Fabrizio Rigout
É sempre uma surpresa positiva encontrar um livro de pesquisa social que exercite a dúvida. Uma obra que exponha tanto as evidências que levaram o autor a chegar a determinada conclusão como aquelas que poderiam fazer com que o leitor delas suspeitasse. Temos então a promessa de um diálogo de honestidade intelectual. Isso se alcança, num primeiro momento, pelo descarte das grandes teorias explicativas em favor de um recorte mais indutivo, o que por sua vez pode implicar uma falta de ambição teórica. Esse é sempre o dilema da explicação na ciência social: comprovar a tese ou teorizar sobre a prova. A interpretação apresenta-se nessas horas como alternativa. O autor interpela os fatos não para retomar na conclusão a hipótese adiantada no primeiro capítulo, mas o faz no decorrer da exposição à luz de grandes questões teóricas, buscando dosar profundidade e representatividade.
É uma missão arriscada que requer muita capacidade argumentativa. Se à criatividade necessária para realizar esse projeto não corresponder uma pesquisa original diligente, a obra será enquadrada entre os textos de sistematização. Se o autor ostenta grandes descobertas factuais, porém faz perguntas ingênuas, o livro gravita para um mercado em que o sucesso de público depende tanto ou mais da qualidade literária do que do interesse teórico.
Interpretação original
Muitos podem não concordar com suas teses originais, mas é difícil que alguém as considere ousadas demais em face da riqueza de fatos apresentada. Entre suas melhores passagens, o livro propõe que a forma de guerrear do cangaceiro foi produto do amadurecimento secular da experiência de negros rebelados, caboclos oprimidos, e da crueldade do senhorio moreno do Nordeste, vencendo assim a tentação de explicar a luta entre as forças da ordem e do banditismo alinhando-as em termos de classe ou cultura. Em todos os momentos, a análise revela maturidade ao não se deixar seduzir pela dimensão épica do cangaço e traçar um panorama complexo das mentalidades de seus integrantes, em que as vontades de riqueza, poder e gozo se misturam ao desejo de justiça coletiva e redenção.
Trata-se da obra mais sofisticada até o momento de um historiador jovem, inquieto, e de certo modo outsider. Pericás construiu uma já prolífica carreira (mais de 50 artigos acadêmicos publicados, dez livros, sendo dois de ficção, e outros tantos organizados e prefaciados) tangenciando os departamentos universitários, evitando associar-se a esta ou àquela corrente de pensamento. Tal desprendimento seguramente é uma das razões para o frescor deste livro.
Fabrizio Rigout é doutor em sociologia pela Universidade da Califórnia
Os Cangaceiros – Ensaio de Interpretação Histórica
Luiz Bernardo Pericás
Boitempo
320 págs. – R$ 54
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