Rasputin: Sangue de bruxo
Conselheiro da czarina Alexandra, Rasputin manipulava os destinos da Rússia imperial. Seu reinado paralelo só acabou em 1916, quando foi assassinado por uma desastrada conspiração
por Ricardo Giassetti
A Primeira Guerra Mundial, travada entre 1914 e 1918, mostrou à Europa que não havia nada de nobre em conflitos militares. Enquanto milhões de corpos jaziam empilhados nas trincheiras, o Império Russo estava na rabeira, defasado em treinamento e tecnologia. Em setembro de 1915, o czar Nicolau Romanov II tomou uma decisão dramática: substituir o grão-duque Nicolau Nikolaievich, seu primo, no comando do Exército russo. Estrategicamente, era uma péssima idéia. Nicolau II não tinha a mínima competência para guiar tropas em batalha. O que seria capaz de convencê-lo, então, a abandonar a capital São Petersburgo e ir para o front no oeste? Simples: a insistência de sua esposa, Alexandra.
Por trás dos palpites da czarina estava uma profecia do seu conselheiro particular, o lendário Rasputin. Após o início da guerra, ele havia previsto que, caso Nicolau II não assumisse pessoalmente o controle das forças russas, o Império seria derrotado. Para o ardiloso profeta, entretanto, importava menos o sucesso militar da Rússia do que suas ambições particulares. “Alexandra tinha grande poder sobre Nicolau e, como Rasputin tinha influência sobre ela, a manipulação das decisões era bastante fácil”, diz David Saunders, professor de História Russa da Universidade de Newcastle, na Inglaterra.
A submissão da czarina às idéias de Rasputin tinha um motivo claro: o curandeiro teria o poder de salvar Alexei, o herdeiro do Império, da chamada “doença real” – nome dado à hemofilia (veja quadro nesta página). Na ausência de Nicolau II, a czarina assumiu o trono e colocou-se na posição de refém de Rasputin, que passou a nomear até ministros de Estado. Com a presença dos oportunistas indicados pelo conselheiro, o Império Russo caiu no caos e a corrupção se alastrou. Enquanto isso, na frente de batalha, Nicolau II despejava seus soldados para a morte certa.
A crise fez crescer a insatisfação com a monarquia e com os desmandos de Rasputin. E ele não tinha opositores apenas dentro da Rússia. Para Inglaterra e França, ter os russos como aliados na guerra era crucial para dividir as forças encabeçadas pela Alemanha em duas frentes. Ver o patético czar no front enquanto Rasputin implodia o Estado não interessava nem a ingleses nem a franceses. Com tantos inimigos, o conselheiro real vivia com a cabeça a prêmio. Seu assassinato chegou a ser planejado algumas vezes, sem sucesso. Foi só na madrugada de 17 de dezembro de 1916 que um grupo de conspiradores conseguiu, a duras penas, dar cabo do bruxo.
Rumo ao topo
Rasputin provavelmente veio ao mundo entre 1863 e 1873, batizado como Grigori Efimovich Novykh. Até a juventude, morou na cidade siberiana de Pokrovskoye. Apesar de começar a pregar a palavra de Deus desde os 11 anos, o jovem ficou conhecido por sua queda por sexo e álcool. Aos 18 anos, ele foi a um monastério e conheceu a seita Skopsty, que pregava a prática dos piores pecados para salvar a alma. Levou os ensinamentos tão a sério que passou a ser conhecido como Rasputin – que significa “depravado” em russo.
De volta à cidade natal, ele casou-se com Proskovia Fyodorovna, com quem teve duas filhas e um filho. Mas suas aspirações não cabiam em uma aldeia tão remota. Rasputin decidiu então peregrinar pela Grécia e por Jerusalém, desenvolvendo suas próprias doutrinas. Em 1903, ao retornar à Rússia e se estabelecer em São Petersburgo, ele já era considerado um staretz – homem santo, adivinho e curandeiro. Graças a suas boas relações com a Igreja, conseguiu se aproximar da elite do Império.
