Camille Claudel - Arte, paixão e loucura
Com apenas 17 anos, Camille chegou a Paris, onde conheceu um dos maiores artistas de seu tempo, Auguste Rodin, de quem se tornou assistente, musa e amante. A partir daí, seus destinos estariam para sempre entrelaçados
por Bia Baldim
Camille Claudel morreu em 1943, aos 79 anos de idade, pobre, sozinha numa cama de hospício, onde ficou por mais de 30 anos. Em vida, ela foi atormentada por um amor impossível, pelos preconceitos da sociedade francesa do século 19 e pela doença que a levou ao isolamento. A própria família a renegou. A sobrinha-neta de Camille, Reine-Marie Paris, autora de uma tese sobre a vida da artista (Camille Claudel, de 1984), conta que brincava entre as esculturas guardadas na casa do avô, Paul, irmão de Camille. “Até pouco tempo atrás, a família tinha vergonha da escultora e o nome de Camille sequer era pronunciado”, diz. Mas o que essa artista brilhante fez de tão grave? Por que suas obras ficaram escondidas e esquecidas por tanto anos?
Para entender a vida de Camille é preciso voltar à sua infância, na discretíssima Villeneuve-sur-Fère, na região de Champanhe, no sul da França. Ali, entre brincadeiras e pequenas aventuras ao lado de Paul, Camille foi uma criança fora dos padrões e alheia ao que se esperava de uma menina no século 19. Numa época em que as mulheres eram criadas para afazeres domésticos, ela estava sempre suja de barro e descabelada. Ela e o irmão caçula fugiam de casa para se aventurar nas montanhas que cercavam a aldeia. Paul Claudel, que mais tarde se tornaria um dos grandes escritores da França, descreveu o cenário de sua infância no livro Mémoires Improvisés (“Memórias Improvisadas”, sem versão em português), de 1954: “Vivíamos em terra agreste e selvagem, uma paisagem extremamente austera, com ventos e chuvas freqüentes”.
Para o desespero da mãe e orgulho do pai, Camille descobriu cedo o gosto pela escultura. Começou moldando argila, quase como uma brincadeira. Eram figuras inspiradas em Napoleão, Davi e Golias, além de membros da família. Na adolescência, um de seus professores foi o escultor Alfred Boucher. Foi ele que sugeriu ao pai de Camille, Luis-Prosper Claudel, que levasse a menina a Paris, onde ela poderia participar de grandes salões de arte e conhecer a nata intelectual e artística da época.
O pai de Camille acreditava na vocação da filha. E, apesar dos gastos que isso representava, em 1881 levou toda a família para Paris. Eles chegaram em uma charrete emprestada por um vizinho. “Todos estavam exaustos, apenas Camille, então com 17 anos, e a empregada Eugènie irradiavam alegria”, escreveu a francesa Anne Delbée, no livro Camille Claudel, Uma Mulher, biografia publicada na França em 1982.
Mas em Paris as dificuldades eram enormes para uma jovem artista. A escultura, além de ser uma atividade prioritariamente masculina, exigia materiais caríssimos como o mármore e o bronze. E mais: era preciso pagar um espaço relativamente amplo – os aluguéis em Paris, já naquela época estavam entre os mais caros do mundo – e o salário do trabalho de fundidores, auxiliares e modelos. Camille alugou um ateliê com mais três jovens artistas, todas inglesas. Uma delas, Jessie Lipscomb, tornou-se sua amiga para o resto da vida e uma das poucas pessoas que a visitariam no hospício. Elas dividiam também os pagamentos para o professor Alfred Boucher, que as orientava de vez em quando. Foi numa dessas visitas que Boucher apresentou o trabalho de Camille para Paul Dubois, diretor da Escola Nacional de Belas-Artes. Dubois notou a semelhança da obra da jovem com a de outro artista, que começava a despontar para a fama. “A senhorita já teve aulas com Auguste Rodin?” Camille nunca tinha ouvido falar no sujeito.
