domingo, 26 de julho de 2009

A arte de vender


A arte de vender
Dos arautos medievais aos milionários garotos-propaganda, a evolução da publicidade contada por campanhas lendárias
por Renata Chiara
Na Babilônia, quando um sapateiro ou um ferreiro queria oferecer seus serviços, escrevia no muro. Essas pinturas eram feitas por diferentes tipos de profissionais e são os primeiros registros encontrados de publicidade, datados de 3000 a.C. Depois, nos séculos que antecedem a era cristã, vieram os cartazes, pendurados nas praças da Roma antiga, anunciando apartamentos para alugar - uma espécie de antepassado arqueológico do outdoor. Já os primeiros garotos-propaganda surgiram na Idade Média: arautos que gritavam notícias da nobreza e também eram pagos para divulgar as ofertas dos mercadores. Durante séculos, a publicidade se manteve assim, rudimentar e com baixíssimo alcance. Um produto ou serviço só conseguia se tornar conhecido por pouco mais de algumas centenas de pessoas. Até o século 15, quando a propaganda deu um salto. A invenção da imprensa, por volta de 1450, multiplicou cartazes e panfletos, ampliando o impacto das mensagens publicitárias. Daí para a frente, o mercado consolidou uma indústria criativa, produtora de símbolos culturais, capaz de induzir comportamentos, ódios, amores e manias.

Para contar essa história, reuniram-se os publicitários franceses Stéphane Pincas e Marc Loiseau, veteranos que passaram a maior parte da sua vida profissional no poderoso conglomerado francês Publicis. No livro A History of Advertising ("Uma história da propaganda", sem tradução no Brasil), eles apresentam detalhes de campanhas lendárias, para contar a evolução da publicidade no mercado ocidental. Desde os idos de 1633, quando o francês Théophraste Renaudot lançou o semanário La Gazette de France, o primeiro a contar com anúncios pagos de forma constante e regular.

Surgidos no século 17, na Europa, os jornais abriram espaço para a propaganda alcançar ainda mais pessoas que os cartazes ou folhetos impressos. Apesar de ter nascido na Europa e provavelmente existido em todas as civilizações antigas, a publicidade ganhou impulso mesmo na Era Industrial, nos Estados Unidos. Com a produção de mercadorias em larga escala, veio a necessidade de educar o público a consumi-las. Surgiram, então, na Europa e nos Estados Unidos do século 19, as primeiras agências de publicidade, ditando uma nova linguagem, pautada no humor, na ironia e no que mais despertasse o interesse dos consumidores. A propaganda virou "a alma do negócio".

A primeira empresa chamada oficialmente de "agência de publicidade" começou a funcionar em 1841, quando Volney B. Palmer abriu seu escritório na Filadélfia. O ano é um dos marcos do nascimento da publicidade moderna, quando bens de consumo começaram a ser vistos como ícones culturais. Os "agentes" contratavam, dos jornais, grandes espaços nas páginas, com desconto. E os revendiam a preços mais altos aos anunciantes, que produziam eles próprios suas propagandas. Esse sistema durou até 1869, quando Francis Ayer, após comprar a Palmer, resolveu mudar o jeito de trabalhar. Ele revendia o espaço pelo mesmo valor cobrado pelo jornal, mediante uma comissão pré-acordada com o cliente. Nascia o modelo de negócio que até hoje mantém a publicidade rentável. Em pouco tempo, Ayer estava também fazendo pesquisa de mercado e escrevendo os anúncios.

Em 1877, James Walter Thompson abriria aquela que hoje é a mais antiga agência dos Estados Unidos. E levou a sério essa produção, contratando artistas e escritores para o primeiro departamento de criação da História. Por isso, é considerado "o pai da publicidade moderna".

Grão de cacau

Apesar da força dos Estados Unidos ao longo de toda a trajetória da publicidade, muitos de seus momentos importantes estão ligados à Publicis, uma gigante na área de comunicação, fundada em 1926, na França, por Marcel Bleustein-Blanchet. Nos anos 70, a empresa se uniu a agências que já haviam conquistado grande parte do segmento, nos Estados Unidos, e hoje o grupo Publicis é dono de 12 empresas de comunicação, entre elas agências poderosas como a Saatchi & Saatchi e a Leo Burnett. Na cartela de clientes, há marcas como Coca-Cola, American Express, Nestlé e Toyota.