Naquela época, a Rússia passava por um período de extrema instabilidade. Com a morte do grande estadista Alexandre III, o poder caiu nas mãos do infantilizado Nicolau II, que claramente não tinha visão para reger os complexos trâmites do Império. Para desgosto dos pais, ele havia escolhido casar-se com Alexandra, de ascendência germânica e bisneta da rainha Vitória da Grã-Bretanha. Isolado do resto da corte, o casal se empenhou em produzir um herdeiro.
Quinto filho do casal real (depois de quatro meninas), Alexei nasceu em 1904. Sua doença hemorrágica mobilizava médicos, místicos e religiosos dentro e fora da Rússia. Percebendo a oportunidade, Rasputin moderou sua vida de libertino e esperou um convite para ir ao palácio real. Em 1905, sob recomendação de uma amiga de Alexandra, Rasputin foi chamado para uma audiência com a czarina durante uma das crises de Alexei. Não se sabe exatamente como, mas ele fez parar o sangramento.
Apesar de seu sucesso como curandeiro, o iletrado e fedorento místico era visto como péssima influência na corte. Era odiado por seus hábitos extravagantes, temido por sua suposta paranormalidade e execrado por ter origem pobre. Boatos diziam que Rasputin estava freqüentando a cama de Alexandra e praticando jogos sexuais com as filhas dela. O próprio bruxo alimentava a fama, proclamando suas supostas conquistas durante banquetes regados a vodca. Não demorou para que a polícia secreta russa fizesse chegar aos ouvidos de Nicolau II informações sobre tais fanfarronices. Advertido, Rasputin negou os fatos, atribuindo-os à inveja da sociedade. Não adiantou. Nem mesmo um pedido pessoal de Alexandra ao czar evitou que Rasputin fosse enviado de volta para Pokrovskoye. Mas ele voltaria.
Durante a temporada de caça de 1912, os Romanov foram passar férias em Spala, na Polônia, onde Alexei teve outra crise aguda de sua doença. Depois que os médicos da corte desenganaram a criança, Nicolau II chegou a encomendar um funeral. Alexandra, em desespero, enviou um telegrama para Rasputin, que prontamente respondeu: “Não se preocupe. O pequenino não morrerá. Não deixe que os médicos o aborreçam”. Dias depois, Alexei estava recuperado. Rasputin retomou assim seu lugar na corte. “O que quer que tenha acontecido em Spala naquele outono mudou a vida de Alexandra. Enquanto Rasputin estivesse ao seu lado, seu filho viveria e tudo estaria bem”, diz Greg King, autor de The Last Empress (“A última imperatriz”, inédito no Brasil).
Neve vermelha
No dia 16 de dezembro de 1916 o príncipe Félix Yusupov convidou Rasputin para uma noitada em seu palácio, às margens do canal Moika, em São Petersburgo. Ele parece ter insinuado que, naquela noite, Rasputin poderia desfrutar de sua esposa, a princesa Irina Alexandrovna. O libertino não deixaria passar em branco essa oportunidade, já que Irina era irmã de Nicolau II. Mesmo sabendo que vivia sob ameaça, o bruxo aceitou o convite. Era uma cilada.
A trama para assassinar Rasputin foi descrita por Yusupov no seu diário pessoal, em que ele declara ter sido o único mentor do atentado. O objetivo seria salvar a honra da monarquia russa. O príncipe cita outros personagens. Um deles é o grão-duque Dimitri Pavlovich, primo de Nicolau II . Outro é o deputado Vladimir Purishkevich, membro do Duma, a câmara baixa do Parlamento russo e feroz crítico de Rasputin.
O diário de Yusupov conta que Rasputin chegou ao palácio no início da madrugada. Lá, foi acomodado na sala de jantar – arrumada para dar a impressão de que uma multidão tinha acabado de cear. No andar de cima, os conspiradores ouviam música alta, fingindo ser convidados que ainda não haviam ido embora. Rasputin foi informado de que deveria esperar a princesa Irina despachar os visitantes. O plano era que o bruxo morresse ao ingerir vinho e pedaços de bolo envenenados com cianeto. Rasputin relutou, mas aceitou comer e beber. Yusupov ficou na sala, esperando em vão que o veneno fizesse efeito. Já passava das 2h30 quando o convidado, aparentemente imune ao cianeto, começou a se irritar com a demora. O príncipe subiu ao segundo andar, sob o pretexto de apressar Irina. Foi quando os seus comparsas o convenceram a atirar em Rasputin com a pistola de Pavlovich.