O encontro
“Na época, Rodin ainda não era famoso, mas já iniciara a experimentação conceitual e estilística que viria a caracterizar sua forma inusual de esculpir. Por isso, era odiado pelos críticos e amado pela vanguarda de Paris, ou seja, os impressionistas”, diz Jacques Vilain, historiador do Museu Rodin e co-autor de Rodin: A Magnificent Obsession (“Rodin: Uma Magnífica Obsessão”, inédito no Brasil). Se Camille ficou curiosa para conhecer o tal que esculpia igual a ela, esse sentimento durou pouco. “Apenas algumas semanas depois, Boucher viajou à Itália e pediu para um amigo assumir suas aulas particulares. Assim, numa tarde de maio de 1883, Rodin batia às portas das jovens escultoras”, diz Vilain.
Camille tinha 19 anos. Rodin, 45. Segudo Reine-Marie, Rodin teria entrado cheio de si no ateliê e não fez um só elogio sobre as obras expostas. Muito pelo contrário: apontou defeitos.
Mas ele gostou do que viu. Tanto que passou a freqüentar o local e, depois de dois anos, chamou Camille para trabalhar com ele. O convite coincidiu com um momento particularmente importante na carreira de Rodin. “Ele acabara de receber uma encomenda do governo francês para fazer As Portas do Inferno e Os Burgueses de Calais, obras de grande porte que precisariam de ajudantes para ser feitas”, afirma Vilain. “Camille era uma artesã habilidosa e por isso ficou incumbida de fazer os pés e as mãos das estátuas. Além disso dava opiniões e discutia idéias sobre as obras com Rodin.” Não se sabe quando a convivência entre o mestre e a aluna se tornou um caso de amor, mas as cartas que trocavam em 1886 são reveladoras da paixão e do ciúme que Camille, desde o início, já sentia. “Minha Camille, esteja segura de que não tenho nenhuma outra amiga e toda minha alma lhe pertence”, escreve Rodin. Camille responde: “Deito-me nua para imaginar que está ao meu lado, mas quando acordo já não é a mesma coisa”.
Rodin não estava sendo sincero. Nessa época, ele já vivia com Rose Beuret, com quem tinha um filho. Além disso, ostentava a fama de mulherengo. Mas Camille estava apaixonada e, em 1888, deixou a casa dos pais e passou a viver numa casa alugada por Rodin, que eles chamavam de “retiro pagão”. “Eles passam a freqüentar lugares públicos, tornando-se amantes assumidos. O que era um escândalo para a época”, afirma Liliana Wahba, psicóloga brasileira autora de Camille Claudel: Criação e Locura. Essa fase da vida de ambos é marcada por obras de intensa sensualidade.
No entanto, com o tempo (ah, o tempo, esse eterno vilão dos casos de amor!), Camille passou a se sentir sozinha. Vivia à espera de Rodin, que nem sempre aparecia. O relacionamento começou a deixá-la deprimida. Ela queria que Rodin se casasse com ela. Mas ele nunca chegou a deixar Rose. Jurava amor a Camille, mas dizia que não podia abandonar a mulher que havia estado ao seu lado nos momentos difíceis. Para a historiadora Monique Laurent, ex-diretora do Museu Rodin, em Paris, no entanto, isso não passava de uma desculpa. “Ele tinha medo de Camille. Sua inteligência e talento faziam dela uma artista que poderia suplantá-lo.”
Em 1892, Camille sofreu um aborto. Não se sabe se foi natural, mas o drama certamente a abalou. Ela abandonou o “retiro pagão” e decidiu se afastar de Rodin. Para recuperar o tempo perdido, se concentrou no trabalho para desvincular sua arte da do amante. É sua fase mais produtiva. Ela estuda a arte japonesa e dessa influência surgem algumas das suas mais belas obras, como As Bisbilhoteiras e A Onda. Apesar das críticas favoráveis, sua arte não era apreciada pelo grande público. “Em parte pelo preconceito por ser mulher. E, em parte, porque diziam que ela copiava Rodin”, afirma Liliana Wahba.
