DI CAVALCANTI
Intelectual que pintou seu povo
Idealizou a revolucionária Semana de Arte Moderna. Ao retratar nosso cotidiano, contribuiu para definir a identidade cultural brasileira.
Mulatas; pescadores; gafieira; festas; caricaturas, charges, retratos. Poucos artistas captaram a essência de seu povo como Di Cavalcanti. Foi um dos responsáveis pela temática nacional na pintura. O crítico Mário Schenberg cravou:
“Qualquer trabalho de Di, bom ou ruim, é um trabalho brasileiro.”
O carioca Emiliano Augusto Cavalcanti de Albuquerque Mello nasceu a 6 de setembro de 1897na casa do tio, jornalista e abolicionista José do Patrocínio. Passou a infância em São Cristóvão, entre saraus, leitura de poesias. Didi era seu apelido, ou Di.
Em 1914, perde o pai e começa a assinar ilustrações na revista Fon-Fon. Aos 20 anos, muda para São Paulo. Abandona o curso de Direito e forma grupo com Guilherme de Almeida, Oswald de Andrade, M ário de Andrade e outros intelectuais.
Era sua obsessão, segundo o crítico Mário Schenberg, fazer uma arte ligada aos aspectos cotidianos e “através deles definir a nossa identidade cultural”. Assim, com o historiador Paulo Prado, idealiza a Semana de Arte Moderna de 1922. E ilustra o catálogo do evento que demoliu as velhas formas artísticas. Viaja à Europa. Vive em Paris até 1925.
De volta, filia-se ao Partido Comunista, no Rio. Pinta, no saguão do Teatro João Caetano,Samba e Carnaval, primeiros painéis modernistas da América Latina. Em 1930, outro marco: a tela Cinco Moças de Guaratinguetá. A sensualidade não está propriamente nas mulatas, mas no tratamento da cor, ou, como diz Jacob Klintowitz, vem da estrutura do desenho, “de um traço e tratamento mais demorado, vagaroso, barroco”.
“Criar” - disse Di - “é acima de tudo dar substância ideal ao que existe.”
Casa com a pintora Noêmia Mourão, sua aluna. Perseguidos após a Intentona Comunista de 1935, seguem para Paris mas logo voltam, com a II Guerra à vista. Di passa a criticar o abstracionismo: sua preocupação central é o ser humano. Olívio Tavares de Araújo interpreta o predomínio da figura humana em sua arte como “manifestação de seu humanismo essencial - o mesmo humanismo que o levou a ser um indivíduo da esquerda, embora não exatamente um ativista partidário”.
No pós-guerra, maduro, Di coleciona louros. Prêmio de Melhor Pintor Nacional na II Bienal de São Paulo, em 1953; desenha as tapeçarias do Palácio da Alvorada; pinta a via-sacra para a Catedral de Brasília; 1º prêmio na Mostra Internacional de Arte Sacra de Trieste, Itália, por Crucificação; medalha de ouro na II Bienal Interamericana do México. Suas obras espalham-se por museus e coleções da América Latina, Estados Unidos e Europa.
Em 1964, João Goulart indica-o como adido cultural na França. O golpe militar o impede de assumir o cargo.
Tinha, no dizer de Walmir Ayala, “sensibilidade extrovertida, irreverente, requintada, independente e bem humorada”. Escritor, jornalista e poeta, preferia que o considerassem, não pintor, mas “intelectual que pinta”. Chegou a disputar vaga na Academia Brasileira de Letras. Fernando Sabino testemunhou:
“É incrível como a literatura está presente na vida deste homem. Poderia ter-se tornado grande escritor, de que nos dão conta seus dois livros de memórias e a poesia que, embora esporádica, nunca o abandonou.
Buscou soluções plásticas, políticas e críticas para “o caso do Brasil”, segundo o poeta Murilo Mendes. Morreu no Rio a 26 de outubro de 1976. Glauber Rocha filmou velório e enterro; e montou documentário ao qual deu título tirado de poema de Augusto dos Anjos: Ninguém assistiu ao enterro de tua última quimera, somente a ingratidão, essa pantera, foi tua companheira inseparável. Prêmio Especial do Júri em Cannes.
“Filmar meu amigo Di morto é um ato de humor modernista-surrealista que se permite entre artistas renascentes: Fênix-Di nunca morreu”, vaticinou Glauber.
“O melhor produto do Brasil ainda é o brasileiro”
Câmara Cascurdo
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