Yusupov desceu as escadas e disparou contra o curandeiro, que caiu no chão. Todos desceram, examinaram o corpo e voltaram ao segundo andar para festejar o sucesso do atentado. Yusupov continuava tenso, imaginando que, graças a poderes sobrenaturais, a vítima ainda estivesse viva. Perto de 3h30, o príncipe voltou à sala de jantar. O até então inerte Rasputin subitamente se levantou e atacou o desesperado Yusupov, que clamou por ajuda. O místico ainda teve forças para fugir pelo pátio, onde foi alvejado novamente. O tiro de misericórdia teria sido disparado por Purishkevich. O cadáver foi enrolado num tapete e atirado nas águas do rio Neva. Em depoimentos dados em 1934 e 1965, Félix Yusupov repetiu exatamente essa história. Mas os detalhes não batem com as versões dos outros envolvidos.
Depois do fim da União Soviética, documentos da época foram analisados com novas técnicas forenses. Descobriu-se que os três tiros encontrados no cadáver vieram de armas diferentes. A primeira, de Pavlovich. A segunda, de Purishkevich. Já o tiro fatal, dado no centro da testa com destreza profissional, saiu de uma Webley .455, pistola usada por oficiais ingleses. “Acho completamente possível que os britânicos estivessem envolvidos no assassinato de Rasputin, trabalhando para manter a Rússia na guerra”, diz o professor Saunders.
Segundo um documentário de 2004, produzido pela emissora inglesa BBC, relatórios do antigo serviço secreto inglês se referem à data do crime como o “extermínio das forças ocultas na Rússia”. O agente Oswald Rayner (que estudou com o príncipe Yusupov em Oxford) teria sido destacado para acompanhar a conspiração e assegurar que Rasputin fosse mesmo assassinado.
Ao saber do crime, a czarina Alexandra exigiu uma investigação minuciosa. A polícia encontrou provas por todos os cantos, incriminando Yusupov e Pavlovich. Ambos foram expulsos do país por Nicolau II, que, com esse ato, acabou salvando a vida deles. O assassinato de Rasputin foi usado por grupos revolucionários como mais um pretexto para incitar levantes populares. Três meses depois do crime, o czar seria derrubado. Em outubro de 1917, o poder chegaria às mãos dos bolcheviques liderados por Vladimir Lênin. No novo regime, praticamente toda a nobreza russa, incluindo Alexei, Alexandra e Nicolau II, seria executada. Já Rasputin seria transformado pelos comunistas em ícone dos desmandos da monarquia. Até hoje seu nome ainda é sinônimo de devassidão, manipulação e charlatanice.
Mal de família
Saúde frágil do herdeiroera o trunfo de Rasputin
No início do século 20, muitos nobres europeus sofriam de hemofilia – traço comum aos descendentes da rainha inglesa Vitória, como Alexei. A doença (que impede a coagulação do sangue) já era conhecida, mas não havia tratamentos eficazes. Por isso, a czarina Alexandra recorreu a místicos para cuidar do filho. Porém, é possível que Alexei não fosse hemofílico. Essa é a hipótese do escritor Robert Massie em The Romanovs: The Final Chapter (“Os Romanov: o capítulo final”, livro inédito no Brasil). Os diários da czarina e dos médicos falam de sintomas que poderiam ser de crises aplásticas, descritas apenas em 1947. Em geral, elas se manifestam até a metade da adolescência, causando hemorragias internas por cerca de dez dias até que o sangue volte ao normal. Massie diz que Rasputin, devido a sua prática de curandeiro, já conhecia a doença e sabia que as crises de Alexei não seriam fatais.
Saiba mais
Livro
To Kill Rasputin: The Life and Death of Gregori Rasputin, Andrew Cook, Tempus Publishing, 2006 - Com documentos e depoimentos de parentes dos envolvidos, o autor ratifica a teoria de que os ingleses participaram do assassinato de Rasputin.