Um dos destaques do livro é a primeira campanha da Coca-Cola, que usava a seta como principal símbolo ("siga a seta"). Apenas no ano de 1915 a garrafa ganhou a forma que a consagrou, inspirada na foto de um grão de cacau, publicada na Enciclopédia Britânica. O fabricante queria um design tão único que fosse reconhecido até quando a garrafa estivesse aos cacos, quebrada. O resultado foi mais que satisfatório e as garrafas passaram a ter espaço garantido nos anúncios, fazendo do produto um item de primeira necessidade para a família americana e um símbolo do sistema (a "água negra do capitalismo").

Outro episódio descrito pelos autores é o dos cigarros Camel, que, antes da era do politicamente correto, também virariam um ícone cultural graças ao talento de um grupo de publicitários. Em 1913, a pioneira N.W. Ayer & Son foi incumbida de lançar um produto da R.J. Reynolds: uma mistura de tabaco de origem turca e americana. A equipe de criação buscou inspiração na foto do dromedário Ol’ Joe, atração de um circo que passava pela cidade. E a imagem virou o logotipo da marca, estampado até hoje em maços por todo o mundo.

Os tempos eram outros. O American Meat Institute (Instituto Americano da Carne), associação da indústria de embalagem e processamento de produtos à base de carnes, foi, durante anos, um dos maiores orçamentos do mercado publicitário dos Estados Unidos, reunindo muitos criadores de gado. Em 1944, dois funcionários da Leo Burnett passaram cinco semanas viajando pelo país, conversando com produtores e consumidores, até chegarem à campanha "Meat", que valorizava o potencial nutritivo da carne vermelha. Os anúncios faziam uso dramático da cor vermelha, com fotos de pedaços de carne em tamanho quase natural.

De lá para cá, a publicidade ainda se reinventaria várias vezes, atravessando meios de comunicação de massa como o rádio, a televisão e, mais recentemente, a internet. E o que um dia foi estritamente informativo ganhou abordagem criativa.

Orgulho e vergonha

Nesse sentido, o livro destaca as propagandas criadas para as sopas Campbell’s no início dos anos 60, que associavam a marca à ideia de tradição e confiança. E de fato, por décadas, as mães americanas confiavam na sopa como forma econômica e nutritiva de alimentar os filhos. Esse cenário cristalizado de família feliz e bem alimentada inspiraria uma das obras mais famosas da arte pop.

Ao pintá-lo em série, em 1962, o artista nova-iorquino Andy Warhol transformou esse produto essencialmente americano no símbolo da cultura que valoriza tudo aquilo que pode ser encontrado nas prateleiras de um supermercado. Como toda forma de arte, a publicidade acompanhou as tendências políticas de seu tempo. Um capítulo mostra, exatamente, como os publicitários teriam colaborado para a onda de contestação que invadiu o mundo nos anos 60. Em 1969, a MacManus John & Adams, de Detroit, publicou um anúncio institucional para promover a agência. A ideia era sintetizar o que significava, então, ser americano. Entre outras coisas, o texto dizia: "Eu morri no Vietnã. Mas eu andei na superfície da Lua. Eu construí uma bomba que destrói o mundo. Mas eu a usei para acender uma lâmpada. Eu estou envergonhado. Mas eu estou orgulhoso. Eu sou americano".

A partir dos anos 80 e 90, nova ruptura, dessa vez na liberdade para falar de sexo, também na propaganda. Em 1990, a agência BBH, de Londres, criou anúncios para os sorvetes Häagen-Dazs - que, apesar do nome europeu, nasceu em Nova York - de conteúdo claramente sensual. Corpos nus, lambuzados de sorvete, apareciam ao lado da mensagem: "Sinta-me". Começavam os anos 90.
Para o futuro, o livro sugere pistas. "Num mundo onde cada indivíduo é um provedor de conteúdo, é ingênuo acreditar que marqueteiros vão controlar as marcas", afirma Pat Fallon, dono da agência que tem seu nome. Na opinião dele, os publicitários não devem resistir, mas se aliar a novas ideias. Se um adolescente cria uma paródia de um comercial famoso e o torna público em sites como o YouTube, talvez seja sinal de uma tendência a ser explorada, em vez de o fim de uma forma de fazer publicidade. E, para profissionais como Fallon, decifrar essas tendências é tarefa, no mínimo, desafiadora.

