quarta-feira, 1 de julho de 2009

Pearl Harbor


Pearl Harbor
De acordo com alguns historiadores, o governo americano sabia com antecedência que o Japão atacaria sua base no Havaí. Mas nada fez porque era o pretexto que buscava para entrar na Segunda Guerra
por Leandro Quintanilha
O sol mal havia anunciado a manhã do domingo quando um radar, instalado dias antes, acusou a aproximação de um grupo de aviões ao paradisíaco arquipélago havaiano. O alerta de nada adiantou. Os oficiais responsáveis confundiram o ataque inimigo com a chegada previamente agendada de novas aeronaves. Em duas horas, os japoneses feriram e mataram 3581 pessoas e destruíram 18 navios e 249 aviões de Pearl Harbor, base naval e quartel-general que os americanos mantinham no Pacífico. No dia seguinte, os Estados Unidos entraram oficialmente na Segunda Guerra Mundial.

O ataque ocorreu em 7 de dezembro de 1941, data que os americanos lembrariam depois como o “Dia da Infâmia”. Passados mais de 60 anos, ainda não há um consenso a respeito de uma das mais maquiavélicas hipóteses levantadas sobre o ataque: a de que o governo americano sabia, com razoável antecedência, de tudo o que aconteceria naquela trágica manhã. Afinal, Pearl Harbor foi motivo ou pretexto para a entrada dos Estados Unidos na guerra?

O historiador americano John Toland é um dos estudiosos que defendem a tese de que o ataque a Pearl Harbor não foi nenhuma surpresa para os governantes dos Estados Unidos. O serviço secreto americano teria interceptado e decifrado mensagens dos japoneses dando conta da iminência do ataque à base naval no Havaí. Mas o então presidente Franklin Delano Roosevelt teria preferido “fechar os olhos” para a agressão nipônica, pois queria convencer os americanos – até então contrários à participação na guerra – sobre a necessidade de o país se juntar aos Aliados. Toland escreveu dois livros sobre o assunto, ainda inéditos no Brasil: Infamy (“Infâmia”) e The Rising Sun: The Decline and Fall of the Japanese Empire (“O Sol Nascente: o Declínio e a Queda do Império Japonês”, numa tradução livre). Este último narra a Guerra do Pacífico do ponto de vista japonês e rendeu ao autor o Prêmio Pulitzer de jornalismo.

Na opinião de Maria Aparecida de Aquino, professora de História Contemporânea na Universidade de São Paulo (USP), a tese de Toland é plausível. “Os Estados Unidos já ajudavam os Aliados com suprimentos desde o começo da guerra (1939)”, diz ela. “Era preciso justificar o envio de soldados americanos para um conflito até então eminentemente europeu.” Segundo a professora, antes do ataque a Pearl Harbor, a guerra parecia muito distante das necessidades imediatas do cidadão médio americano.

Mas a rivalidade com o Japão já somava anos. De todo o Oriente, o arquipélago japonês era o único totalmente independente do colonialismo euro-americano. E o Japão foi também o único país da Ásia a derrotar uma potência européia. Em 1904, na guerra russo-nipônica, conquistou duas grandes vitórias, uma naval (Tsushima) e outra terrestre (Port Arthur), tornando-se a mais poderosa força militar do Extremo Oriente.

Por tudo isso, os Estados Unidos, a França e a Grã-Bretanha trataram de se aproximar da China nas primeiras décadas do século 20. A estratégia era contrabalançar o crescente vigor do Japão, que se expandira para a ilha de Taiwan, a península da Coréia e a Manchúria (região do nordeste da China). Tomando partido da China, os Estados Unidos adotaram uma severa política de embargos contra o Japão, com a supressão da venda de aço e petróleo, produtos estratégicos para as operações militares japonesas. O Japão deveria recuar em todas as frentes conquistadas nos anos anteriores para que o boicote fosse suspenso – uma condição ultrajante aos olhos do imperador japonês Hiroíto.

