domingo, 5 de dezembro de 2010

O poeta dos escravos

CASTRO ALVES

O poeta dos escravos

{maio de 2000}

Responsável pela incorporação definitiva do negro à literatura brasileira,
Castro Alves viveu intensamente. Morreu jovem, mas a tempo de transformar o coração machucado em criação lírica e ocupar lugar importante na literatura brasileira.

Castro Alves, em 1865.

Castro Alves, em 1865.

Manhã ensolarada. Domingo, 14 de março de 1847. Aniversário de Clélia Brasília da Silva Castro, que faz 21 anos. Mas a alegria maior é outra. Clélia acaba de dar à luz o segundo filho, Antônio Frederico. Quem conduz o parto é o próprio pai, o médico Antônio José Alves.
Antônio passou os primeiros cinco anos na Fazenda Cabaceiras, hoje Muritiba, Bahia. A família muda-se para Salvador e Cecéu, em vez das aulas de matemática, prefere desenhar ou escrever e ler poesia. Aos treze anos, presencia cena que o marcaria: um escravo castigado no tronco.

A seara vermelha
Em 24 de janeiro de 1862, parte com o irmão para o Recife, a fim de cursar Direito. Antônio sai, José fica trancado em casa lendo, fumando e bebendo conhaque. Deprimido, suicida-se em 9 de fevereiro de 1864.
Reprovado duas vezes, Castro Alves freqüenta teatros e, num deles, encontra sua maior paixão: a atriz Eugênia Câmara. Ele está com 16 anos, ela com 26. Meses depois, escrevendo um poema para Eugênia, cospe sangue. O novo golpe o abala, mas é aprovado na Faculdade. Vem a crise. Dor no peito, tosse, sangue na boca. Vai para Salvador e, recuperado, retorna ao Recife. Escreve poesias que formariam o livro Os Escravos:
Cai, orvalho de sangue do escravo, /Cai, orvalho, na face do algoz. /Cresce, cresce, seara vermelha, /Cresce, cresce, vingança feroz.

O ciúme mata o amor
Eugênia cede aos encantos do poeta. Vão morar juntos e ele escreve a peça Gonzaga, ou A Revolução de Minas. Ao lado da luta pela Independência, coloca o que mais lhe interessa: a abolição da escravatura. O texto não agrada ao empresário de Eugênia.
Em 1867, Gonzaga estréia com êxito em Salvador. Ele sofre de ciúmes ao ver Eugênia cercada por admiradores. Segue para o Rio com carta de apresentação para José de Alencar, que o leva a Machado de Assis. Mas não consegue encenar a peça, e o casal segue para São Paulo. Ele continua os estudos na Faculdade de Direito paulista e fica amigo dos colegas Joaquim Nabuco e Rui Barbosa. Os dois moram numa república e para lá se transfere Castro Alves. Cansada dos ciúmes, Eugênia o dispensa. É o fim do romance.

Navio Negreiro
Sete de setembro de 1868. Diante da aristocracia paulistana, o poeta declama O Navio Negreiro, em que se dirige ao pavilhão brasileiro hasteado pelos traficantes de escravos em seus navios:
Antes te houvessem roto na batalha / Que servires a um povo de mortalha! (…) Andrada! Arranca esse pendão dos ares!…
Os colegas carregam Castro Alves pelas ruas. O Gonzaga repete o êxito de Salvador. Mas o poeta se abate. Sai para caçar nas matas do futuro bairro do Brás. Ao saltar um riacho, a espingarda dispara e lhe atinge o calcanhar. O ferimento à-toa piora devido à tuberculose.
Os médicos o transferem para o Rio e, lá, amputam-lhe o pé. Convalesce escrevendo e ruma para a Bahia. Organiza Espumas Flutuantes. Conhece a segunda musa, a cantora Agnese Trinci Murri. Ela, porém, abandonada pelo marido, recusa toda aproximação.
No fim de junho de 1871, piora. Pede que ponham a cama perto da janela, para ver o sol. Delira. Num momento de lucidez, ora:
“Dai-me, meu Deus, mais dois anos para escrever tudo o que eu tenho na cabeça.”
Que pena, não deu tempo. Morreu em 6 de julho de 1871.

Reprodução/AB

“As pessoas não morrem, ficam encantadas.”
Guimarães Rosa

Almanaque Brasil

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