segunda-feira, 14 de março de 2011

Fogueiras: nazis queimam livros

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A queima de seres humanos, de livros ou de lavouras experimentais faz parte da lógica da intolerância e do reacionarismo que, por motivos ideológicos diversos, acomete as sociedades ao longo da história. As fogueiras sempre foram justificadas por serem um instrumento de princípios elevados. Lança-se mão do fogo, dizem, para defender o povo da contaminação ou dos envenenamentos provocados pelas crenças, pelo sangue, idéias ou transgênicos.

As Duas Chamas

"Na própria labareda vislumbram-se duas chamas, uma clara, outra escura; uma alta, ondulante, outra pesada - seu suporte. Ocasionalmente, torna-se azul ou rubra, mas a outra mantém-se luminosa. Parceiras, a de baixo faz vinculações entre a luz alva e a substância inflamada que a alimenta. Esta chama inferior, por sua natureza, é o instrumento da destruição. A superior, límpida, não consome, não destrói, jamais se modifica."

Do Zohar - O Livro do esplendor, século XII


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Um auto-de-fé ideológico (queima de livros em Berlim)

Nazistas caçam livros

"Onde começam a queimar livros, terminam sempre queimando homens."

Heinrich Heine, poeta


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Cartaz antinazista sobre a queima dos livros

Joseph Goebbels, o ministro do Reich para Esclarecimento do Povo e da Propaganda, enfatizou no discurso de lançamento da campanha Wider den undeutschen Geist ser preciso eliminar a má influência exercida pela literatura não-germânica sobre a juventude nacional-socialista com um ato espetacular. Não deveria pairar dúvidas sobre a radicalidade da Revolução Parda, liderada pelo Führer Adolf Hitler (no poder há três meses). Ela viera para expurgar para sempre da formação dos alemães o liberalismo, a Kulturbolchevismus, o cosmopolitismo, o judaísmo, o pacifismo, e tudo aquilo mais que aquebrantasse os valores superiores do germanismo. Organizou-se para tanto uma lista negra com obras de filosofia, ciências, da lírica e do romance a serem eliminadas, contendo tudo o que lhes parecia subversivo, antipatriótico, decadente ou desvirilizador.



Invadindo bibliotecas


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Recolhendo livros

Foram as próprias organizações estudantis nazistas, especialmente a NS-Studenten, que, em dez de maio de 1933, tomaram a iniciativa de fazer a Säuberung, a depuração da cultura. Por toda a Alemanha, auxiliadas por tropas de choque da SA (Sturmabteilung) e das polícias locais, hordas de jovens fanáticos tomaram de assalto as bibliotecas públicas, acadêmicas, e até privadas. Aos gritos e aos empurrões, cataram nas estantes tudo aquilo que aos seus olhos lhes parecia undeutsches, "não-alemão". Recolhidos os volumes como se os livros fossem criminosos, chutados e pisoteados, eram jogados nos caminhões para serem transportados para a incineração. Em Berlim, por ser na capital, decidiram-se por uma cerimônia pública de maior impacto, aBücherverbrennung, a grande queima de livros.

O Triunfo da Violência Organizada


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Goebbels, incentivando do auto-de-fé dos livros

O local escolhido para erguer a fogueira foi simbólico: a Operaplatz, a Praça da Ópera, no coração cultural da grande cidade. Os caminhões que chegavam, um a um eram descarregados, passando os exemplares das mãos dos de uniforme para a dos rapazes com as braçadeiras com a suástica que, de imediato, os lançavam nas labaredas da enorme pira que se espalhava no centro da avenida. Além de Berlim, essa cerimônia macabra realizou-se ainda em mais outras 40 cidades da Alemanha. As capas e páginas consumidas pelas chamas alimentavam com o seu fulgor aquela noite fria e triste.

Um Auto-de-fé Ideológico

Pode-se dizer que os nazistas, ao promoverem aquela vasta destruição pública de livros, realizaram naquele momento o primeiro auto-de-fé ideológico do século XX. O O restante das nações entendeu-o como uma espécie de macabra advertência do que estava ainda por vir nos anos seguintes.


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A grande queima em Berlim (10/maio/1933)

O clima entre os piromaníacos era de exaltação, de sanha patriótica. Havia uma espécie de sadismo nos olhares daqueles jovens estudantes e milicianos que se compraziam em ver desaparecer parte considerável da tradição cultural alemã: os tomos de Freud, de Einstein, de Marx, dos irmãos Mann, Heinrich e Thomas, de Alfred Döblin, Erich Maria Remarque, de Bertold Brecht, e tantos mais (*). Justo na terra de Guttemberg, para espanto de todo o mundo civilizado, naquela noite terrível, 25.000 livros arderam no fogo em todo o país, enquanto mais de três mil títulos e autores, germanos e estrangeiros, passaram a ser terminantemente proibidos em todo o território alemão. E, quase que obedecendo ao dito de Heine - um dos que, por ser judeu, também teve as obras devoradas pelas chamas -, não tardou muito para que o III Reich se entregasse a incinerar homens.

(*)A Lista Negra dos Proibidos

Antes do Feuersprüche, o ato de lançar-se o livro na fogueira, havia a exigência de que houvesse uma Rufer, uma chamada, seguida do motivo daquele autor ser consagrado às chamas purificadoras:

1- Chamada: contra a pregação da luta de classes e contra o materialismo (as obras de Marx e Kautsky)
2 - Chamada: contra a decadência e a decomposição moral (Heinrich Mann, Ernst Glaeser, E. Kästner)
3 - Chamada: contra mentalidade preguiçosa e a traição política (F.Wilhelm Förster)
4 - Chamada: contra as angústias morais e a avaliação exagerada dos instintos (S. Freud)
5 - Chamada: contra a falsificação da história e o desrespeito ao passado (E. Ludwig e W.Hegemann)
6 - Chamada: contra a confraternização com a praga do jornalismo democrático-judeu
7 - Chamada: contra a traição literária cometida contra o soldados na Guerra Mundial (Erich Maria Remarque)
8 - Chamada: contra o obscurecimento e a estropiamento do idioma alemão (Alfred Kerr)
9 - Chamada: contra o atrevimento e a usurpação (Kurt Tucholsky e Ossietzsky)


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Marx, Freud e Brecht, na fogueira nazista

Um Enigma


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Até hoje causa espanto que uma das nações mais cultas e civilizadas do muno ocidental tenha resvalado tão rapidamente para um coletivismo intolerante, racista e bárbaro, como deu-se com a Alemanha nos anos trinta. Quase que do dia para noite o país dos poetas e dos pensadores, como então se dizia, aceitou conviver, praticamente sem reação nenhuma, com a supressão de todas as liberdades conquistadas pela civilização desde a Revolução Francesa de 1789. Transformou-se assim da terra dos poetas e pensadores (Dichter und Denken) na pátria dos juízes opressores e dos carrascos (Richter und Henken). Situação que, como não poderia deixar de ser, causa até hoje muito embaraço entre os alemães.

http://educaterra.terra.com.br


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