CLARICE LISPECTOR
Quem se atreve a definir esta mulher?
Enigmática, para Antônio Callado. Um mistério, para Carlos Drummond de Andrade. Insolúvel, para o jornalista Paulo Francis. Ela não fazia literatura, mas bruxaria, disse Otto Lara Resende.
Em maio de 1976, o jornalista José Castello, colaborador de O Globo, recebe a missão de entrevistar Clarice Lispector. Corre boato de que ela não quer mais saber de entrevistas, mas Castello consegue o encontro. Dialogam:
J.C. - Por que você escreve?
C.L. - Vou lhe responder com outra pergunta: - Por que você bebe água?
J.C. - Por que bebo água? Porque tenho sede.
C.L. - Quer dizer que você bebe água para não morrer. Pois eu também: escrevo para me manter viva.
Investigada por pesquisadores apaixonados no mundo todo, Clarice é uma das mais cultuadas escritoras brasileiras. Para muitos, das mais importantes do século 20, no mundo.
Clarice nasceu em Tchetchelnik, Ucrânia, em 10 de dezembro de 1920. Os pais, Pedro e Marieta, junto com as filhas Elisa e Tânia, estavam emigrando para o Brasil. Pararam naquele lugar apenas para Clarice nascer. Com dois meses de vida, desembarcava com a família em Maceió, Alagoas, onde viveu por três ou quatro anos. Mudam depois para o Recife.
Em 1929, perdeu a mãe. A menina já escrevia historinhas, recusadas pelo Diário de Pernambuco, que mantinha uma página infantil. Elas não tinham enredo e fatos - apenas sensações. “Guardo de Pernambuco até o sotaque. Quem vive ou viveu no Norte tem uma forma de ser brasileiro muito especial.”
Coração selvagem
Adolescente, segue com o pai e as irmãs para o Rio. Termina o secundário, dá aulas de português para contornar a crise financeira da família. Entra na Faculdade Nacional de Direito em 1939. No ano seguinte perde o pai. Trabalha como redatora no jornal A Noite, onde publica contos. Em 1943, casa com o diplomata Maury Gurgel Valente.
Perto do Coração Selvagem, primeiro romance, publica em 1944. Ela o havia escrito aos 19 anos. A jovem revelação desnorteia a crítica. Há os que buscam influências, invocam certo temperamento feminino. Outros não a entendem.
“Não sei o que quero e, quando descobrir, não preciso mais. Acho que quero entender. Quando escrevo, vou descobrindo, aprendendo. É um exercício de aprendizagem da vida.”
Viveu em vários países, acompanhando o marido. Nápoles, Berna, Washington se revezam com passagens pelo Brasil. A vida de mulher de diplomata não lhe agradava. Em 1947, escreve às irmãs:
“Tenho visto pessoas demais, falado demais, dito mentiras, tenho sido muito gentil. Quem está se divertindo é uma mulher que eu detesto, uma mulher que não é a irmã de vocês.”
No exterior lhe nascem os dois filhos. Mãe, Clarice divide-se entre as crianças e a literatura.
Água demais, a flor apodrece
Separada do marido em 1959, volta ao Rio com os filhos. Mais um período de dificuldades afetivas e financeiras, apesar de já ser escritora famosa, com obras publicadas no exterior. Em toda a década de 1960, colabora em vários jornais e revistas para sobreviver, faz traduções.
Em 1969, já era autora de obras importantes como O Lustre (romance, 1946); Laços de Família (contos, 1960); A Maçã no Escuro (romance, 1961); A Paixão Segundo G.H. (romance, 1964); Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres (romance, 1969). Incomodava-se com sua mitificação: “Muito elogio é como botar água demais na flor. Ela apodrece.”
Não se trata de literatura, mas bruxaria
Clarice morreu de câncer em 9 de dezembro de 1977, um dia antes de completar 57 anos. Poucos meses antes concedeu célebre entrevista a Júlio Lerner, da TV Cultura. Ela acabava de terminar A Hora da Estrela. Escrever era vital para a misteriosa Clarice. Na última entrevista confessava:
“Quando não escrevo, estou morta.”
Em 1975, convidada a participar do Congresso Mundial de Bruxaria na Colômbia, limitou-se à leitura do conto O Ovo e a Galinha, “um conto meu que eu não compreendo muito bem”. Na década de 1990, o escritor Otto Lara Resende advertiu José Castello, que escrevia biografia de Clarice:
“Você deve tomar cuidado com Clarice. Não se trata de literatura, mas de bruxaria.”
“O melhor produto do Brasil ainda é o brasileiro”
Câmara Cascudo
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