Salve, simpatia
Dos versos de Bilac ao "baixinho", o Brasil criou um estilo bem-humorado e sensual


Escravos e imóveis, unguentos, avisos de leilões, serviços de artesãos, retratistas. Os anúncios impressos e pagos apareceram no Brasil no início do século 19, com o primeiro jornal, a Gazeta do Rio de Janeiro, em 1808. Até meados do século, vão acompanhar a expansão da cidade, inspirados pela cultura europeia, ganhando ilustrações e versos. "No fim do século 19, início do 20, escritores e poetas ganhavam grana fazendo propaganda", diz José Roberto Whitaker Penteado, presidente do Instituto Cultural da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). Segundo ele, pesquisas recentes revelam que o poeta Olavo Bilac não só escrevia propaganda em verso, mas teria sido dono de sua própria agência. "Consta que ela funcionava na avenida Rio Branco, no Rio, ainda no século 19." Mas esse tratamento lírico seria atropelado, em 1923, pela abordagem "científica" de Claude Hopkins. "É o primeiro a dizer que publicidade não é arte, mas persuasão, e que conceitua a ideia da eficácia", diz Penteado. "Tem a ver com o neo-imperialismo dos Estados Unidos, após a Primeira Guerra Mundial, quando as empresas começam a se instalar em vários lugares do mundo, e junto delas, as agências." Chegam ao Brasil a Ayer, a Thompson, a Grant. Entre as primeiras agências brasileiras está a Eclética, fundada em 1914, por João Castaldi e Jocelyn Bennaton, que logo a passaram para Eugênio Leuenroth e Julio Cosi. Nos anos 20, Cosi viajou pelo Brasil, fazendo contatos com os jornais do país e visitando revendedores Ford, para convencê-los a ratearem as despesas com a publicidade local. "Uma viagem incrível para a época", diz Julio Cosi Jr., filho do pioneiro Cosi e ele também responsável por uma virada na propaganda, nos anos 60. A chamada "revolução criativa" eclodiu em Nova York. E Julio Cosi Jr. se jogou no olho do furacão, ao estagiar na agência Doyle Dane Bernbach (DDB). De volta ao Brasil, aplicou as novidades de Bill Bernbach - como o uso da ironia e da sinceridade. Por exemplo, na campanha criada por Cosi Jr., Dale Puckett e Roberto Duailibi para a Bozzano: "Um dos meus títulos dizia: ‘O novo Creme de Barbear Bozzano contém Lantrol. E daí?’ (...) Usa sinceridade com o leitor do anúncio, duvidando do valor, da mania das empresas de anunciarem aditivos, ingredientes milagrosos", escreve Cosi Jr. no livro que está escrevendo sobre sua história. Mas, para ele, o grande propagador das ideias da DDB foi Alex Periscinoto, especialmente nas campanhas da Volkswagen. Os anos 70 marcaram a profissionalização e a chegada da televisão. Destaque da época, de acordo com Penteado, seria a campanha do Bombril. "Foi criada em 1978, quando não havia nenhum produto prioritariamente para mulher anunciado por um homem", diz o publicitário Washington Olivetto. Para Penteado, a publicidade brasileira é cheia de brejeirice, humor e sensualidade. Como se vê, diz ele, nos "mamíferos", da Parmalat, ou no "baixinho", da Kaiser.

Saiba mais

Livro

Propaganda Brasileira, Francisco Gracioso e J. Roberto Whitaker Penteado, Mauro Ivan Marketing Editorial, 2004
A publicidade no país desde o século 19 até o 21, passando pela Guerra Fria, a ditadura militar, a redemocratização.

A obra
A History of Advertising, Stéphane Pincas e Marc Loiseau, Taschen, 2008

Revista Aventuras na Historia

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