por Jean-Paul Picaper
Chartres (França), 18 de agosto de 1944
Em um dos célebres instantâneos do conhecido fotógrafo americano Robert Capa, reproduzido ao lado, uma mulher francesa é perseguida pela multidão por ter colaborado com os invasores alemães. Ela carrega um bebê nos braços.
O fotógrafo captou, naquele 18 de agosto de 1944, na cidade de Chartres, uma situação emblemática da época. Vemos que a infeliz anda no meio de uma multidão de mulheres, seguida por algumas moças e homens que a provocam. O espetáculo não é muito comum. A mulher caminha ao lado de um soldado. O uniforme confere à cena um aspecto de legalidade. Sem dúvida, está sendo levada para a prisão.
Testemunha dessa "caça às bruxas à francesa", um repórter questiona os curiosos. Eles não sabem se a mulher foi acusada de ter alguma ligação com um alemão ou de ter denunciado franceses que ouviam a Rádio Londres. Vae Victis (Ai dos vencidos!), essa é a palavra de ordem no verão de 44 numa França libertada. Era suficiente uma mulher ter tido contatos - não necessariamente íntimos - com os militares alemães para ser vítima das delações que proliferavam, para ser exposta ao desprezo público. Acusadas de colaboracionistas, milhares de mulheres foram obrigadas a desfilar pelas ruas, a maioria carecas, às vezes nuas, sob as vaias de uma multidão ensandecida.
Em meu livro Enfants maudits (Crianças malditas, inédito no Brasil), Henriette relata a luta de sua mãe, funcionária de uma cantina. Ela se apaixonara por um ajudante alemão, que desertou por amor a ela. Mas foram descobertos num esconderijo, denunciados pelo próprio irmão da francesa, "resistente de última hora". Contudo, durante a Ocupação (a França ficou sob domínio alemão de junho de 1940 a agosto de 1944), o trabalho da irmã lhe havia sido bastante conveniente. "Entre os invasores sempre havia o que comer e tabaco. Ele, que fumava como uma chaminé, aproveitou bem. E não foi minha mãe quem tomou a iniciativa de ir trabalhar na cantina dos alemães. Eles tinham necessidade de pessoal e haviam encarregado a Câmara Municipal de encontrar trabalhadores", contou Henriette. O alemão tinha 30 anos, e a mãe de Henriette, 16. Ele tocava piano e violão. Ela escutava escondida. Ele era gentil. Os soldados chegaram a tempo de evitar que fossem linchados pela multidão.
"Minha mãe", continuou Henriette, "não foi conduzida imediatamente para a prisão. Eles foram levados pelos americanos para uma casa da aldeia que ficava diante da igreja e que na época era um hotel. Para ser mais precisa, acho que eram canadenses, pois foram eles que libertaram esse pedaço de terra. Finalmente, graças a eles, foi possível a ela não ter a cabeça raspada como outras mulheres da vila que haviam se ligado de alguma forma com os alemães. Essas pobres mulheres foram conduzidas ao tribunal da Câmara Municipal, onde suas cabeças foram raspadas antes de elas serem lançadas às ruas completamente nuas sob as vaias da multidão. Disseram-lhe até que na prisão, quando algumas dessas mulheres ficavam menstruadas, o sangue corria entre suas pernas. Minha mãe sempre disse que devia muito \\'aos americanos\\' que haviam evitado que passasse por essa humilhação."
Os soldados aliados - e por vezes a prisão - evitaram que muitas mulheres tivessem a cabeça raspada e fossem exibidas em praça pública. No entanto, havia também quem raspasse as cabeças nas prisões, comissariados e prefeituras. O desejo de vingança estava entranhado no povo francês. O historiador Fabrice Virgili (autor de La France virile - Des femmes tondues à la Libération, Payot, 2000, não traduzido no Brasil) produziu um estudo bastante consistente a respeito desse capítulo da história francesa.
Um grande número de mulheres foram sumariamente executadas nas horas que se seguiram à Libertação, cometeram suicídio quando iriam ser presas ou na prisão. Elas tinham os rostos pintados com cruzes, algumas eram marcadas com ferro quente. Os interrogatórios eram um pesadelo. "Eu não me lembro mais de nada", disse a mãe de Henriette. "Minha cabeça caía de um lado para outro de tanto ser golpeada. Faziam sempre as mesmas perguntas. Queriam saber como ele, o alemão, se comportava na cama. Eu não respondia. E recebia uma nova bofetada.
Minha cabeça caía para a esquerda. Eles me perguntavam quantos centímetros media seu sexo. Eu não respondia de novo. Então continuavam a me bater. E a minha cabeça caía para a direita. Não dá para contar tudo que esses homens queriam saber, meus compatriotas."
As mais afortunadas escaparam às perseguições escondendo-se longe de seu bairro, de sua cidade, ou protegidas pelo silêncio dos vizinhos. Outras ocultavam seus amores culpados, visto que a Wehrmacht [forças armadas da Alemanha nazista] proibia, por questões de segurança e de "higiene", a sexualidade "livre" de seus homens, aos quais se aplicavam também os regulamentos eugênicos editados pelos nazistas que proibiam o casamento de soldados alemães com mulheres francesas, declaradas coletivamente "não-arianas".