Motivos não bastam

No correr da primeira metade do século passado, a polaridade Japão–EUA firmou-se como uma disputa quase declarada pela hegemonia do continente asiático. Para o governo americano, entrar numa guerra contra o Japão parecia, portanto, muito oportuno. Mas a história é como os tribunais – motivos, por si sós, não fazem culpados. “Não há nenhum indício, nenhum documento, nenhum testemunho sequer que possa confirmar a tese de que o governo Roosevelt sabia previamente do ataque”, afirma o historiador e escritor Voltaire Schilling, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Segundo Schilling, a direita americana da época tinha ligações com o Eixo. “Ela lançou essa mentira para difamar Roosevelt, apontando-o como enganador do povo americano.” Nos Estados Unidos, há uma lei que torna os documentos do Estado disponíveis para análise pública depois de 20 anos. O presidente Richard Nixon, republicano eleito em 1969, tratou de revirar os arquivos da Segunda Guerra em busca de provas contra Roosevelt. Nada encontrou. “E jamais encontrarão algo, pela simples razão de que nenhum estadista, muito menos Roosevelt, ousaria perder grande parte da sua esquadra num momento em que uma crise se espalhava pelo mundo, apenas para motivar o povo à guerra”, diz Schilling

Com o ataque a Pearl Harbor, o almirante Isoroku Yamamoto pôs fora de combate toda a esquadra americana do Pacífico e fez com que, por um bom período, o grande oceano se tornasse um lago japonês. Até que os Estados Unidos se recuperassem, as forças nipônicas puderam montar um complexo sistema de defesa espalhado pelas ilhas do Pacífico.

Schilling aponta também que dezenas de pessoas trabalhavam para o presidente – oficiais do Pentágono e funcionários da Casa Branca, telefonistas, telegrafistas, secretárias etc. “Essas pessoas não ficariam de boca fechada, deixando o país ser friamente atacado sem fazer nada, apenas para agradar ao chefe.”

Mas a negligência americana no episódio foi notável. Mesmo Schilling se impressiona com o fato de que, em Pearl Harbor, todo o sistema de alerta tenha miseravelmente falhado. Houve trapalhadas com os radares, as primeiras informações sobre os vôos rasantes dos aviões japoneses não foram levadas a sério, não havia patrulhas aéreas... Como que para facilitar a destruição, os navios estavam ancorados muito próximos uns dos outros. Quando um era atingido, o fogo logo chegava ao vizinho, seguindo facilmente seu caminho incendiário. Não surpreende que tamanho amadorismo dê até hoje munição para os defensores de teorias conspiratórias.

Mas há de se desculpar em parte o descuido americano. Naqueles dias, os japoneses estavam ocupados com as ilhas Filipinas, bem longe do Havaí, perto da China. Era difícil imaginar que eles investiriam tanto numa força-tarefa tão distante de casa.

O ataque começou às 7h53, na hora local. No Japão, já eram 3h53 do dia seguinte, 8 de dezembro. Os aviões japoneses atacaram em duas vagas. Juntas, em duas horas, elas mandaram 353 aviões a Oahu, o arquipélago de Pearl Harbor. A primeira vaga foi liderada por 186 torpedeiros-bombardeiros, aproveitando a surpresa da chegada para atacar os navios no porto, enquanto bombardeiros-de-mergulho destruíam as bases aéreas. O segundo grupamento, com 168 aviões, atacou o campo Bellows e a ilha Ford, uma base militar no meio de Pearl Harbor. Entre os navios, o afundamento mais trágico foi o do Arizona, que submergiu com 1106 marinheiros. Em nenhuma outra época os Estados Unidos haviam perdido tanta gente em tão pouco tempo. Nos dias que se seguiram, a população americana foi rapidamente tomada pela revolta e pelo desejo de vingança. A entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra tornou-se inevitável.

O ataque japonês parece hoje um tiro no pé. A vitória em Pearl Harbor foi efêmera. Basta lembrar o trágico desfecho que teria a Segunda Guerra: o lançamento de duas bombas atômicas pelos americanos, sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, nos dias 6 e 9 de agosto de 1945. “Foi um recado para o mundo”, diz a historiadora Maria Aparecida. “Muito antes das bombas, já estava claro que os japoneses perderiam a guerra.”

No memorável discurso pós-ataque, em 9 de dezembro de 1941, quatro anos antes do lançamento das bombas atômicas sobre o Japão, o presidente americano Roosevelt havia declarado: “Nós, americanos, não somos destruidores – somos construtores”. Foi quando classificou o episódio do ataque japonês como o “Dia da Infâmia”. Numa guerra motivada pelo expansionismo, que envolveu nazi-facismo, ataques-surpresa, supostas omissões maquiavélicas e duas bombas atômicas, é difícil dizer qual foi a infâmia maior.

O presidente do orgulho americano

Franklin Delano Roosevelt (1882-1945) foi único americano a exercer quatro mandatos presidenciais. Em seus discursos, ele se notabilizou por reforçar a auto-estima dos americanos. Em 9 de dezembro de 1941, dois dias depois do ataque japonês a Pearl Harbor, declarou: “Vamos vencer esta guerra e vamos conquistar a paz que se seguirá. E nas horas escuras deste dia – e através dos dias negros que talvez ainda venham – saberemos que a vasta maioria da humanidade está do nosso lado.”