Site
www.alexanderpalace.org - O site tem vasto material sobre a dinastia Romanov.
Revista Aventuras na Historia
Conselheiro da czarina Alexandra, Rasputin manipulava os destinos da Rússia imperial. Seu reinado paralelo só acabou em 1916, quando foi assassinado por uma desastrada conspiração
por Ricardo Giassetti
A Primeira Guerra Mundial, travada entre 1914 e 1918, mostrou à Europa que não havia nada de nobre em conflitos militares. Enquanto milhões de corpos jaziam empilhados nas trincheiras, o Império Russo estava na rabeira, defasado em treinamento e tecnologia. Em setembro de 1915, o czar Nicolau Romanov II tomou uma decisão dramática: substituir o grão-duque Nicolau Nikolaievich, seu primo, no comando do Exército russo. Estrategicamente, era uma péssima idéia. Nicolau II não tinha a mínima competência para guiar tropas em batalha. O que seria capaz de convencê-lo, então, a abandonar a capital São Petersburgo e ir para o front no oeste? Simples: a insistência de sua esposa, Alexandra.
Por trás dos palpites da czarina estava uma profecia do seu conselheiro particular, o lendário Rasputin. Após o início da guerra, ele havia previsto que, caso Nicolau II não assumisse pessoalmente o controle das forças russas, o Império seria derrotado. Para o ardiloso profeta, entretanto, importava menos o sucesso militar da Rússia do que suas ambições particulares. “Alexandra tinha grande poder sobre Nicolau e, como Rasputin tinha influência sobre ela, a manipulação das decisões era bastante fácil”, diz David Saunders, professor de História Russa da Universidade de Newcastle, na Inglaterra.
A submissão da czarina às idéias de Rasputin tinha um motivo claro: o curandeiro teria o poder de salvar Alexei, o herdeiro do Império, da chamada “doença real” – nome dado à hemofilia (veja quadro nesta página). Na ausência de Nicolau II, a czarina assumiu o trono e colocou-se na posição de refém de Rasputin, que passou a nomear até ministros de Estado. Com a presença dos oportunistas indicados pelo conselheiro, o Império Russo caiu no caos e a corrupção se alastrou. Enquanto isso, na frente de batalha, Nicolau II despejava seus soldados para a morte certa.
A crise fez crescer a insatisfação com a monarquia e com os desmandos de Rasputin. E ele não tinha opositores apenas dentro da Rússia. Para Inglaterra e França, ter os russos como aliados na guerra era crucial para dividir as forças encabeçadas pela Alemanha em duas frentes. Ver o patético czar no front enquanto Rasputin implodia o Estado não interessava nem a ingleses nem a franceses. Com tantos inimigos, o conselheiro real vivia com a cabeça a prêmio. Seu assassinato chegou a ser planejado algumas vezes, sem sucesso. Foi só na madrugada de 17 de dezembro de 1916 que um grupo de conspiradores conseguiu, a duras penas, dar cabo do bruxo.
Rumo ao topo
Rasputin provavelmente veio ao mundo entre 1863 e 1873, batizado como Grigori Efimovich Novykh. Até a juventude, morou na cidade siberiana de Pokrovskoye. Apesar de começar a pregar a palavra de Deus desde os 11 anos, o jovem ficou conhecido por sua queda por sexo e álcool. Aos 18 anos, ele foi a um monastério e conheceu a seita Skopsty, que pregava a prática dos piores pecados para salvar a alma. Levou os ensinamentos tão a sério que passou a ser conhecido como Rasputin – que significa “depravado” em russo.
De volta à cidade natal, ele casou-se com Proskovia Fyodorovna, com quem teve duas filhas e um filho. Mas suas aspirações não cabiam em uma aldeia tão remota. Rasputin decidiu então peregrinar pela Grécia e por Jerusalém, desenvolvendo suas próprias doutrinas. Em 1903, ao retornar à Rússia e se estabelecer em São Petersburgo, ele já era considerado um staretz – homem santo, adivinho e curandeiro. Graças a suas boas relações com a Igreja, conseguiu se aproximar da elite do Império.