Fabrice Virgili relatou que com a chegada das tropas aliadas em uma pequena localidade da região da França [Chantilly, ao norte de Paris], em 30 de agosto de 1944, os resistentes se dividiram em dois grupos. Um saiu à caça dos boches [designação pejorativa com que os franceses se referiam aos alemães], e o outro, dos amigos franceses dos boches. Esses "caçadores de escalpos", incontestavelmente, viveram nesse dia uma aventura excitante. O miliciano [que combatera a resistência francesa a mando do governo de Vichy] com o rosto inchado pelos golpes e o soldado alemão desarmado de camisola curta desabotoada, baleados à queima-roupa para pagar pelos crimes dos SS e da Gestapo, são exemplos do quadro da caça.
As mulheres que se ligaram aos invasores, às vezes oficiais, foram o primeiro alvo. Essas exações se multiplicaram no vazio administrativo resultante da queda do governo de Vichy e da partida dos nazistas, enquanto as tropas aliadas, que encontraram uma resistência alemã inesperada, não ocupavam o terreno. Entregue a bandos armados, a França foi, durante algum tempo, tomada pela anarquia.
Os "colaboracionistas" seriam submetidos em seguida aos tribunais de exceção da época, as câmaras cívicas. Um total de 18.572 mulheres seriam lançadas em caráter irrevogável à "indignação nacional", que iria privá-las de todos os seus direitos e em seguida colocá-las na prisão. Isso representava 26% das condenações (de um total de 71.507). Essa prescrição, revogada sete anos depois, constituía um simulacro de justiça, pois era retroativa, o que contradiz os princípios do direito. Os juristas da Resistência a conceberam para criar uma sanção equivalente a uma morte política e evitar assim o banho de sangue que ameaçava o país. Os amores culpados não figuravam na prescrição, mas esse "delito" podia dessa forma ser reprimido "por extensão". E os juízes e jurados geralmente cediam à pressão da opinião pública.
Houve um pico de perseguições nas semanas que se seguiram à Libertação, diante de multidões "que vinham de todas as partes". Em suma, tratou-se de uma reedição da caça às bruxas e da guilhotina revolucionária, seguida de um movimento repentino de desaprovação à raspagem das cabeças. Mas elas não deixaram de existir e conheceram um recrudescimento no início de 1945 até que os poderes públicos se posicionaram. Embora tivesse a intenção de desaprovar essas punições improvisadas, o Comitê Francês de Libertação Nacional e depois o Governo Provisório da República Francesa fecharam momentaneamente os olhos, para dar vazão à ira popular. A "depuração" seria o grande ato purificador da França. A palavra origina-se dos "ritos depuradores" instituídos sob a Revolução Francesa e que lembravam o Terror de 1793, mas também os totalitarismos stalinista e hitlerista [em que a pena capital era implementada arbitrariamente].
Quem eram essas mulheres que acabaram sendo punidas? Francesas empregadas pela Wehrmacht, essencialmente nos serviços de saúde, na manutenção dos alojamentos e das cozinhas, remuneradas, bem tratadas e em contato permanente com o invasor. Como ressaltou Fabrice Virgili, foi na área da saúde e dos serviços que houve o maior número de mulheres com as cabeças raspadas. Aí, a porcentagem das que foram rejeitadas mostrou-se muito elevada em relação aos efetivos femininos: 12% das mulheres francesas estavam ocupadas nesses serviços; elas totalizaram mais de 30% das mulheres com cabeças raspadas. Nos setores administrativos e nos meios intelectuais, essa proporção foi respectivamente de 19% e de 15% dos efetivos.
O arquétipo que acionou as máquinas de raspar as cabeças remonta a idades remotas, a prejulgamentos arcaicos e a suplícios igualmente antigos. O cortar de cabelos que tirou a força de Sansão retira da mulher um atrativo essencial do eterno feminino, fonte de poder sobre o outro sexo e objeto de reverência da cultura ocidental, como provam séculos de pintura e como o confirmam hoje a incompatibilidade dos costumes europeus com o uso de véu islâmico. Raspar a cabeça significou excluir da comunidade nacional, expulsar da sociedade civil, "desfeminilizar".
Entre as falhas e erros cometidos pela França, como o destino indigno reservado às mulheres acusadas de cumplicidade amorosa com os invasores e, mais tarde, a seus filhos, não é um capítulo de um passado do qual os franceses possam se orgulhar. Os filhos das mulheres que tiveram as cabeças raspadas ainda esperam pelo pedido de desculpas.
Saiba Mais
Governo de Vichy. Governo francês de influência nazista formado após a tomada da França pela Alemanha, entre 1940 e 1944. Oposta à resistência francesa e sediada na cidade de Vichy, a sudeste de Paris.
Libertação. Conjunto de ações que levaram à libertação da França do domínio alemão, entre os quais se destaca a invasão da Normandia pelas tropas aliadas e o levante das forças de resistência francesa que o precedeu.
Jean-Paul Picaper é jornalista e co-autor de Enfants maudits: Ils sont 200 000, On les appelait les "enfants de Boches" (Editions des Syrtes, 2004).
Revista Historia Viva
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