nunca se viu como divino, dotado com uma outra natureza que não fosse a humana. O Corão, livro sagrado do islamismo, composto de suras (capítulos) e versículos, foi-lhe inspirado por Alá, não se trata de um testemunho como os Evangelhos cristãos, mas sim as lições do próprio Único as quais o fiel deve recitar. Maomé considerava-se o derradeiro profeta de uma linhagem que começara com Moisés (que trouxe a Torá), passara por Davi (que escrevera os Salmos), Jesus (que aparece nos Evangelhos) e ele, Maomé, autor do Corão. Justamente por isso, por ele ser o último dos profetas históricos, ele os superou. A adesão do crente ao Islã verifica-se pela obediência e o comprometimento com o que denominou-se os cinco pilares do muçulmanismo:
1) a declaração de fé em Alá (shahada);
2) a oração diária (salat);
3) a peregrinação à Meca (hajj ou Hégira);
4) a prática do jejum religioso (no mês do Ramadã);
5) e, finalmente, o compromisso com a caridade (em forma do dízimo, o zakat). Alguns supõem que também faz parte das obrigações, entrando como o 6º pilar, a adesão à jihad, a guerra santa na defesa do Islã.
Interior da mesquita | ||
Tal como o judaísmo ensejou a sinagoga e o cristianismo a igreja, o islamismo também criou o seu próprio templo: a mesquita (do árabe mosqe, derivada de masjid, lugar onde se prostra). A primeira delas foi fundada por Maomé em pessoa, na época em que esteve exilado na cidade de Medina. No chão dela encontram-se espalhados, em linha, os tapetes sobre os quais os fiéis fazem a prostração e rezam as orações, sempre voltados em direção ao mihrab, um nicho fixado na parede que indica a direção de Meca. É obrigatório aos que a freqüentam, retirar o calçado em sinal de respeito como um gesto de purificação (deixa-se a poeira da rua na entrada). As preces são presididas por um imã, do alto de um minbar (púlpito), que também é o responsável pelo khutbah (o sermão), não havendo porém um corpo oficial de sacerdotes responsáveis pela liturgia. Na mesquita não devem existir reproduções de figuras humanas ou animais, pois esta foi um proibição expressa pelo Profeta. Em compensação ela pode ser decorada com passagens do Corão, escritas em bela caligrafia, ou ainda profusamente decorada com arabescos. Para chamara o povo às preces, instalou-se no alto dos minaretes que cercam a mesquita, o muezim, que lá de cima avisa, com voz forte e ondulada, a hora da salaah (oração) que se divide ao longo do dia em cinco momentos: a fajr (ao amanhecer); a zuhr (ao meio-dia); a asr (durante a tarde); magrib (ao entardecer); e a ishha (à noite). Em cada uma delas a recitação é:
Allaabu Akbar (recitar 4 vezes: "Alá é o maior").
Ash'hadu an laa ilaaha illallaah (recitar 2 vezes: "Sou testemunha de que não há nada senão Alá")
Ash'hadu anna Muhammadar-rasulullaah ("Sou testemunha de que Maomé é o mensageiro de Alá").
Haya 'alas-salaah ( recitar 2 vezes: "Venham rezar").
Ilaya 'alal falaah (recitar 2 vezes: "Venham para Deus").
Allaaku Akbar (recitar 2 vezes: "Alá é o maior").
Laa ilaaha illallaah ( e uma vez: "Não há nenhum Deus senão Alá").
O Qu´ram (O Corão), livro sagrado dos muçulmanos, é um conjunto notável de ensinamentos de Alá transmitidos ao profeta Maomé ao longo da sua existência.
Mesquita de al-Hakim, no Cairo | ||
Os fiéis ao redor da Caaba em Meca | ||
Quando Maomé morreu em Meca, em 632, provavelmente aos 62 anos de idade, ele não deixara nenhuma determinação quanto a sua sucessão. Seus herdeiros, Abu Bekr e Omar, pertenciam ao seu círculo familiar, e decidiram-se autodenominar-se de califas (os sucessores), acumulando funções religiosas e seculares, sem porém ter a pretensão de acrescentar seja o que for à palavra e à obra do Profeta, preocupando-se mais em preservar e em difundir seus ensinamentos.
Nenhuma das grande religiões universais conheceu uma expansão tão acelerada como o Islamismo. Tendo como seu berço geográfico a Península Arábica, mais precisamente a cidade de Meca, no final do século VII ela já havia conquistado ou convertido a maior parte das cidades do Oriente Médio, expulsando facilmente o domínio cristão-bizantino de lá. Em 711, o general Tárik, chefe de tribos berberes do norte da África, desembarcou no sul da Península Ibérica, dando início a sua submissão. Só não conseguiram tomar a França porque foram derrotados por Carlos Martel em Poitiers em 732. Detidos ao ocidente, o fluxo islâmico voltou-se para o oriente. Em 751, um exército árabe derrota os chineses no Turquestão, implantando lá a bandeira do Profeta (verde com a lua crescente em seu meio). Outra onda de expansão parte de Bagdá, na Mesopotâmia, e, atravessando o Golfo Pérsico, alastra-se em direção ao Irã, ao Afeganistão e ao norte da Índia. Dali, retomando forças, desloca-se para a Malásia, para a Indonésia, chegando até a ilha de Mindanao no sul das Filipinas. Em apenas quatro séculos, de 650 a 1050, considerados a Idade de Ouro do Islã, uma impressionantes extensão de terra, com milhões de habitantes, convertera-se à religião do Profeta Maomé.
O Domo da Rocha, mesquita de Jerusalém | ||
Para o historiador Henri Pirenne foi o império árabe, surgido assim quase do nada, quem forçou a Europa, num gesto defensivo, a tentar restaurar a antiga grandeza do império romano do Ocidente, pelas mãos de Carlos Magno, rei dos francos, que, em 800, foi proclamado em Roma Imperador do Ocidente. As Cruzadas, conclamadas pelo papa Urbano II, em 1095, nada mais foram do que uma grande contra-ofensiva cristã para aliviar o sufoco que a gente do Profeta submetera a cristandade oriental e ocidental. O esfacelamento do império muçulmano em vários califados e emirados é atribuído a um contradição típica dos povos nômades. Sendo gente do deserto, vagando de um lado para o outro, as tribos nômades que formavam a massa das tropas islâmicas dessa primeira fase, se bem que vocacionadas para a guerra de conquista, terminavam por debilitar-se ao dominar os povos sedentários. Além disso, os califas não conseguiram manter uma unidade de comunicações, como as estradas e as rotas navais foram para os romanos, nem criar uma burocracia universal que servisse como elo de ligação entre o todo e as partes, como por exemplo, foram os mandarins no Império da China. Com o tempo, as províncias (Córdoba na Espanha, Damasco na Síria, Bagdá, no Iraque) formaram califados independentes, enfraquecendo o império. Mas isso deu-se no campo da política, porque no que toca a religião, o islamismo, tendo por base a Mesquita e o Corão, continuou ativíssimo e altamente sedutor, convertendo milhares de homens e mulheres à fé do Profeta, atuando num arco que se estendeu do oceano Atlântico até o Mar da China, do coração da África Negra, no Sudão, até as estepes asiáticas da Eurásia.
A península arábica, berço do islamismo | ||
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