Rodin e Camille continuaram a se encontrar até 1898, quando romperam definitivamente. Camille passou então a viver trancada em seu estúdio, cercada por seus gatos. Ela estava com sérios problemas financeiros. Usava roupas e sapatos velhos, não comia direito e começou a beber. Depois que A Idade Madura, considerada sua obra mais autobiográfica, foi recusada pela Exposição Universal de 1900, Camille, com 36 anos, passou a achar que havia um complô de Rodin contra ela. Mas, apesar das suspeitas, ele continuava a intervir por ela, assegurando-lhe novas encomendas. Mas Camille foge de todos. Prefere viver sozinha, no silêncio e na escuridão. Sua última escultura é de 1906. Depois desse ano, destrói tudo o que esculpe. Os moldes de gesso ela joga no rio Sena ou os enterra, e proíbe que vejam o que faz. “A partir de então, suas angústias se tornam idéias fixas, até instalar-se a psicose”, diz Liliana.
Seu irmão estava longe, em missão diplomática na China. Seu pai estava velho, doente. Ela não tinha mais ninguém, nem dinheiro, nem saúde, nem inspiração. Restava-lhe o abandono e o medo. No dia 10 de março de 1913, uma semana após a morte do pai, a pedido da família, que arranjou uma certidão médica (ela foi diagnosticada como portadora de delírio paranóico), Camille foi levada à força para um hospício. Ela não sairia do hospital até o dia de sua morte, 30 anos depois, e jamais voltou a esculpir.
Camille pelos olhos de Rodin
Musa
Em 1888, Camille Claudel esculpiu Sakountala. Segundo Antoinette Romain, historiadora francesa especializada em arte do século 19, em resposta, Rodin fez O Eterno Ídolo (1889). Essa obra foi criada para integrar As Portas do Inferno, mas Rodin não a colocou no monumento. “Provavelmente porque a obra é muito delicada e sensível”, afirma a historiadora Monique Laurent. Quando Rodin finalizou esta obra, Camille já vivia, havia um ano, na casa que ambos chamavam de “retiro pagão”. “Eles estavam no auge da paixão e a obra reflete isso”, afirma Monique.
Modelo
Além de aluna, ajudante e amante, Camille costumava posar para Rodin. A Danaide, realizada em 1885, é uma das obras para a qual ela serviu de modelo. A peça é extremamente sensual e coincide com o início do relacionamento amoroso entre os dois. Rodin apresentou a escultura em mármore, pela primeira vez, em 1889, durante uma exposição que realizou junto com o pintor Claude Monet. Para Monique Laurent, não há dúvidas de que este trabalho está ligado com a memória íntima do escultor.
Influência
Camille foi convidada por Rodin para trabalhar com ele em 1885. Ela era a única mulher no time de escultores contratados para auxiliar o mestre a esculpir uma de suas obras mais monumentais, Os Burgueses de Calais. O conjunto começou a ser esculpido em 1884 e demorou cerca de dois anos. “Com o tempo, Camille ganhou a confiança da equipe e Rodin passou a consultá-la para quase tudo”, afirma a historiadora francesa Monique Laurent. Era Camille a incumbida de esculpir pés e, principalmente, mãos. “E era por meio das mãos que Rodin definia a emoção dos personagens”, afirma.
Saiba mais
Livros
Camille Claudel: Criação e Loucura, Liliana Liviano Wahba, 1998, O livro fala da família, de Rodin e da personalidade de Camille para avaliar a doença que a acometeu.
Camille Claudel, uma Mulher, Anne Delbée,1988, Traz trechos de cartas da escultora para o irmão.
Rodin, Monique Laurent, 1988, A historiadora francesa, ex-diretora do Museu Rodin, comenta a relação entre as obras de Camille e Rodin.
Filme
Camille Claudel, Bruno Nuytten, 1989, Baseado na biografia escrita por Raine-Marie, sobrinha-neta de Camille, o filme foi o responsável pelo “renascimento” das obras da escultora.
Site
www.camille-claudel.org, Mantido por Reine-Marie, informa sobre exposições e relaciona os museus onde estão suas obras.