A guerra do expansionismo
A Segunda Guerra Mundial opôs, de um lado, os países Aliados (principalmente Grã-Bretanha, Estados Unidos, França e União Soviética) e, de outro, as potências do Eixo (Alemanha, Itália e Japão). As raízes do conflito remontam à década de 1930, com o surgimento de governos totalitários, militarizados e expansionistas na Europa.

Oficialmente, considera-se que a guerra teve início em 1º de setembro de 1939, quando o Exército alemão, sob as ordens de Adolf Hitler, invadiu a Polônia. Hitler pregava o expansionismo vinculado ao nazismo, movimento radical de afirmação de superioridade da raça ariana e perseguição a outras etnias, especialmente os judeus.

Na Itália, vigorava o fascismo de Benito Mussolini, que exercia o poder quase sem limites legais. A Itália e a Alemanha, desrespeitando os acordos internacionais, avançavam militarmente em direção ao Leste Europeu. Enquanto isso, a hegemonia do continente asiático era disputada pelo Japão e pelos Estados Unidos. O ataque japonês à base naval de Pearl Harbor, em 1941, criou o motivo/pretexto necessário para a entrada da potência americana na Segunda Guerra.

Ao final de seis anos de combates, os Aliados derrotaram o Eixo. O derradeiro lance aconteceu em agosto 1945, quando os Estados Unidos lançaram bombas atômicas sobre as cidades japonesas Hiroshima e Nagasaki. Em seis anos de guerra, morreram quase 60 milhões de pessoas – foi o conflito que mais causou mortes na história da humanidade.

Uma das principais consequências da guerra foi que a Alemanha e o Japão – mas também a França e a Grã-Bretanha – perderam importância política global. Os Estados Unidos e a União Soviética emergiram então como as duas maiores potências do planeta.


Como o Brasil virou um país aliado
Segunda Guerra, Pearl Harbor, nazismo... Como ficou o Brasil nesse contexto? Esse é um dos temas abordados no livro Relações Perigosas: Brasil–Estados Unidos, de Luiz Alberto Moniz Bandeira, professor titular de História da Política Exterior do Brasil na Universidade de Brasília (UnB). Nessa obra, Bandeira – um dos que acreditam que o presidente americano, Franklin Delano Roosevelt, sabia previamente sobre o ataque japonês a Pearl Harbor – conta que a neutralidade do Brasil foi abalada com a entrada oficial dos Estados Unidos no conflito, em 1941. Afinal, o Brasil dependia das exportações de café, e o café, do mercado americano. Em troca de apoio, o presidente Getúlio Vargas teria negociado com os Estados Unidos para obter empréstimos vantajosos e construir a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em Volta Redonda (RJ). Os americanos, por sua vez, queriam instalar bases militares no litoral do Brasil, mais especificamente no Nordeste, para defender o Atlântico Sul, pois os alemães já estavam no noroeste da África. Roosevelt teria topado ajudar o Brasil na construção da CSN para evitar que o investimento fosse feito pela Krupp, empresa alemã, com quem Vargas negociava em paralelo. O governo americano, coisa que nunca havia feito, concedeu ele próprio o crédito, já que a United Steel não queria fazer o investimento. Depois do ataque a Pearl Harbor, o Brasil rompeu relações com a Alemanha e com a Itália. Em retaliação, submarinos alemães torpedearam navios brasileiros. Pressionado pelo governo americano, Vargas declarou apoio aos Aliados. O Brasil participou da reta final da guerra, enviando à região de Monte Cassino, na Itália, os pracinhas da Força Expedicionária Brasileira (FEB). Cerca de 25 mil soldados brasileiros compartilharam da vitória dos Aliados. Apesar disso, o nazismo encontrou ressonância em grupos nacionais isolados. Durante a guerra, o Brasil era o país que mais abrigava nazistas – depois da Alemanha, é claro.

Saiba mais
Livros

Pearl Harbor

Randall Wallace, Ediouro/Time Warner, 2001.

Obra que inspirou o filme homônimo, sobre a manhã em que ocorreu o ataque japonês à base naval americana.

Roosevelt

Lord Roy Jenkins, Nova Fronteira, 2005. Biografia de Franklin Delano Roosevelt, da infância aos seus quatro mandatos presidenciais.

Revista Aventuras na Historia

Um comentário:

Anônimo disse...

Pela mãe do guarda, quando é que estes "jornalistas" vão parar de confundir MONTE CASSINO com MONTE CASTELO! Outro dia saiu na Folha a mesma patuscada...
Hellooo!!!!!!!!