Naquela época, a Rússia passava por um período de extrema instabilidade. Com a morte do grande estadista Alexandre III, o poder caiu nas mãos do infantilizado Nicolau II, que claramente não tinha visão para reger os complexos trâmites do Império. Para desgosto dos pais, ele havia escolhido casar-se com Alexandra, de ascendência germânica e bisneta da rainha Vitória da Grã-Bretanha. Isolado do resto da corte, o casal se empenhou em produzir um herdeiro.
Quinto filho do casal real (depois de quatro meninas), Alexei nasceu em 1904. Sua doença hemorrágica mobilizava médicos, místicos e religiosos dentro e fora da Rússia. Percebendo a oportunidade, Rasputin moderou sua vida de libertino e esperou um convite para ir ao palácio real. Em 1905, sob recomendação de uma amiga de Alexandra, Rasputin foi chamado para uma audiência com a czarina durante uma das crises de Alexei. Não se sabe exatamente como, mas ele fez parar o sangramento.
Apesar de seu sucesso como curandeiro, o iletrado e fedorento místico era visto como péssima influência na corte. Era odiado por seus hábitos extravagantes, temido por sua suposta paranormalidade e execrado por ter origem pobre. Boatos diziam que Rasputin estava freqüentando a cama de Alexandra e praticando jogos sexuais com as filhas dela. O próprio bruxo alimentava a fama, proclamando suas supostas conquistas durante banquetes regados a vodca. Não demorou para que a polícia secreta russa fizesse chegar aos ouvidos de Nicolau II informações sobre tais fanfarronices. Advertido, Rasputin negou os fatos, atribuindo-os à inveja da sociedade. Não adiantou. Nem mesmo um pedido pessoal de Alexandra ao czar evitou que Rasputin fosse enviado de volta para Pokrovskoye. Mas ele voltaria.
Durante a temporada de caça de 1912, os Romanov foram passar férias em Spala, na Polônia, onde Alexei teve outra crise aguda de sua doença. Depois que os médicos da corte desenganaram a criança, Nicolau II chegou a encomendar um funeral. Alexandra, em desespero, enviou um telegrama para Rasputin, que prontamente respondeu: “Não se preocupe. O pequenino não morrerá. Não deixe que os médicos o aborreçam”. Dias depois, Alexei estava recuperado. Rasputin retomou assim seu lugar na corte. “O que quer que tenha acontecido em Spala naquele outono mudou a vida de Alexandra. Enquanto Rasputin estivesse ao seu lado, seu filho viveria e tudo estaria bem”, diz Greg King, autor de The Last Empress (“A última imperatriz”, inédito no Brasil).
Neve vermelha
No dia 16 de dezembro de 1916 o príncipe Félix Yusupov convidou Rasputin para uma noitada em seu palácio, às margens do canal Moika, em São Petersburgo. Ele parece ter insinuado que, naquela noite, Rasputin poderia desfrutar de sua esposa, a princesa Irina Alexandrovna. O libertino não deixaria passar em branco essa oportunidade, já que Irina era irmã de Nicolau II. Mesmo sabendo que vivia sob ameaça, o bruxo aceitou o convite. Era uma cilada.
A trama para assassinar Rasputin foi descrita por Yusupov no seu diário pessoal, em que ele declara ter sido o único mentor do atentado. O objetivo seria salvar a honra da monarquia russa. O príncipe cita outros personagens. Um deles é o grão-duque Dimitri Pavlovich, primo de Nicolau II . Outro é o deputado Vladimir Purishkevich, membro do Duma, a câmara baixa do Parlamento russo e feroz crítico de Rasputin.
O diário de Yusupov conta que Rasputin chegou ao palácio no início da madrugada. Lá, foi acomodado na sala de jantar – arrumada para dar a impressão de que uma multidão tinha acabado de cear. No andar de cima, os conspiradores ouviam música alta, fingindo ser convidados que ainda não haviam ido embora. Rasputin foi informado de que deveria esperar a princesa Irina despachar os visitantes. O plano era que o bruxo morresse ao ingerir vinho e pedaços de bolo envenenados com cianeto. Rasputin relutou, mas aceitou comer e beber. Yusupov ficou na sala, esperando em vão que o veneno fizesse efeito. Já passava das 2h30 quando o convidado, aparentemente imune ao cianeto, começou a se irritar com a demora. O príncipe subiu ao segundo andar, sob o pretexto de apressar Irina. Foi quando os seus comparsas o convenceram a atirar em Rasputin com a pistola de Pavlovich.