Revista Aventuras na Historia
Com apenas 17 anos, Camille chegou a Paris, onde conheceu um dos maiores artistas de seu tempo, Auguste Rodin, de quem se tornou assistente, musa e amante. A partir daí, seus destinos estariam para sempre entrelaçados
por Bia Baldim
Camille Claudel morreu em 1943, aos 79 anos de idade, pobre, sozinha numa cama de hospício, onde ficou por mais de 30 anos. Em vida, ela foi atormentada por um amor impossível, pelos preconceitos da sociedade francesa do século 19 e pela doença que a levou ao isolamento. A própria família a renegou. A sobrinha-neta de Camille, Reine-Marie Paris, autora de uma tese sobre a vida da artista (Camille Claudel, de 1984), conta que brincava entre as esculturas guardadas na casa do avô, Paul, irmão de Camille. “Até pouco tempo atrás, a família tinha vergonha da escultora e o nome de Camille sequer era pronunciado”, diz. Mas o que essa artista brilhante fez de tão grave? Por que suas obras ficaram escondidas e esquecidas por tanto anos?
Para entender a vida de Camille é preciso voltar à sua infância, na discretíssima Villeneuve-sur-Fère, na região de Champanhe, no sul da França. Ali, entre brincadeiras e pequenas aventuras ao lado de Paul, Camille foi uma criança fora dos padrões e alheia ao que se esperava de uma menina no século 19. Numa época em que as mulheres eram criadas para afazeres domésticos, ela estava sempre suja de barro e descabelada. Ela e o irmão caçula fugiam de casa para se aventurar nas montanhas que cercavam a aldeia. Paul Claudel, que mais tarde se tornaria um dos grandes escritores da França, descreveu o cenário de sua infância no livro Mémoires Improvisés (“Memórias Improvisadas”, sem versão em português), de 1954: “Vivíamos em terra agreste e selvagem, uma paisagem extremamente austera, com ventos e chuvas freqüentes”.
Para o desespero da mãe e orgulho do pai, Camille descobriu cedo o gosto pela escultura. Começou moldando argila, quase como uma brincadeira. Eram figuras inspiradas em Napoleão, Davi e Golias, além de membros da família. Na adolescência, um de seus professores foi o escultor Alfred Boucher. Foi ele que sugeriu ao pai de Camille, Luis-Prosper Claudel, que levasse a menina a Paris, onde ela poderia participar de grandes salões de arte e conhecer a nata intelectual e artística da época.
O pai de Camille acreditava na vocação da filha. E, apesar dos gastos que isso representava, em 1881 levou toda a família para Paris. Eles chegaram em uma charrete emprestada por um vizinho. “Todos estavam exaustos, apenas Camille, então com 17 anos, e a empregada Eugènie irradiavam alegria”, escreveu a francesa Anne Delbée, no livro Camille Claudel, Uma Mulher, biografia publicada na França em 1982.
Mas em Paris as dificuldades eram enormes para uma jovem artista. A escultura, além de ser uma atividade prioritariamente masculina, exigia materiais caríssimos como o mármore e o bronze. E mais: era preciso pagar um espaço relativamente amplo – os aluguéis em Paris, já naquela época estavam entre os mais caros do mundo – e o salário do trabalho de fundidores, auxiliares e modelos. Camille alugou um ateliê com mais três jovens artistas, todas inglesas. Uma delas, Jessie Lipscomb, tornou-se sua amiga para o resto da vida e uma das poucas pessoas que a visitariam no hospício. Elas dividiam também os pagamentos para o professor Alfred Boucher, que as orientava de vez em quando. Foi numa dessas visitas que Boucher apresentou o trabalho de Camille para Paul Dubois, diretor da Escola Nacional de Belas-Artes. Dubois notou a semelhança da obra da jovem com a de outro artista, que começava a despontar para a fama. “A senhorita já teve aulas com Auguste Rodin?” Camille nunca tinha ouvido falar no sujeito.
