JOÃO GUIMARÃES ROSA
Encantado foi, encantado ficou
Místico, discreto, recatado. Inventor de palavras, investigador das coisas do sertão, pensador sobre o bem e o mal. Autor de Grande Sertão: Veredas, uma das grandes obras da moderna literatura universal.
No dia 27 de junho de 1908, Floduardo Pinto Rosa convidou amigos para um trago. Abriu uma garrafa de pinga da boa no balcão de sua loja, no povoado de Cordisburgo, cerrado de Minas, e brindou com os amigos a chegada do primogênito João, que Chiquinha Guimarães Rosa acabava de lhe dar.
O menino, na descrição de seu Nenego, ex-empregado de Floduardo, era “espigadinho, quieto, bom aluno, criança muito atilada, que gostava muito de livros e estudos, diabruras não fazia, perdendo tempo só pra ver a boiada entrar nos vagão do trem de ferro”. João sonhava ouvindo as velhas “contadeiras”, contratadas pelos pais.
“Elas iam à minha casa só para contar casos. E as velhas, nas puras misturas, me contavam estórias de fadas e de vacas, de bois e reis. Adorava escutá-las.”
Aos 11 anos, foi estudar em São João del Rei e Belo Horizonte. Francês, inglês, holandês, alemão, latim, grego. Aos 20, estudante de medicina, aprendeu russo. Médico do Exército em Barbacena, em 1934, estuda japonês com um floricultor. Presta concurso para o Itamaraty.
O DIABO NÃO HÁ! (…)
EXISTE É HOMEM HUMANO.
Grande Sertão: Veredas
Até a década de 1930, Rosa só havia publicado alguns contos na revista O Cruzeiro. Em 1936 a Academia Brasileira de Letras o premia pela coletânea de versos Magma. Nomeado cônsul-adjunto na Alemanha, ajuda judeus a fugir. “O nazismo é o demônio”, diria a um amigo. Publica Sagarana em 1946, escrito em 1937: “É um cordel com que amarrei um livro. (…) A chave que abriria a porta de meus triunfos.”
Paralela à carreira diplomática, inicia a de escritor. Obstinado, perfeccionista e apaixonado pelo sertão. “Todos os meus personagens existem. São criaturas de Minas: jagunços, vaqueiros, fazendeiros, pactários de Deus e do Diabo, meninos pobres, mulheres belas…”
O TEMPO É O MÁGICO
DE TODAS AS TRAIÇÕES.
Primeiras Estórias
Há 50 anos, em maio de 1952, Rosa viaja pelo sertão mineiro. Em dez dias sobre lombo de mula, cavalga 40 léguas - 240 km. Acompanha vaqueiros conduzindo boiada. A aventura gera, em 1954, o único romance, Grande Sertão: Veredas, incluído entre as cem melhores obras do século 20, segundo enquete com escritores do mundo todo, publicada em maio de 2002 pelo jornal inglês The Guardian. “Escrevi esse livro em um processo de possessão.”
Supersticioso. Poty, ilustrador de seus livros, afirmou que ele “não abria mão de um símbolo em determinado canto da página, nem da assinatura completa (…), queria sempre a reprodução fiel dos sinais que tinha visto riscado a faca em porteiras e batentes de porta do interior”.
Vieram Corpo de Baile, Primeiras Estórias, Tutaméia.
Eleito em 1963 para a Academia Brasileira de Letras, reluta quatro anos até tomar posse, em 16 de novembro de 1967. Faz discurso premonitório: “…a gente morre é para provar que viveu.” Mais adiante: “As pessoas não morrem, ficam encantadas.”
Um espanto. Três dias depois João Guimarães Rosa ficou encantado. Um enfarte o levou quando fazia o que mais gostava: escrever. Justificou seu viver como fábula:
“As aventuras não têm tempo, não têm princípio nem fim. E meus livros são aventuras; para mim são minha maior aventura. Escrevendo descubro sempre um novo pedaço de infinito. Vivo no infinito; o momento não conta.”
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