Yusupov desceu as escadas e disparou contra o curandeiro, que caiu no chão. Todos desceram, examinaram o corpo e voltaram ao segundo andar para festejar o sucesso do atentado. Yusupov continuava tenso, imaginando que, graças a poderes sobrenaturais, a vítima ainda estivesse viva. Perto de 3h30, o príncipe voltou à sala de jantar. O até então inerte Rasputin subitamente se levantou e atacou o desesperado Yusupov, que clamou por ajuda. O místico ainda teve forças para fugir pelo pátio, onde foi alvejado novamente. O tiro de misericórdia teria sido disparado por Purishkevich. O cadáver foi enrolado num tapete e atirado nas águas do rio Neva. Em depoimentos dados em 1934 e 1965, Félix Yusupov repetiu exatamente essa história. Mas os detalhes não batem com as versões dos outros envolvidos.
Depois do fim da União Soviética, documentos da época foram analisados com novas técnicas forenses. Descobriu-se que os três tiros encontrados no cadáver vieram de armas diferentes. A primeira, de Pavlovich. A segunda, de Purishkevich. Já o tiro fatal, dado no centro da testa com destreza profissional, saiu de uma Webley .455, pistola usada por oficiais ingleses. “Acho completamente possível que os britânicos estivessem envolvidos no assassinato de Rasputin, trabalhando para manter a Rússia na guerra”, diz o professor Saunders.
Segundo um documentário de 2004, produzido pela emissora inglesa BBC, relatórios do antigo serviço secreto inglês se referem à data do crime como o “extermínio das forças ocultas na Rússia”. O agente Oswald Rayner (que estudou com o príncipe Yusupov em Oxford) teria sido destacado para acompanhar a conspiração e assegurar que Rasputin fosse mesmo assassinado.
Ao saber do crime, a czarina Alexandra exigiu uma investigação minuciosa. A polícia encontrou provas por todos os cantos, incriminando Yusupov e Pavlovich. Ambos foram expulsos do país por Nicolau II, que, com esse ato, acabou salvando a vida deles. O assassinato de Rasputin foi usado por grupos revolucionários como mais um pretexto para incitar levantes populares. Três meses depois do crime, o czar seria derrubado. Em outubro de 1917, o poder chegaria às mãos dos bolcheviques liderados por Vladimir Lênin. No novo regime, praticamente toda a nobreza russa, incluindo Alexei, Alexandra e Nicolau II, seria executada. Já Rasputin seria transformado pelos comunistas em ícone dos desmandos da monarquia. Até hoje seu nome ainda é sinônimo de devassidão, manipulação e charlatanice.
Mal de família
Saúde frágil do herdeiroera o trunfo de Rasputin
No início do século 20, muitos nobres europeus sofriam de hemofilia – traço comum aos descendentes da rainha inglesa Vitória, como Alexei. A doença (que impede a coagulação do sangue) já era conhecida, mas não havia tratamentos eficazes. Por isso, a czarina Alexandra recorreu a místicos para cuidar do filho. Porém, é possível que Alexei não fosse hemofílico. Essa é a hipótese do escritor Robert Massie em The Romanovs: The Final Chapter (“Os Romanov: o capítulo final”, livro inédito no Brasil). Os diários da czarina e dos médicos falam de sintomas que poderiam ser de crises aplásticas, descritas apenas em 1947. Em geral, elas se manifestam até a metade da adolescência, causando hemorragias internas por cerca de dez dias até que o sangue volte ao normal. Massie diz que Rasputin, devido a sua prática de curandeiro, já conhecia a doença e sabia que as crises de Alexei não seriam fatais.
Saiba mais
Livro
To Kill Rasputin: The Life and Death of Gregori Rasputin, Andrew Cook, Tempus Publishing, 2006 - Com documentos e depoimentos de parentes dos envolvidos, o autor ratifica a teoria de que os ingleses participaram do assassinato de Rasputin.
Site
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