O encontro
“Na época, Rodin ainda não era famoso, mas já iniciara a experimentação conceitual e estilística que viria a caracterizar sua forma inusual de esculpir. Por isso, era odiado pelos críticos e amado pela vanguarda de Paris, ou seja, os impressionistas”, diz Jacques Vilain, historiador do Museu Rodin e co-autor de Rodin: A Magnificent Obsession (“Rodin: Uma Magnífica Obsessão”, inédito no Brasil). Se Camille ficou curiosa para conhecer o tal que esculpia igual a ela, esse sentimento durou pouco. “Apenas algumas semanas depois, Boucher viajou à Itália e pediu para um amigo assumir suas aulas particulares. Assim, numa tarde de maio de 1883, Rodin batia às portas das jovens escultoras”, diz Vilain.
Camille tinha 19 anos. Rodin, 45. Segudo Reine-Marie, Rodin teria entrado cheio de si no ateliê e não fez um só elogio sobre as obras expostas. Muito pelo contrário: apontou defeitos.
Mas ele gostou do que viu. Tanto que passou a freqüentar o local e, depois de dois anos, chamou Camille para trabalhar com ele. O convite coincidiu com um momento particularmente importante na carreira de Rodin. “Ele acabara de receber uma encomenda do governo francês para fazer As Portas do Inferno e Os Burgueses de Calais, obras de grande porte que precisariam de ajudantes para ser feitas”, afirma Vilain. “Camille era uma artesã habilidosa e por isso ficou incumbida de fazer os pés e as mãos das estátuas. Além disso dava opiniões e discutia idéias sobre as obras com Rodin.” Não se sabe quando a convivência entre o mestre e a aluna se tornou um caso de amor, mas as cartas que trocavam em 1886 são reveladoras da paixão e do ciúme que Camille, desde o início, já sentia. “Minha Camille, esteja segura de que não tenho nenhuma outra amiga e toda minha alma lhe pertence”, escreve Rodin. Camille responde: “Deito-me nua para imaginar que está ao meu lado, mas quando acordo já não é a mesma coisa”.
Rodin não estava sendo sincero. Nessa época, ele já vivia com Rose Beuret, com quem tinha um filho. Além disso, ostentava a fama de mulherengo. Mas Camille estava apaixonada e, em 1888, deixou a casa dos pais e passou a viver numa casa alugada por Rodin, que eles chamavam de “retiro pagão”. “Eles passam a freqüentar lugares públicos, tornando-se amantes assumidos. O que era um escândalo para a época”, afirma Liliana Wahba, psicóloga brasileira autora de Camille Claudel: Criação e Locura. Essa fase da vida de ambos é marcada por obras de intensa sensualidade.
No entanto, com o tempo (ah, o tempo, esse eterno vilão dos casos de amor!), Camille passou a se sentir sozinha. Vivia à espera de Rodin, que nem sempre aparecia. O relacionamento começou a deixá-la deprimida. Ela queria que Rodin se casasse com ela. Mas ele nunca chegou a deixar Rose. Jurava amor a Camille, mas dizia que não podia abandonar a mulher que havia estado ao seu lado nos momentos difíceis. Para a historiadora Monique Laurent, ex-diretora do Museu Rodin, em Paris, no entanto, isso não passava de uma desculpa. “Ele tinha medo de Camille. Sua inteligência e talento faziam dela uma artista que poderia suplantá-lo.”
Em 1892, Camille sofreu um aborto. Não se sabe se foi natural, mas o drama certamente a abalou. Ela abandonou o “retiro pagão” e decidiu se afastar de Rodin. Para recuperar o tempo perdido, se concentrou no trabalho para desvincular sua arte da do amante. É sua fase mais produtiva. Ela estuda a arte japonesa e dessa influência surgem algumas das suas mais belas obras, como As Bisbilhoteiras e A Onda. Apesar das críticas favoráveis, sua arte não era apreciada pelo grande público. “Em parte pelo preconceito por ser mulher. E, em parte, porque diziam que ela copiava Rodin”, afirma Liliana Wahba.
Rodin e Camille continuaram a se encontrar até 1898, quando romperam definitivamente. Camille passou então a viver trancada em seu estúdio, cercada por seus gatos. Ela estava com sérios problemas financeiros. Usava roupas e sapatos velhos, não comia direito e começou a beber. Depois que A Idade Madura, considerada sua obra mais autobiográfica, foi recusada pela Exposição Universal de 1900, Camille, com 36 anos, passou a achar que havia um complô de Rodin contra ela. Mas, apesar das suspeitas, ele continuava a intervir por ela, assegurando-lhe novas encomendas. Mas Camille foge de todos. Prefere viver sozinha, no silêncio e na escuridão. Sua última escultura é de 1906. Depois desse ano, destrói tudo o que esculpe. Os moldes de gesso ela joga no rio Sena ou os enterra, e proíbe que vejam o que faz. “A partir de então, suas angústias se tornam idéias fixas, até instalar-se a psicose”, diz Liliana.
Seu irmão estava longe, em missão diplomática na China. Seu pai estava velho, doente. Ela não tinha mais ninguém, nem dinheiro, nem saúde, nem inspiração. Restava-lhe o abandono e o medo. No dia 10 de março de 1913, uma semana após a morte do pai, a pedido da família, que arranjou uma certidão médica (ela foi diagnosticada como portadora de delírio paranóico), Camille foi levada à força para um hospício. Ela não sairia do hospital até o dia de sua morte, 30 anos depois, e jamais voltou a esculpir.
Camille pelos olhos de Rodin
Musa
Em 1888, Camille Claudel esculpiu Sakountala. Segundo Antoinette Romain, historiadora francesa especializada em arte do século 19, em resposta, Rodin fez O Eterno Ídolo (1889). Essa obra foi criada para integrar As Portas do Inferno, mas Rodin não a colocou no monumento. “Provavelmente porque a obra é muito delicada e sensível”, afirma a historiadora Monique Laurent. Quando Rodin finalizou esta obra, Camille já vivia, havia um ano, na casa que ambos chamavam de “retiro pagão”. “Eles estavam no auge da paixão e a obra reflete isso”, afirma Monique.
Modelo
Além de aluna, ajudante e amante, Camille costumava posar para Rodin. A Danaide, realizada em 1885, é uma das obras para a qual ela serviu de modelo. A peça é extremamente sensual e coincide com o início do relacionamento amoroso entre os dois. Rodin apresentou a escultura em mármore, pela primeira vez, em 1889, durante uma exposição que realizou junto com o pintor Claude Monet. Para Monique Laurent, não há dúvidas de que este trabalho está ligado com a memória íntima do escultor.
Influência
Camille foi convidada por Rodin para trabalhar com ele em 1885. Ela era a única mulher no time de escultores contratados para auxiliar o mestre a esculpir uma de suas obras mais monumentais, Os Burgueses de Calais. O conjunto começou a ser esculpido em 1884 e demorou cerca de dois anos. “Com o tempo, Camille ganhou a confiança da equipe e Rodin passou a consultá-la para quase tudo”, afirma a historiadora francesa Monique Laurent. Era Camille a incumbida de esculpir pés e, principalmente, mãos. “E era por meio das mãos que Rodin definia a emoção dos personagens”, afirma.
Saiba mais
Livros
Camille Claudel: Criação e Loucura, Liliana Liviano Wahba, 1998, O livro fala da família, de Rodin e da personalidade de Camille para avaliar a doença que a acometeu.
Camille Claudel, uma Mulher, Anne Delbée,1988, Traz trechos de cartas da escultora para o irmão.
Rodin, Monique Laurent, 1988, A historiadora francesa, ex-diretora do Museu Rodin, comenta a relação entre as obras de Camille e Rodin.
Filme
Camille Claudel, Bruno Nuytten, 1989, Baseado na biografia escrita por Raine-Marie, sobrinha-neta de Camille, o filme foi o responsável pelo “renascimento” das obras da escultora.
Site
www.camille-claudel.org, Mantido por Reine-Marie, informa sobre exposições e relaciona os museus onde estão suas obras.
Revista Aventuras na Historia
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